O OfĂcio
Escrevo para sentir nas veias
o voo da pedra.Antecipação da paz
neste paĂs de granadas
moldadas
no silĂȘncio dos frutos.Escrevo como quem escava
no bojo da sombra
um mar de claridade.Pedras vivas de possibilidade
as palavras levantam
o crime, os pĂĄssaros do pĂąntanoEscrevo
no grande espaço obscuro
que somos e nos inunda.
Passagens sobre SilĂȘncio
845 resultadosTimidez
Eu sei que Ă© sempre assim, – longe dela imagino
mil versos que nĂŁo fiz mas que ainda hei de compor,
perto dela, – meu Deus!… lembro mais um menino
que esquecesse a lição diante do professor…Penso, que a minha voz terĂĄ sons de violino
enchendo os seus ouvidos de cançÔes de amor,
– e hei de deixĂĄ-la tonta ao vinho doce e fino
dos meus beijos, no instante em que minha ela for…Ao seu lado, no entanto, encabulado, emudeço,
e se os seus lĂĄbios frios, trĂȘmulos, se calam,
eu, de tudo, das cousas, de mim mesmo, esqueço…E ficamos assim, ela em silĂȘncio… eu, mudo…
Mas meus olhos, nem sei… ah! Quantas cousas falam!
e seus olhos, seus olhos!… dizem tudo, tudo!
Por um Rosto Chego ao Teu Rosto
Por um rosto chego ao teu rosto,
noutro corpo sei o teu corpo.
Num autocarro, num café me pergunto
porque nĂŁo falam o que vai
no seu silĂȘncio aqueles cujo olhar
me fala da solidĂŁo.
Esqueço-me de mim. Tão quieto
pensando na sua pouca coragem, a minha
sempre adiada. Por um rosto
chegaria o teu rosto, mesmo de um convite
ousado fugiria, esta mĂŁo conhece-te
e desenha no ar o hĂĄbito
por que andou antes de saĂres
do espaço à sua volta. Estås longe,
sĂł assim podes pedir algumas horas
aos meus dias. Sem fixar a voz
a tua voz Ă© uma corda, a minha
um fio a partir-se.
Canção à Ausente
Para te amar ensaiei os meus lĂĄbios…
Deixei de pronunciar palavras duras.
Para te amar ensaiei os meus lĂĄbios!Para tocar-te ensaiei os meus dedos…
Banhei-os na ĂĄgua lĂmpida das fontes.
Para tocar-te ensaiei os meus dedos!Para te ouvir ensaiei meus ouvidos!
Pus-me a escutar as vozes do silĂȘncio…
Para te ouvir ensaiei meus ouvidos!E a vida foi passando, foi passando…
E, à força de esperar a tua vinda,
De cada braço fiz mudo cipreste.A vida foi passando, foi passando…
E nunca mais vieste!
Para toda a espĂ©cie de mal, hĂĄ dois remĂ©dios: o tempo e o silĂȘncio.
Renascimento
Quando tudo te parece perdido
escuta a vida
o silĂȘncio da vida murmurando â
poderei sorver minha seiva
sob o ĂĄspero pĂł das ruĂnas
A Mais Bela Noite do Mundo
Hoje,
serĂĄ o fim!Hoje
nem este falso silĂȘncio
dos meus gestos malogrados
debruçando-se
sobre os meus ombros nus
e esmagados!Nem o luar, pano baço de cenårio velho,
escutando
a minha prisĂŁo de viver
a lição que me ditavam:
– Menino! acende uma vela na tua vida,
que o sol, a luz e o ar
sĂŁo perfumes de pecado.
Tem braços longos e tentadores â o dia!– Menino! recolhe-te na sombra do meu regaço
que teus pés
são feitos de barro e cansaço!(Era esta a voz do papão
pintado de belo
na mĂĄscara de papelĂŁo).Eram inĂșteis e magoadas as noites da minha rua…
Noites de lua
que lembravam as grilhetas
da minha vida parada.– AmanhĂŁ,
terĂĄs os mestres, as aulas, os amigos e os livros
e o espectĂĄculo da morgue
morando durante dias
nos teus sentidos gorados.AmanhĂŁ,
serĂĄ o ultrapassar outra curva
no teu caminho destinado.(Era esta a voz do papĂŁo
que acendia a vela,
Preciso de Ti
Antes de começar… Acabei de suplicar dez minutos para este bilhete… Terrivelmente, terrivelmente vivo, dorido, e sentindo absolutamente que preciso de ti. Permiti o silĂȘncio deliberadamente, sentindo uma grande necessidade de me retirar em mim mesmo, para escrever, e mil coisas prevalecendo.
Mudei para outra mĂĄquina, assustadora; a mĂĄquina francesa… maldita, e eu bĂȘbedo com o desejo de te escrever. Ouve, ligo-te de manhĂŁ: esta noite ou escrevo ou rebento, mas tenho de te ver. Vejo-te brilhante e maravilhosa e ao mesmo tempo tenho estado a escrever Ă June e todo dividido mas tu compreenderĂĄs â tens de compreender. Vou atirar-me a uma pausa e faço uma chamada. Anais, apoia-me. NĂŁo deixes que os silĂȘncios te preocupem: estĂĄs toda Ă minha volta como uma chama clara. Nada a nĂŁo ser dois pontos, nĂŁo encontro o ponto nem os apĂłstrofos. Nenhuma cĂłpia disto tambĂ©m: Ăłptimo: bĂȘbedo… bĂȘbedo de vida… Anais, por Cristo: se tu soubesses o que estou a sentir agora.
Isto foi [escrito] ao chegar [ao escritĂłrio]. Agora 3h20 da manhĂŁ no quarto do Fred… Toda a força desaparecida e destruĂda por imagens. O Fred estĂĄ na cama com a Gaby do chambre 48. EstĂĄ deitada como um cadĂĄver.
Toda esta tagarelice dos homens nĂŁo constitui uma verdadeira palavra, suporto-a para poder gozar o silĂȘncio que passa atravĂ©s dela.
InsĂłnia
NĂŁo durmo, nem espero dormir.
Nem na morte espero dormir.Espera-me uma insĂłnia da largura dos astros,
E um bocejo inĂștil do comprimento do mundo.NĂŁo durmo; nĂŁo posso ler quando acordo de noite,
NĂŁo posso escrever quando acordo de noite,
NĂŁo posso pensar quando acordo de noite â
Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!Ah, o Ăłpio de ser outra pessoa qualquer!
NĂŁo durmo, jazo, cadĂĄver acordado, sentindo,
E o meu sentimento Ă© um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
â Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que me nĂŁo sucederam
â Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que nĂŁo sĂŁo nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.Não tenho força para ter energia para acender um cigarro.
Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo.
LĂĄ fora hĂĄ o silĂȘncio dessa coisa toda.
Um grande silĂȘncio apavorante noutra ocasiĂŁo qualquer,
Noutra ocasiĂŁo qualquer em que eu pudesse sentir.
Noturno Do Morro Do Encanto
Este fundo de hotel Ă© um fim de mundo!
Aqui Ă© o silĂȘncio que te voz. O encanto
Que deu nome a este morro, pÔe no fundo
De cada coisa o seu cativo canto.Ouço o tempo, segundo por segundo.
Urdir a lenta eternidade. Enquanto
FĂĄtima ao pĂł de estrelas sitibundo
Lança a misericórdia do seu manto.Teu nome é uma lembrança tão antiga,
Que nĂŁo tem so nem cor, e eu, miserando,
NĂŁo sei mais como ouvir, nem como o diga.Falta a morte chegar… Ela me espia
Neste instante talvez, mal suspeitando
Que jĂĄ morri quando o que eu fui morria.
SĂł um homem de meditação pode permitir que a intimidade aconteça. Ele nĂŁo tem nada a esconder. Ele prĂłprio deixou cair tudo aquilo que o fazia ter medo de que alguĂ©m descobrisse. Ficou apenas com o silĂȘncio e um coração afectuoso.
Amei-te sem Saberes
No avesso das palavras
na contrĂĄria face
da minha solidĂŁo
eu te amei
e acariciei
o teu imperceptĂvel crescer
como carne da lua
nos nocturnos lĂĄbios entreabertosE amei-te sem saberes
amei-te sem o saber
amando de te procurar
amando de te inventarNo contorno do fogo
desenhei o teu rosto
e para te reconhecer
mudei de corpo
troquei de noites
juntei crepĂșsculo e alvoradaPara me acostumar
Ă tua intermitente ausĂȘncia
ensinei Ă s timbilas
a espera do silĂȘncio
A mĂșsica que me sai dos dedos ama o silĂȘncio, e a suprema ambição do poeta Ă© integrĂĄ-lo no canto.
Escrevias pela Noite Fora
Escrevias pela noite fora. Olhava-te, olhava
o que ia ficando nas pausas entre cada
sorriso. Por ti mudei a razĂŁo das coisas,
faz de conta que nĂŁo sei as coisas que nĂŁo queres
que saiba, acabei por te pensar com crianças
à volta. Agora hå prédios onde havia
laranjeiras e romĂŁs no chĂŁo e as palavras
nem o sabem dizer, apenas apontam a rua
que foi comum, o quarto estreito. Um livro
Ă© suficiente neste passeio. Quando nĂŁo escreves
estĂĄs a ler e ao lado das ĂĄrvores o silĂȘncio
Ă© maior. Decerto te digo o que penso
baixando a cabeça e tu respondes sempre
com a cabeça inclinada e o fumo suspenso
no ar. As verdades nunca se disseram. Queria
prender-te, tornar a perder-te, achar-te
assim por acaso no meu dia livre a meio
da semana. MantĂȘm-se as causas iguais
das pequenas alegrias, longe da alegria, a rotina
dos sorrisos vem de nenhum vĂcio. Este abandono
custa. Porque estou contigo e me deixas
a tua imagem passa pelas noites sem sono,
estĂĄ aqui a cadeira em que te sentaste
a escrever lendo.
Velho Cego, Choravas
Velho cego, choravas quando a tua vida
era boa, e tinhas em teus olhos o sol:
mas se tens jĂĄ o silĂȘncio, o que Ă© que tu esperas,
o que Ă© que esperas, cego, que esperas da dor?No teu canto pareces um menino que nascera
sem pés para a terra e sem olhos para o mar
como os das bestas que por dentro da noite cega
– sem dia ou crepĂșsculo – se cansam de esperar.Porque se conheces o caminho que leva
em dois ou trĂȘs minutos atĂ© Ă vida nova,
velho cego, que esperas, que podes esperar?Se pela mais torpe amargura do destino,
animal velho e cego, nĂŁo sabes o caminho,
eu que tenho dois olhos to posso ensinar.Tradução de Rui Lage
As Palavras de Amor
Esqueçamos as palavras, as palavras:
As ternas, caprichosas, violentas,
As suaves de mel, as obscenas,
As de febre, as famintas e sedentas.Deixemos que o silĂȘncio dĂȘ sentido
Ao pulsar do meu sangue no teu ventre:
Que palavra ou discurso poderia
Dizer amar na lĂngua da semente?
Amigo
1.
Amigo, toma para ti o que quiseres,
passeia o teu olhar pelos meus recantos,
e se assim o desejas, dou-te a alma inteira,
com suas brancas avenidas e cançÔes.2.
Amigo – faz com que na tarde se desvaneça
este inĂștil e velho desejo de vencer.Bebe do meu cĂąntaro se tens sede.
Amigo – faz com que na tarde se desvaneça
este desejo de que todas as roseiras
me pertençam.Amigo,
se tens fome come do meu pĂŁo.3.
Tudo, amigo, o fiz para ti. Tudo isto
que sem olhares verĂĄs na minha casa vazia:
tudo isto que sobe pelo muros direitos
– como o meu coração – sempre buscando altura.Sorris-te – amigo. Que importa! NinguĂ©m sabe
entregar nas mĂŁos o que se esconde dentro,
mas eu dou-te a alma, ùnfora de suaves néctares,
e toda eu ta dou… Menos aquela lembrança…… Que na minha herdade vazia aquele amor perdido
Ă© uma rosa branca que se abre em silĂȘncio…Tradução de Rui Lage
Soneto Com Estrambote Enviesado
Alfaiate de mim costuro a roupa
que cabe ao figurino que me coube.SĂł meu verso protege essa amargura
desfiada de dia ao sol veloz,
para Ă noite tecer nova textura,
novelo de silĂȘncio ao rĂ©s da voz.Enxoval construĂdo nessa usura
solitĂĄria de andaimes, num retrĂłs
de linha vertical, que se pendura
na pĂȘnsil teia atada, fio em fozdesse rio agulha que me costura
ao rendilhado de ĂĄguas tropicais,
que sabe de saudades no meu cais.Viageiro de uma sanha que me traz
sempre de volta ao tear do meu destino
na seda depressiva me assassino.
O silĂȘncio Ă© como o vento: atiça os grandes mal-entendidos e sĂł extingue os pequenos.