Diferentes Caminhos para uma Felicidade Sempre Insuficiente
O objectivo para o qual o princípio do prazer nos impele — o de nos tornarmos felizes — não é atingível; contudo, não podemos — ou melhor, não temos o direito — de desistir do esforço da sua realização de uma maneira ou de outra. Caminhos muito diferentes podem ser seguidos para isso; alguns dedicam-se ao aspecto positivo do objectivo, o atingir do prazer; outros o negativo, o evitar da dor. Por nenhum destes caminhos conseguimos atingir tudo o que desejamos. Naquele sentido modificado em que vimos que era atingível, a felicidade é um problema de gestão da libido em cada indivíduo. Não há uma receita soberana nesta matéria que sirva para todos; cada um deve descobrir por si qual o método através do qual poderá alcançar a felicidade. Toda a espécie de factores irá influenciar a sua escolha. Depende da quantidade de satisfação real que ele irá encontrar no mundo externo, e até onde acha necessário tornar-se independente dele. Por fim, na confiança que tem em si próprio do seu poder de modificar conforme os seus desejos. Mesmo nesta fase, a constituição mental do indivíduo tem um papel decisivo, para além de quaisquer considerações externas. O homem que é predominantemente erótico irá escolher em primeiro lugar relações emocionais com os outros;
Passagens sobre Soberanos
96 resultadosNão Existe Prosa
Não existe prosa. A menos que se refiram os escritos, em prosa ou verso, que pretendem ensinar. Não há nada a ensinar embora haja tudo a aprender. Aquilo que se aprende vem do nosso próprio ensino, vem da pergunta; vão-se aprendendo, pelas esperas, pela imobilidade às portas, pela invisibilidade dos rostos depois de vistos tão prometedoramente, pela emenda sucessiva, pela insónia sucessiva dos olhos e das figurações, sempre, vão-se aprendendo sempre as maneiras da pergunta. Uma pergunta em perguntas, um poema em poemas, uma rebarbativa constelação de objectos ofuscantes. Aprende-se que a pergunta se desloca com a luz inerente; ilumina-se a si mesma, a pergunta constelar; ensina a si mesma, ao longo de si mesma, os estilos de ser dotada dessa luz para fora e para dentro. Leio romances desde que perceba que não estão a responder. Alguns são extraordinárias máquinas interrogativas: “Ulisses”, “Filhos e Amantes”, “O Doutor Fausto”, “O Processo”, “A Morte de Virgílio”, “O Som e a Fúria”, “Debaixo do Vulcão”, “A Obra ao Negro”, “Lolita”, “Diário do Ladrão”, todos os romances de Céline como se fossem um só, alguns outros, antes, agora. Os romances de Agustina Bessa-Luís, porventura os menos amados, são entre nós as quase únicas máquinas vivas de perguntar.
Tinha de Fachos Mil a Noite Ornado
1
Tinha de fachos mil a noite ornado
A argentada Princesa:
De amor, graça e beleza
O campo etéreo Vénus povoado.2
A Terra, com perfume precioso
Em torno recendia;
E plácido dormia
Sobre a dourada areia o pego undoso;3
Quando veio roubar a formosura
De tudo o que é criado,
Márcia, fiel traslado
Da beleza do Céu, sublime e pura;4
Com Lírios, que estendeu, vestiu ufana
A forma divinal;
Em aceso coral
Tingiu, sorrindo, a boca soberana,5
As madeixas tomou das veias de ouro,
Nos olhos pôs safiras,
Que das setas, que atiras,
São, fero Amor, o mais caudal tesouro.6
Todos seus dons lhe pôs o Céu no peito;
Como orna o Régio Sposo,
C’o enfeite mais custoso,
A Princesa, a quem rende a alma, sujeito.7
Eu vi afadigados os Amores,
E as Graças, que cantavam
Enquanto se moldavam
Seus graciosos gestos vencedores.8
Das Sereias o canto deleitoso
Lhe nasceu sem estudo;
Chorai, Ninfas, Os Fados Poderosos
Chorai, Ninfas, os fados poderosos
daquela soberana fermosura!
Onde foram parar na sepultura
aqueles reais olhos graciosos?Ó bens do mundo, falsos e enganosos!
Que mágoas para ouvir! Que tal figura
jaza sem resplandor na terra dura,
com tal rosto e cabelos tão fermosos!Das outras que será, pois poder teve
a morte sobre cousa tanto bela
que ela eclipsava a luz do claro dia?Mas o mundo não era dino dela,
por isso mais na terra não esteve;
ao Céu subiu, que já *se* lhe devia.
XLIII
Quem és tu? (ai de mim!) eu reclinado
No seio de uma víbora! Ah tirana!
Como entre as garras de uma tigre hircana
Me encontro de repente sufocado!Não era essa, que eu tinha posta ao lado,
Da minha Nise a imagem soberana?
Não era… mas que digo! ela me engana:
Sim, que eu a vejo ainda no mesmo estado:Pois como no letargo a fantasia
Tão cruel ma pintou, tão inconstante,
Que a vi… ? mas nada vi; que eu nada cria.Foi sonho; foi quimera; a um peito amante
Amor não deu favores um só dia,
Que a sombra de um tormento os não quebrante.
O Desejo como Consequência do Prazer e da Dor
O prazer e a dor suscitam o desejo. Desejo de alcançar o prazer e de evitar a dor. O desejo é o móbil principal da nossa vontade e, portanto, dos nossos atos. Do pólipo aos homens, todos os seres são movidos pelo desejo. Inspira a vontade, que não pode existir sem ele, e depende da sua intensidade. O desejo fraco suscita, naturalmente, uma vontade fraca.
Cumpre, no entanto, não confundir vontade e desejo, como fizeram muitos filósofos, tais como Condillac e Schopenhauer. Tudo quanto é querido é, evidentemente, desejado; mas desejamos muitas coisas que, sabemos, não podíamos querer. A vontade traduz deliberação, determinação e execução, estados de consciência que não se observam no desejo.
O desejo estabelece a escala dos nossos valores, variável, aliás, com o tempo e as raças. O ideal de cada povo é a fórmula do seu desejo.
Um desejo que invade todo o entendimento, transforma a nossa concepção das coisas, as nossas opiniões e as nossas crenças. Spinoza muito bem disse julgamos uma coisa boa, não por julgamento, mas porque a desejamos.Não existindo em si mesmo o valor das coisas, ele é apenas determinado pelo desejo e proporcionalmente à intensidade desse desejo.A variável apreciação dos objetos de arte fornece desse fato uma prova diária.
Todos Nós Hoje Nos Desabituamos do Trabalho de Verificar
Todos nós hoje nos desabituamos, ou antes nos desembaraçamos alegremente, do penoso trabalho de verificar. É com impressões fluídas que formamos as nossas maciças conclusões. Para julgar em Política o facto mais complexo, largamente nos contentamos com um boato, mal escutado a uma esquina, numa manhã de vento. Para apreciar em Literatura o livro mais profundo, atulhado de ideias novas, que o amor de extensos anos fortemente encadeou—apenas nos basta folhear aqui e além uma página, através do fumo escurecedor do charuto. Principalmente para condenar, a nossa ligeireza é fulminante. Com que soberana facilidade declaramos—«Este é uma besta! Aquele é um maroto!» Para proclamar—«É um génio!» ou «É um santo!» of erecemos uma resistência mais considerada. Mas ainda assim, quando uma boa digestão ou a macia luz dum céu de Maio nos inclinam à benevolência, também concedemos bizarramente, e só com lançar um olhar distraído sobre o eleito, a coroa ou a auréola, e aí empurramos para a popularidade um maganão enfeitado de louros ou nimbado de raios. Assim passamos o nosso bendito dia a estampar rótulos definitivos no dorso dos homens e das coisas. Não há acção individual ou colectiva, personalidade ou obra humana, sobre que não estejamos prontos a promulgar rotundamente uma opinião bojuda E a opinião tem sempre,
Remédio para o Pessimismo
Queixas-te porque não encontras nada a teu gosto?
São então sempre os teus velhos caprichos
Ouço-te praguejar, gritar e escarrar…
Estou esgotado, o meu coração despedaça-se.
Ouve, meu caro, decide-te livremente.
A engolir um sapinho bem gordinho,
De uma só vez e sem olhar.
É remédio soberano para a dispepsia.
Tortura Eterna
Impotência cruel, ó vã tortura!
Ó Força inútil, ansiedade humana!
Ó círculos dantescos da loucura!
Ó luta, Ó luta secular, insana!Que tu não possas, Alma soberana,
Perpetuamente refulgir na Altura,
Na Aleluia da Luz, na clara Hosana
Do Sol, cantar, imortalmente pura.Que tu não posses, Sentimento ardente,
Viver, vibrar nos brilhos do ar fremente,
Por entre as chamas, os clarões supernos.Ó Sons intraduzíveis, Formas, Cores!…
Ah! que eu não possa eternizar as cores
Nos bronzes e nos mármores eternos!
Finalmente outra Vez Vejo Perdida
Finalmente outra vez vejo perdida
Às mãos do amor, a doce liberdade
Que já livrei da sua crueldade
Como quem de um naufrágio salva a vida.Já no meu coração nova ferida
Abrem os duros golpes da saudade;
E já vive outra vez minha vontade
De esperanças aéreas revestida.Nunca cuidei que visse, amor tirano,
Tão depressa quebrado o juramento
Que fiz no puro altar do desengano.Mas quem pode viver de amor isento,
Vendo naquele rosto soberano
De tais olhos o doce movimento?
O Amor Infinito
Da mulher o que nos comove e enleva é a parte impoluta que ela tem do céu; é a magia que a fada exercita obedecendo a interno impulso, não sabido dela, não sabido de nós. Ali há mensagem de outras regiões; aqui, no peito arquejante, nos olhos amarados de gozozas lágrimas, há um espirar para o alto, um ir-se o coração avoando desde os olhos, desde o sorriso dela para soberanas e imorredouras alegrias. Nós é que não sabemos nem podemos ver senão o pouquinho desse infinito que nos entre-luz nas graças do primeiro amor, do segundo amor, de quantos estremecimentos de súbita embriaguez nos fazem crer que despimos o invólucro de barro e pairamos alados sobre a região das lágrimas.
É Deus que não quer ou somos nós que não podemos prorrogar a duração ao sonho? Se Deus, que mal faria à sua divina grandeza que o pequenino guzano o adorasse sempre? Porque vai tão rápida aquela estação em que o homem é bom porque ama, e é caritativo e dadivoso porque tudo sobeja à sua felicidade? Quando poderam aliar-se um amor puro com a impureza das intenções? Quais olhos de homem afectivo e como santificado por seu amor recusaram chorar sobre desgraças estranhas?
Soneto XXXXVII
Como depois de tanta idade de ano
Agora o Céu vos dá, Jacinto, à terra?
Esta tardança algua culpa encerra
Ou mistério, que passa o ser humano.Foi descuido do Céu, ou foi engano
Da terra, que sem Céu mil vezes erra?
Ou pouco merecer, que este desterra
De tanta glória o prémio soberano?Nem foi erro da terra, nem foi vosso,
Nem do Céu foi, mas foi mistério seu
Que à Católica Igreja se aparelha.Filhos na mocidade o Céu lhe deu:
Guardou-vos, por vos dar filho mais moço
Para consolação desta Mãe velha.
A Alma Popular é Totalmente Dominada por Elementos Afectivos e Místicos
A acção cada vez mais considerável das multidões na vida política imprime especial importância ao estudo das opiniões populares. Interpretadas por uma legião de advogados e professores, que as transpõem e lhe dissimulam a mobilidade, a incoerência e o simplismo, elas permanecem pouco conhecidas. Hoje, o povo soberano é tão adulado quanto foram, outrora, os piores déspotas. As suas paixões baixas, os seus ruidosos apetites, as suas ininteligentes aspirações suscitam admiradores. Para os políticos, servidores da plebe, os factos não existem, as realidades não têm nenhum valor, a natureza deve-se submeter a todas as fantasias do número.
A alma popular (…) tem, como principal característica, a circunstância de ser inteiramente dominada por elementos afectivos e místicos. Não podendo nenhum argumento racional refrear nela as impulsões criadas por esses elementos, ela obedece-lhes imediatamente.
O lado místico da alma das multidões é, muitas vezes, mais desenvolvido ainda do que o seu lado afectivo. Daí resulta uma intensa necessidade de adorar alguma coisa: deus, feitiço, personagem ou doutrina.
(…) O ponto mais essencial, talvez, da psicologia das multidões é a nula influência que a razão exerceu nelas. As ideias susceptíveis de influenciar as multidões não são ideias racionais, porém sentimentos expressos sob forma de ideias.
Madona Da Tristeza
Quando te escuto e te olho reverente
E sinto a tua graça triste e bela
De ave medrosa, tímida, singela,
Fico a cismar enternecidamente.Tua voz, teu olhar, teu ar dolente
Toda a delicadeza ideal revela
E de sonhos e lágrimas estrela
O meu ser comovido e penitente.Com que mágoa te adoro e te contemplo,
Ó da Piedade soberano exemplo,
Flor divina e secreta da Beleza.Os meus soluços enchem os espaços
Quando te aperto nos estreitos braços,
solitária madona da Tristeza!
Um soberano jamais deve colocar em ação um exército motivado pela raiva; um líder jamais deve iniciar uma guerra motivado pela ira.
Já Foste Rico e Forte e Soberano
Já foste rico e forte e soberano,
Já deste leis a mundos e nações,
Heróico Portugal, que o gram Camões
Cantou, como o não pôde um ser humano!Zombando do furor do mar insano,
Os teus nautas, em fracos galeões,
Descobriram longínquas regiões,
Perdidas na amplidão do vasto oceano.Hoje vejo-te triste e abatido,
E quem sabe se choras, ou então,
Relembras com saudade o tempo ido?Mas a queda fatal não temas, não.
Porque o teu povo, outrora tão temido,
Ainda tem ardor no coração.
Esperanças de um Vão Contentamento
Esperanças de um vão contentamento,
por meu mal tantos anos conservadas,
é tempo de perder-vos, já que ousadas
abusastes de um longo sofrimento.Fugi; cá ficará meu pensamento
meditando nas horas malogradas,
e das tristes, presentes e passadas,
farei para as futuras argumento.Já não me iludirá um doce engano,
que trocarei ligeiras fantasias
em pesadas razões do desengano.E tu, sacra Virtude, que anuncias,
a quem te logra, o gosto soberano,
vem dominar o resto dos meus dias.
Pois se para os Amar não Foram Feitos
Pois se para os amar não foram feitos,
Senhor, aqueles olhos soberanos,
Porque, por tantos modos, mais que humanos,
Pintando os estivestes tão perfeitos?Se tais palavras e se tais conceitos,
Tão divinas, tão longe de profanos,
Não destes por oráculo aos enganos,
Com que Amor vive nos mais altos peitos,Porque, Senhor, tanta beleza junta,
Tanta graça e tal ser lhe foi deitado,
Qual ídolo nenhum gozara antigo?Mas como respondeis a esta pergunta?
Que ou para disculpar o meu pecado,
Ou para eternizar o meu castigo?
As tiranias, efetivamente, umas se estabeleceram deste modo, quando já as cidades tinham crescido; outras, antes isto, surgiram de reis que se apartaram dos costumes de seus antepassados e aspiravam a um comando mais despótico. Outras, dos cidadãos eleitos para as magistraturas supremas, pois antigamente as democracias estabeleciam para muito tempo os cargos civis e religiosos; outras surgiam das oligarquias quando elegiam a um só com poder soberano para as mais importantes magistraturas.
Quando alguém se entrega ao ofício de ensinar, com uma fé conspícua e soberana, acreditem que a desilusão vive nele, como as ondinas num lago, como no elemento que as criou.