Símios Aperfeiçoados II
A tragédia é a cristalização da massa humana, tão perigosa como a estagnação do espírito do homem que se torna académico ou fenece por falta de entusiasmo. Gostava de saber quantas pessoas pensam em macacos durante o correr de um dia? Quantas? O homem-massa, num futuro próximo – em relações antropológicas o próximo leva geralmente centenas de anos – transformar-se-á num novo espectáculo de jardim zoológico. Em vez de jaula e aldeias de símios, ele terá balneários públicos e campos para habilidades desportivas, com ocasionais jogos nocturnos. Dará palmas em delírio ouvindo ainda o som distante da sineta tocada pelo elefante num acto máximo de inteligência paquidérmica. Terá circuitos fechados, com pistas perfeitamente cimentadas, para passear o tédio da família aos domingos, circulará repetidamente em metropolitanos convencido de que cada nova paragem é diferente da anterior.
E estou absolutamente crente que do naufrágio calamitoso apenas se hão-de salvar os que pela porta do cavalo fugirem ao triturar das grandes colectividades humanas, ou os que por força invencível e instintiva se libertarem para uma nova categoria de homem, ou, melhor dizendo, para a sua verdadeira categoria de homem, de homem-pensamento, na linha directa de um Platão, de um Homero, de um Aristófanes,
Passagens sobre Sociedade
704 resultadosO Homem Foi Sempre Mau
O homem foi sempre mau; será mau até ao fim. A sociedade parece melhor do que foi, olhada colectivamente: é parte nisto a lei, e, grande parte o cálculo. Cada indivíduo se constrange e enfreia no pacto social para auferir as vantagens de o não romper; porém, o instinto de cada homem, em comunidade de homens, está de contínuo repuxando para a desorganização. Eu aceito, como puros, os corações formados na solidão, a não se dar a segunda hipótese do provérbio, que disse: homem sozinho, das duas uma: ou Deus ou bruto.
As pessoas, como os rios, variam as suas reacções de acordo com a sua profundidade. Mas a maior parte da sociedade é radicalmente superficial.
Sou um Verdadeiro Solitário
O meu sentido ardente de justiça social e de dever social estiveram sempre em estranho desacordo com uma marcada carência de necessidade directa de ligação com os homens e com as comunidades humanas. Sou um verdadeiro solitário («Einspänner»), que nunca pertenceu inteiramente e de todo o coração ao Estado, à Pátria, ao círculo dos amigos ou até mesmo à família mais chegada, mas antes pelo contrário experimentou sempre, em relação a todas essas ligações, um sentimento indomável de estranheza e de ânsia de isolamento, um sentimento que com a idade mais se intensifica. Apercebemo-nos nitidamente, mas sem o lamentarmos, que nos é limitada a convivência em sociedade com outros seres humanos. Um homem desta natureza perde, de certo modo, uma parte da sua maneira de ser inocente e despreocupada mas ganha em se sentir largamente independente das opiniões, dos hábitos e juízos dos homens, e não cai na tentação de estabelecer o seu equilíbrio numa base tão pouco sólida.
A fé começa onde o orgulho acaba. Tirai a fé, e tudo perecerá: ela é a alma da sociedade e a própria substância da vida humana. A fé dirige e precede necessariamente todas as nossas acções; está na natureza humana e é a primeira condição da sua existência.
Os homens de carácter firme são as colunas mestras da sociedade a que pertencem.
Os Amigos Nunca São para as Ocasiões
Os amigos nunca são para as ocasiões. São para sempre. A ideia utilitária da amizade, como entreajuda, pronto-socorro mútuo, troca de favores, depósito de confiança, sociedade de desabafos, mete nojo. A amizade é puro prazer. Não se pode contaminar com favores e ajudas, leia-se dívidas. Pede-se, dá-se, recebe-se, esquece-se e não se fala mais nisso.
A decadência da amizade entre nós deve-se à instrumentalização que tem vindo a sofrer. Transformou-se numa espécie de maçonaria, uma central de cunhas, palavrinhas, cumplicidades e compadrios. É por isso que as amizades se fazem e desfazem como se fossem laços políticos ou comerciais. Se alguém «falta» ou «não corresponde», se não cumpre as obrigações contratuais, é logo condenado como «mau» amigo e sumariamente proscrito. Está tudo doido. Só uma miséria destas obriga a dizer o óbvio: os amigos são as pessoas de que nós gostamos e com quem estamos de vez em quando. Podemos nem sequer darmo-nos muito, ou bem, com elas. Ou gostar mais delas do que elas de nós. Não interessa. A amizade é um gosto egoísta, ou inevitabilidade, o caminho de um coração em roda-livre.
Os amigos têm de ser inúteis. Isto é, bastarem só por existir e,
A Crise da Democracia
É natural que a crise da democracia, impossível de negar, se revele sob o aspecto de sucessivas crises políticas. Mas para quê jogar com as palavras? Quando a máquina se desarranja, frequentemente, por melhor eco e por mais vistosas engrenagens que possua, torna-se urgente pô-la de lado como inútil, aproveitando-lhe, é claro, as inovações, tudo o que for susceptível de aplicar a outra máquina…
(…) Não é possível negar certas verdades e conquistas da democracia que são hoje indispensáveis à vida de todos os regimes. Mas os sistemas propriamente ditos, na sua inteireza, nascem, vivem e morrem como os homens. As escolas políticas e sociais são como as escolas literárias. Esgotada a sua capacidade criadora, a sua flama, perdem a força, extinguem-se, depois de terem deixado a sua marca, o traço profundo da sua influência. Os próprios defensores da democracia procuram transigir com o espírito do seu tempo, confessando e admitindo a necessidade de modificar o sistema das suas ideias, de renovar os órgãos da democracia. Mas que propõem eles, afinal, para que se efective essa renovação? Medidas ridículas que não se adaptam ao próprio sistema: ligeiras alterações no regulamento interno das Câmaras, limitações no tempo dos discursos, restrições no uso da palavra,
Os componentes da sociedade não são os seres humanos, mas as relações que existem entre eles.
A prioridade é sermos honestos connosco. Nunca poderemos ter um impacto na sociedade se não nos mudarmos primeiro. Os grandes pacificadores são todos gente de grande integridade e honestidade mas, também, de humildade.
Não é uma questão de se a guerra é real ou não é. A vitória não é possível. A guerra não é destinada para ser ganha. É destinada para ser contínua. Uma grande sociedade arcaica só é possível às custas da pobreza e da ignorância.
O Conflito entre o Conhecimento e a Fé
Durante o último século, e parte do século anterior, era largamente aceite a existência de um conflito irreconciliável entre o conhecimento e a fé. Entre as mentes mais avançadas prevaleceu a opinião de que estava na altura de a fé ser substituída gradualmente pelo conhecimento; a fé que não assentasse no conhecimento era superstição e como tal deveria ser reprimida (…)
O ponto fraco desta concepção é, contudo, o de que aquelas convicções que são necessárias e determinantes para a nossa conduta e julgamentos não se encontram unicamente ao longo deste sólido percurso científico. Porque o método científico apenas pode ensinar-nos como os factos se relacionam, e são condicionados, uns com os outros. A aspiração a semelhante conhecimento objectivo pertence ao que de mais elevado o homem é capaz, e ninguém suspeitará certamente de que desejo minimizar os resultados e os esforços heróicos do homem nesta esfera. Porém, é igualmente claro que o conhecimento do que é não abre directamente a porta para o que deveria ser. Podemos ter o mais claro e mais completo conhecimento do que é e, contudo, não ser capazes de deduzir daí qual deveria ser o objectivo das nossas aspirações humanas. O conhecimento objectivo fornece-nos instrumentos poderosos para a realização de determinados fins,
A sátira é a literatura das sociedades moribundas.
É claro e evidente que o mal se insinua no homem mais profundamente do que supõem os médicos socialistas. Em nenhuma ordem social é possível escapar ao mal e mudar a alma humana: ela própria é a origem da aberração e do pecado.
A submissão à vontade geral é o vínculo de todas as sociedades, sem exceptuar as que são formadas pelo crime.
Vou a poucos sítios sociais. Boémia? Nunca!
O Individual como Base do Colectivo
Tudo quanto é apenas colectivo é desordem. A ordem vem da composição individual. Mas a composição individual para formar em si a ordem necessita de que esta também se projecte no colectivo.
A expressão do colectivo é o pânico. O terror só se submete pelo terror. O pânico tem duas expressões de terror: a centrífuga e a centrípeta. A expressão que se desfaz a si mesma e a que permanece estática e se adentra.A única maneira de aparentar a ordem no colectivo é manejar o pânico. Mas como todo o estado psíquico, por mais inteiro que se apresente tende a suavizar-se se era violento e a tornar-se violento se era suave, é necessário para manter o estado de pânico, que se lhe estabeleçam tantas modalidades diferentes e sucessivas que consigam realmente fazer desviar as atenções da sua insistência. Porém, este processo não tem fim. É o processo da mística colectiva. Filha do desespero individual, a mística colectiva não faz alterar a realidade mas consegue temporáriamente submeter todos os indivíduos às mesmas circunstâncias. E até que se formem as novas élites as místicas colectivas são espera.
Ao vermos os grandes exércitos, reluzentes nas paradas ou disfarçados com a própria cor da terra das batalhas,
A sociedade é um asilo de loucos cujos guardiões são os oficiais da lei.
Um casal unido é como uma sociedade: duas forças em prol dos mesmos sonhos. A união é o segredo para o sucesso, pois como vencer uma competição se ambos competirem entre si?
A Arte é Indivíduo, não Colectividade
Arte é espírito, e o espírito não precisa, em absoluto, de se sentir obrigado a servir a sociedade, a colectividade. A meu ver, não tem direito a fazê-lo, devido à sua liberdade e à sua nobreza. Uma arte que «se mete com o povo», fazendo suas as necessidades das massas, do zé-povinho, dos ignorantões, cai na miséria. Prescrever-lhe isso como um dever, admitindo-se, talvez, por razões políticas, unicamente uma arte que a gentinha possa compreender, é mesmo o cúmulo da grosseria e equivale a assassinar o espírito. Este – eis a minha firme convicção – pode empreender os mais audaciosos, os mais incontidos avanços, as tentativas e pesquisas menos acessíveis às multidões, e todavia ter a certeza de servir, de um modo elevado, indirectamente o homem, e à la longue até os homens.