A Fermosura Fresca Serra
A fermosura fresca serra,
e a sombra dos verdes castanheiros,
o manso caminhar destes ribeiros,
donde toda a tristeza se desterra;o rouco som do mar, a estranha terra,
o esconder do sol pelos outeiros,
o recolher dos gados derradeiros,
das nuvens pelo ar a branda guerra;enfim, tudo o que a rara natureza
com tanta variedade nos ofrece,
me está (se não te vejo) magoando.Sem ti, tudo me enoja e me aborrece;
sem ti, perpetuamente estou passando
nas mores alegrias, mor tristeza.
Passagens sobre Sol
1157 resultadosAmor e Eternidade
Repara, doce amiga, olha esta lousa,
E junto aquella que lhe fica unida:
Aqui d’um terno amor, aqui repousa
O despojo mortal, sem luz, sem vida.
Esgotando talvez o fel da sorte,
Poderam ambos descançar tranquillos;
Amaram-se na vida, e inda na morte
NĂŁo pĂ´de a fria tumba desunil-os.
Oh! quão saudosa a viração murmura
No cypreste virente
Que lhes protege as urnas funerárias!
E o sol, ao descahir lá no occidente,
QuĂŁo bello lhes fulgura
Nas campas solitárias!
Assim, anjo adorado, assim um dia
De nossas vidas murcharĂŁo flores…
Assim ao menos sob a campa fria
Se reunam também nossos amores!
Mas que vejo! estremeces, e teu rosto,
Teu bello rosto no meu seio inclinas,
Pallido como o lĂrio que ao sol posto
Desmaia nas campinas?
Oh? vem, nĂŁo perturbemos a ventura
Do coração, que jubiloso anceia…
Vem, gosemos da vida em quanto dura;
Desterremos da morte a negra ideia!
Longe, longe de nós essa lembrança!
Mas nĂŁo receies o funesto corte…
Doce amiga, descança:
Quem ama como nĂłs, sorri Ă morte.
O avarento mais preferiria que o sol fosse de ouro para o cunhar, do que ter luz para ver e viver.
A tarde Ă© a velhice do dia. Cada dia Ă© uma pequena vida, e cada pĂ´r do Sol uma pequena morte.
Despede Teu Pudor
Despede teu pudor com a camisa
E deixa alada louca sem memĂłria
Uma nudez nascida para a glĂłria
Sofrer de meu olhar que te heroĂzaTudo teu corpo tem, nĂŁo te humaniza
Uma cegueira fácil de vitória
E como a perfeição não tem história
SĂŁo leves teus enredos como a brisaConstante vagaroso combinado
Um anjo em ti se opõe à luta e luto
E tombo como um sol abandonadoEnquanto amor se esvai a paz se eleva
Teus pés roçando nos meus pés escuto
O respirar da noite que te leva.
DĂşvida
Amas-me a mim? Perdoa,
É impossĂvel! NĂŁo,
Não há quem se condoa
Da minha solidĂŁo.Como podia eu, triste,
Ah! inspirar-te amor
Um dia que me viste,
Se Ă© que me viste… flor!Tu, bela, fresca e linda
Como a aurora, ou mais
Do que a aurora ainda,
Mal ouves os meus ais!Mal ouves, porque as aves
SĂł saltam de manhĂŁ
Seus cânticos suaves;
E tu Ă©s sua irmĂŁ!De noite apenas trina
O triste rouxinol:
Toda a mais ave inclina
O colo ao pĂ´r do Sol.PorquĂŞ? Porque Ă© ditosa!
PorquĂŞ? Porque Ă© feliz!
E a que sorri a rosa?
Ao mesmo a que sorris…Ă€ luz dourada e pura
Do astro criador:
Ă€ noite, nĂŁo, que Ă© escura,
Causa-lhe a ela horror.Ora uma nuvem negra,
Uma pesada cruz,
Uma alma que se alegra
SĂł quando vĂŞ a luzDe que ele, o Sol, inunda
O mar, quando se põe,
Imagem moribunda
De um coração que foi…
Sabedoria I, III
Que dizes, viajante, de estações, paĂses?
Colheste ao menos tédio, já que está maduro,
Tu, que vejo a fumar charutos infelizes,
Projectando uma sombra absurda contra o muro?Também o olhar está morto desde as aventuras,
Tens sempre a mesma cara e teu luto Ă© igual:
Como através dos mastros se vislumbra a lua,
Como o antigo mar sob o mais jovem sol,Ou como um cemitério de túmulos recentes.
Mas fala-nos, vá lá, de histórias pressentidas,
Dessas desilusões choradas plas correntes,
Dos nojos como insĂpidos recĂ©m-nascidos.Fala da luz de gás, das mulheres, do infinito
Horror do mal, do feio em todos os caminhos
E fala-nos do Amor e tambĂ©m da PolĂtica
Com o sangue desonrado em mãos sujas de tinta.E sobretudo não te esqueças de ti mesmo,
Arrastando a fraqueza e a simplicidade
Em lugares onde há lutas e amores, a esmo,
De maneira tão triste e louca, na verdade!Foi já bem castigada essa inocência grave?
Que achas? É duro o homem; e a mulher? E os choros,
Quem os bebeu?
MĂŁe!
Mãe! a oleografia está a entornar o amarelo do Deserto por cima da
minha vida. O amarelo do Deserto Ă© mais comprido do que um dia todo!
Mãe! eu queria ser o árabe! Eu queria raptar a menina loira!
Eu queria saber raptar.
Dá-me um cavalo, mãe! Até a palmeira verde está esmeralda! E o anel?!A minha cabeça amolece ao sol sobre a areia movediça do Deserto!
A minha cabeça está mole como a minha almofada!Há uns sinais dentro da minha cabeça, como os sinais do EgĂpcio,
como os sinais do FenĂcio. Os sinais destes já tĂŞm antecedentes e eu
ainda vou para a vida.Não há muros para que haja estrada! Não há muros para pôr cartazes!
Não está a mão de tinta preta a apontar — por aqui!
Só há sombras do sol nas laranjeiras da outra margem, e todas as noites
o sono chega roubado!MĂŁe! As estrelas estĂŁo a mentir. Luzem quando mentem. Mentem
quando luzem. EstĂŁo a luzir, ou mentem?
Já ia a cuspir para o céu!Mãe! a minha estrela é doida!
HĂłspede com sol, ao lavor.
A humanidade Ă© desumana mas ainda temos chance… o sol nasce pra todos sĂł nĂŁo sabe quem nĂŁo quer!!!!
Garota de Ipanema
Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
Ă© ela menina, que vem e que passa
Num doce balanço a caminho do marMoça do corpo dourado
Do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
é a coisa mais linda que já vi passarAi! Como estou tão sozinho
Ai! Como tudo Ă© tĂŁo triste
Ai! A beleza que existe
A beleza que nĂŁo Ă© sĂł minha
E também passa sozinhaAi! Se ela soubesse que quando ela passa
O mundo interinho se enche de graça
E fica mais lindo por causa do amorSĂł por causa do amor…
Soneto Da Mulher Ao Sol
Uma mulher ao sol – eis todo o meu desejo
Vinda do sal do mar, nua, os braços em cruz
A flor dos lábios entreaberta para o beijo
A pele a fulgurar todo o pĂłlen da luz.Uma linda mulher com os seios em repouso
Nua e quente de sol – eis tudo o que eu preciso
O ventre terso, o pelo Ăşmido, e um sorriso
À flor dos lábios entreabertos para o gozo.Uma mulher ao sol sobre quem me debruce
Em quem beba e a quem morda, com quem me lamente
E que ao se submeter se enfureça e soluceE tente me expelir, e ao me sentir ausente
Me busque novamente – e se deixes a dormir
Quando, pacificado, eu tiver de partir…
A hora de consertar o telhado é quando o sol está brilhando.
Invocação à Noite
Ă“ deusa, que proteges dos amantes
O destro furto, o crime deleitoso,
Abafa com teu manto pavoroso
Os importantes astros vigilantes:Quero adoçar meus lábios anelantes
No seio de Ritália melindroso;
Estorva que os maus olhos do invejoso
Turbem d’amor os sĂ´fregos instantes:TĂ©tis formosa, tal encanto inspire
Ao namorado Sol teu nĂveo rosto,
Que nunca de teus braços se retire!Tarda ao menos o carro à Noite oposto,
Até que eu desfaleça, até que expire
Nas ternas ânsias, no inefável gosto.
O sol todo dia se põe, mas todo dia nasce.
Qual Ă© a Nossa Puerilidade Actual?
Que se pensará de nĂłs daqui a cem anos? Como se sentirá o que hoje sentimos? Porque tudo envelhece tĂŁo incrivelmente cedo. Quando se relĂŞ uma revista de há vinte, trinta anos, nĂŁo sĂŁo bem os assuntos que envelheceram mas a maneira como se Ă© nele, com eles. É-se entĂŁo ingĂ©nuo, como nĂŁo sabemos explicar. Tudo perde entĂŁo viabilidade, Ă© um ser-se infantil, um modo ridĂculo de relacionamento com a vida. As ideias podem talvez persistir. Mas encarquilharam ao muito sol que apanharam, sĂŁo quebradiças, frágeis no modo de existirem, fĂşteis e pueris como uma moda que passou. É a altura de vir ao de cima o que era entĂŁo invisĂvel e Ă© agora a parcela que lançamos nas nossas contas de homens. É a altura de isso se separar do ridĂculo em que se encarnou e de viver por si na significação que teve.
Ouvi, Senhora, O Cântico Sentido
Ouvi, senhora, o cântico sentido
Do coração que geme e s’estertora
N’ânsia letal que o mata e que o devora,
E que tornou-o assim, triste e descrido.Ouvi, senhora, amei; de amor ferido,
As minhas crenças que alentei outrora
Rolam dispersas, pálidas agora,
Desfeitas todas num guaiar dorido.E como a luz do sol vai-se apagando!
E eu triste, triste pela vida afora,
Eterno pegureiro caminhando,Revolvo as cinzas de passadas eras,
Sombrio e mudo e glacial, senhora,
Como um coveiro a sepultar quimeras!
Este Retrato Vosso Ă© o Sinal
Este retrato vosso Ă© o sinal
ao longe do que sois, por desamparo
destes olhos de cá, porque um tão claro
lume nĂŁo pode ser vista mortal.Quem tirou nunca o sol por natural?
Nem viu, se nuvens nĂŁo fazem reparo,
em noite escura ao longe aceso um faro?
Agora se não vê, ora vê mal.Para uns tais olhos, que ninguém espera
de face a face, gram remédio fora
acertar o pintor ver-vos sorrindo.Mas inda assim nĂŁo sei que ele fizera,
que a graça em vós não dorme em nenhuma hora.
Falando que fará? Que fará rindo?
Tulipa Real
Carne opulenta, majestosa, fina,
Do sol gerada nos febris carinhos,
Há músicas, há cânticos, há vinhos
Na tua estranha boca sulferina.A forma delicada e alabastrina
Do teu corpo de lĂmpidos arminhos
Tem a frescura virginal dos linhos
E da neve polar e cristalina.Deslumbramento de luxĂşria e gozo,
Vem dessa carne o travo aciduloso
De um fruto aberto aos tropicais mormaços.Teu coração lembra a orgia dos triclĂnios…
E os reis dormem bizarros e sangĂĽĂneos
Na seda branca e pulcra dos teus braços.
Não fique triste quando ninguém notar o que fez de bom.
Afinal, o sol faz um enorme espetáculo ao nascer, e mesmo assim, a maioria de nós continua dormindo.