Carpe diem
Confias no incerto amanhã? Entregas
às sombras do acaso a resposta inadiável?
Aceitas que a diurna inquietação da alma
substitua o riso claro de um corpo
que te exige o prazer? Fogem-te, por entre os dedos,
os instantes; e nos lábios dessa que amaste
morre um fim de frase, deixando a dúvida
definitiva. Um nome inútil persegue a tua memória,
para que o roubes ao sono dos sentidos. Porém,
nenhum rosto lhe dá a forma que desejarias;
e abraças a própria figura do vazio. Então,
por que esperas para sair ao encontro da vida,
do sopro quente da primavera, das margens
visíveis do humano? “Não”, dizes, “nada me obrigará
à renúncia de mim próprio – nem esse olhar
que me oforece o leito profundo da sua imagem!”
Louco, ignora que o destino, por vezes,
se confunde com a brevidade do verso.
Passagens sobre Sombra
817 resultadosNa Fonte
Bem ao lado da gruta a fonte corre
Trepidamente, as águas encrespando,
Em murmúrios crebos, levantando
Uns chamalotes prateados — morreNo monte o sol que a luz no oceano escorre
E ainda eu vejo, as sombras afrontando,
Uma mulher que lava, mesmo quando
O sol mais rubro, mais vermelho jorre.— É num sítio afastado, um sítio ermo…
Pássaros cortam vastidões sem termo,
Borboletas azuis roçam nas águas.— E a mulher lava, enrubescida a face;
Lava, cantando, como se lavasse
As suas tristes e profundas mágoas.
Ser humilde é reconhecer honesta e sinceramente, sem nenhuma sombra de dúvida, a verdadeira natureza de si mesmo – a de filho de Deus – tal como Deus criou.
Só se deve encontrar o pau que dá sombra.
Gonçalves Crespo
Esta musa da pátria, esta saudosa
Niobe dolorida,
Esquece acaso a vida,
Mas não esquece a morte gloriosa.E pálida, e chorosa,
Ao Tejo voa, onde no chão caída
Jaz aquela evadida
Lira da nossa América viçosa.Com ela torna, e, dividindo os ares,
Trépido, mole, doce movimento
Sente nas frouxas cordas singulares.Não é a asa do vento,
Mas a sombra do filho, no momento
De entrar perpetuamente os pátrios lares.
LXXVII
Não há no mundo fé, não há lealdade;
Tudo é, ó Fábio, torpe hipocrisia;
Fingido trato, infame aleivosia
Rodeiam sempre a cândida amizade.Veste o engano o aspecto da verdade;
Porque melhor o vício se avalia:
Porém do tempo a mísera porfia,
Duro fiscal, lhe mostra a falsidade.Se talvez descobrir-se se procura
Esta de amor fantástica aparência,
É como à luz do Sol a sombra escura:Mas que muito, se mostra a experiência,
Que da amizade a torre mais segura
Tem a base maior na dependência!
Bóiam farrapos de sombra
Bóiam farrapos de sombra
Em torno ao que não sei ser.
É todo um céu que se escombra
Sem me o deixar entrever.O mistério das alturas
Desfaz-se em ritmos sem forma
Nas desregradas negruras
Com que o ar se treva torna.Mas em tudo isto, que faz
O universo um ser desfeito,
Guardei, como a minha paz,
A ‘sp’rança, que a dor me traz,
Apertada contra o peito.
Pensamentos, Que Agora Novamente
Pensamentos, que agora novamente
cuidados vãos em mim ressuscitais,
dizei me: ainda não vos contentais
de terdes, quem vos tem, tão descontente?Que fantasia é esta, que presente
cad’hora ante meus olhos me mostrais?
Com sonhos e com sombras atentais
quem nem por sonhos pode ser contente?Vejo vos, pensamentos, alterados
e não quereis, d’esquivos, declarar me
que é isto que vos traz tão enleados?Não me negueis, se andais para negar me;
que, se contra mim estais alevantados,
eu vos ajudarei mesmo a matar me.
Velhas Tristezas
Diluências de luz, velhas tristezas
Das almas que morreram para a lute!
Sois as sombras amadas de belezas
Hoje mais frias do que a pedra bruta.Murmúrios incógnitos de gruta
Onde o Mar canta os salmos e as rudezas
De obscuras religiões — voz impoluta
De sodas as titânicas grandezas.Passai, lembrando as sensações antigas,
Paixões que foram já dóceis amigas,
Na luz de eternos sóis glorificadas.Alegrias de há tempos! E hoje e agora,
Velhas tristezas que se vão embora
No poente da Saudade amortalhadas!…
Os Mochos
Sob os feixos onde habitam,
Os mochos formam em filas;
Fugindo as rubras pupilas,
Mudos e quietos, meditam.E assim permanecerão
Até o Sol se ir deitar
No leito enorme do mar,
Sob um sombrio edredão.Do seu exemplo, tirai
Proveitoso ensinamento:
— Fugí do mundo, evitaiO bulício e o movimento…
Quem atrás de sombras vai,
Só logra arrependimento!Tradução de Delfim Guimarães
XVI
Toda a mortal fadiga adormecia
No silêncio, que a noite convidava;
Nada o sono suavíssimo alterava
Na muda confusão da sombra fria:Só Fido, que de amor por Lise ardia,
No sossego maior não repousava;
Sentindo o mal, com lágrimas culpava
A sorte; porque dela se partia.Vê Fido, que o seu bem lhe nega a sorte;
Querer enternecê-na é inútil arte;
Fazer o que ela quer, é rigor forte:Mas de modo entre as penas se reparte;
Que à Lise rende a alma, a vida à morte:
Por que uma parte alente a outra parte.
A Negra Fúria Ciúme
Morre a luz, abafa os ares
Horrendo, espesso negrume,
Apenas surge do Averno
A negra fúria Ciúme.Sobre um sólio cor da noite
Jaz dos Infernos o Nurne,
E a seus pés tragando brasas
A negra fúria Ciúme.Crespas víboras penteia,
Dos olhos dardeja lume,
Respira veneno e peste
A negra fúria Ciúme.Arrancando à Morte a fouce
De buído, ervado gume,
Vem retalhar corações
A negra fúria Ciúme.Ao cruel sócio de Amor
Escapar ninguém presume,
Porque a tudo as garras lança
A negra fúria Ciúme.Todos os males do Inferno
Em si guarda, em si resume
O mais horrível dos monstros,
A negra fúria Ciúme.Amor inda é mais suave,
Que das rosas o perfume,
Mas envenena-lhe as graças
A negra fúria Ciúme.Nas asas de Amor voamos
Do prazer ao áureo cume,
Porém de lá nos arroja
A negra fúria Ciúme.Do férreo cálix da Morte
Prova o funesto azedume
Aquele a quem ferve n’alma
A negra fúria Ciúme.
Núpcias Pagãs
Braços dados, nós dois, vamos sozinhos…
O teu olhar de encantamento espraias
pelas curvas e sombras dos caminhos
debruados de jasmins e samambaiasHá queixumes de amor na alma dos ninhos
e as nuvens lembram danças de cambraias…
– na minha mão ansiosa de carinhos
tonta de amor, a tua mão, desmaias…Andamos sobre painas… entre alfombras…
E à luz frouxa da tarde em desalento
misturam-se no chão as nossas sombras– Aqui… Há rosas soltas, desfolhadas…
Nada receies, meu amor – é o vento
em marcha nupcial pelas ramadas!
PARAÍSO
Deixa ficar comigo a madrugada,
para que a luz do Sol me não constranja.
Numa taça de sombra estilhaçada,
deita sumo de lua e de laranja.Arranja uma pianola, um disco, um posto,
onde eu ouça o estertor de uma gaivota…
Crepite, em derredor, o mar de Agosto…
E o outro cheiro, o teu, à minha volta!Depois, podes partir. Só te aconselho
que acendas, para tudo ser perfeito,
à cabeceira a luz do teu joelho,
entre os lençóis o lume do teu peito…Podes partir. De nada mais preciso
para a minha ilusão do Paraíso.
Segue o Teu Destino
Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nos queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-proprios.Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.
Monja
Ó Lua, Lua triste, amargurada,
Fantasma de brancuras vaporosas,
A tua nívea luz ciliciada
Faz murchecer e congelar as rosas.Nas flóridas searas ondulosas,
Cuja folhagem brilha fosforeada,
Passam sombras angélicas, nivosas,
Lua, Monja da cela constelada.Filtros dormentes dão aos lagos quietos,
Ao mar, ao campo, os sonhos mais secretos,
Que vão pelo ar, noctâmbulos, pairando…Então, ó Monja branca dos espaços,
Parece que abres para mim os braços,
Fria, de joelhos, trêmula, rezando…
Existe uma grande diferença entre uma fortuna sórdida e uma fortuna limpa que flui serenamente para a vida de uma pessoa que despertou para a Verdade. Todo bem material é sombra projetada da mente; logo, não é preciso abandoná-lo obrigatoriamente. A Vida não entra em apuro, mesmo que não haja bens materiais, nem se incomoda com a presença deles.
Noiva E Triste
Rola da luz do céu, solta e desfralda
Sobre ti mesma o pavilhão das crenças,
Constele o teu olhar essas imensas
Vagas do amor que no teu peito escalda.A primorosa e límpida grinalda
Há de enflorar-te as amplidões extensas
Do teu pesar — há de rasgar-te as densas
Sombras — o véu sobre a luzente espalda…Inda não ri esse teu lábio rubro
Hoje — inda n’alma, nesse azul delubro
Não fulge o brilho que as paixões enastra;Mas, amanhã, no sorridor noivado,
A vida triste por que tens passado,
De madressilvas e jasmins se alastra.
O falso amigo é como a sombra que nos segue enquanto dura o sol.
Anima Mea
Ó minh’alma, ó minh’alma, ó meu Abrigo,
Meu sol e minha sombra peregrina,
Luz imortal que os mundos ilumina
Do velho Sonho, meu fiel Amigo!Estrada ideal de São Tiago, antigo
Templo da minha fé casta e divina,
De onde é que vem toda esta mágoa fina
Que é, no entanto, consolo e que eu bendigo?De onde é que vem tanta esperança vaga,
De onde vem tanto anseio que me alaga,
Tanta diluída e sempiterna mágoa?Ah! de onde vem toda essa estranha essência
De tanta misteriosa Transcendência
Que estes olhos me dixam rasos de água?!