Não Seremos Capazes de Modificar um Único Homem
Deixemos pois de pensar mais em punir, em censurar e em querer melhorar! Não seremos capazes de modificar um único homem; e se alguma vez o conseguíssemos seria talvez, para nosso espanto, para nos darmos também conta de outra coisa: é que teríamos sido nós próprios modificados por ele! Procuremos antes, por isso, que a nossa influência se contraponha e ultrapasse a sua em tudo o que está para vir! Não lutemos em combate directo… qualquer punição, qualquer censura, qualquer tentativa de melhoria representa combate directo. Elevemo-nos, pelo contrário, a nós próprios muito mais alto. Façamos sempre brilhar de forma grandiosa o nosso exemplo. Obscureçamos o nosso vizinho com o fulgor da nossa luz. Recusemo-nos a nos tornar, a nós próprios, mais sombrios por amor dele, como todos os castigadores e todos os descontentes! Escutemo-nos, antes, a nós. Olhemos para outro lado.
Passagens sobre Sombrios
161 resultadosAusência
Meu amor, como eu sofro este tormento
da tua ausência!… Ando magoada
como a folha arrancada pelo vento
ao carinhoso anseio da ramada…Procuro desviar o pensamento…
mas oiço ao longe a tua voz molhada
em lágrimas, vibrando o sofrimento
da nossa vida assim, tão separada!Os meus beijos escutam os teus beijos
exigentes — perdidos de saudade…
crispando amargamente os meus desejos!E dia a dia essa canção de dor,
ritornelo sombrio de ansiedade,
exalta ainda mais o meu amor!
Todos os Problemas se Dissiparam
(…) esta melancolia sombria, acumulada em mim por um pensamento constante, um pensamento muito acima do meu alcance: que tudo na vida não tem importância.
Sim, este pensamento ocupa-me há já muito tempo, mas a convicção completa só apareceu em mim, no ano passado. Tudo é sem importância, eis a verdade. Existirá o mundo? Ou não haverá nada em nenhuma parte? E tive a revelação de que não há nada à minha volta. Parecia-me, no entanto, que até essa altura estive rodeado por seres estranhos a mim, mas compreendi que eram aparências infrutíferas. Nada existiu, nada existe, nada existirá. Deixei logo de me irritar com os outros e de me ocupar deles. Palavra! Até chocava com os transeuntes, de tão alheado que estava. Contudo, alheado por quê? Tinha deixado de pensar. Tudo me era indiferente. Ainda se eu procurasse resolver os grandes problemas! Eu não resolvia nada, os problemas bloqueavam-me em vão; tudo se tornou para mim sem importância, e todos os problemas se dissiparam.
Lua Nova
Mãe dos frutos, Jaci, no alto espaço
Ei-la assoma serena e indecisa:
Sopro é dela esta lânguida brisa
Que sussurra na terra e no mar.
Não se mira nas águas do rio,
Nem as ervas do campo branqueia;
Vaga e incerta ela vem, como a idéia
Que inda apenas começa a espontar.E iam todos; guerreiros, donzelas,
Velhos, moços, as redes deixavam;
Rudes gritos na aldeia soavam,
Vivos olhos fugiam p’ra o céu:
Iam vê-la, Jaci, mãe dos frutos,
Que, entre um grupo de brancas estrelas,
Mal cintila: nem pôde vencê-las,
Que inda o rosto lhe cobre amplo véu.***
E um guerreiro: “Jaci, doce amada,
Retempera-me as forças; não veja
Olho adverso, na dura peleja,
Este braço já frouxo cair.
Vibre a seta, que ao longe derruba
Tajaçu, que roncando caminha;
Nem lhe escape serpente daninha,
Nem lhe fuja pesado tapir.”***
E uma virgem: “Jaci, doce amada,
Dobra os galhos, carrega esses ramos
Do arvoredo co’as frutas* que damos
Aos valentes guerreiros, que eu vou
A buscá-los na mata sombria,
Luar
Ao longo das louríssimas searas
Caiu a noite taciturna e fria…
Cessou no espaço a límpida harmonia
Das infinitas perspectivas claras.As estrelas no céu, puras e raras,
Como um cristal que nítido radia,
Abrem da noite na mudez sombria
O cofre ideal de pedrarias caras.Mas uma luz aos poucos vai subindo
Como do largo mar ao firmamento — abrindo
Largo clarão em flocos d’escomilha.Vai subindo, subindo o firmamento!
E branca e doce e nívea, lento e lento,
A lua cheia pelos campos brilha…
Ofélia
Num recesso da selva ínvia e sombria,
Estrelada de flores, vicejante,
Onde um rio entre seixos, espumante,
Cursando o vale, túrgido, fluía;A coma esparsa, lívido o semblante,
Desvairados os olhos, como fria
Aparição dos túmulos, um dia
Surgiu de Hamlet a lacrimosa amante;Símplices flores o seu porte lindo
Ornavam… como um pranto, iam caindo
As folhas de um salgueiro na corrente…E na corrente ela também tombando,
Foi-se-lhe o corpo alvíssimo boiando
Por sobre as águas indolentemente.
A Teodoro de Banville
De tal modo agarraste a Deusa pela crina,
Com ar dominador, num gesto sacudido
Que se alguém presencia o caso acontecido
Poderia julgar-te um rufião de esquina.Com o límpido olhar, — precoce e ardente vista,
Audaz, vais expandido o orgulho de arquitecto
Em nobres produções, de traço tão correcto,
Que deixam futurar um prodigioso artista.O nosso sangue, Poeta, esvai-se dia a dia!…
Acaso, do Centauro, a túnica sombria,
— Que, fúnebres caudais as velas transformava —Três vezes se tingiu com as barbas subtis
D’aqueles infernais, monstruosos, répteis,
Que Hércules, em crença, a rir, estrangulava?Tradução de Delfim Guimarães
Luz Dolorosa
Fulgem da Luz os Viáticos serenos,
Brancas Extrema-Unções dos hostiários:
As Estrelas dos límpidos Sacrários
A nívea Lua sobre a paz dos fenos.Há prelúdios e cânticos e trenos
Tristes, nos ares ermos, solitários…
E nos brilhos da Luz, vagos e vários,
Há dor, há luto, há convulsões, venenos…Estranhas sensações maravilhosas
Percorrem pelos cálices das rosas,
Sensações sepulcrais de larvas frias…Como que ocultas áspides flexíveis
Mordem da Luz os germens invisíveis
Com o tóxico das cóleras sombrias…
Meridional
Cabelos
Ó vagas de cabelo esparsas longamente,
Que sois o vasto espelho onde eu me vou mirar,
E tendes o cristal dum lago refulgente
E a rude escuridão dum largo e negro mar;Cabelos torrenciais daquela que me enleva,
Deixai-me mergulhar as mãos e os braços nus
No báratro febril da vossa grande treva,
Que tem cintilações e meigos céus de luz.Deixai-me navegar, morosamente, a remos,
Quando ele estiver brando e livre de tufões,
E, ao plácido luar, ó vagas, marulhemos
E enchamos de harmonia as amplas solidões.Deixai-me naufragar no cimo dos cachopos
Ocultos nesse abismo ebânico e tão bom
Como um licor renano a fermentar nos copos,
Abismo que se espraia em rendas de Alençon!E, ó mágica mulher, ó minha Inigualável,
Que tens o imenso bem de ter cabelos tais,
E os pisas desdenhosa, altiva, imperturbável,
Entre o rumor banal dos hinos triunfais;Consente que eu aspire esse perfume raro,
Que exalas da cabeça erguida com fulgor,
Perfume que estonteia um milionário avaro
E faz morrer de febre um louco sonhador.
Mãe
Olha, meu filho! quando, à aragem fria
De algum torvo crepúsculo, encontrares
Uma árvore velhinha, em modo e em ares
De abandono e outonal melancolia,Não passes junto dela nesse dia
E nessa hora de bênçãos, sem parares;
Não vás, sem longamente a contemplares:
Vida cansada, trémula e sombria!Já foi nova e floriu entre esplendores:
Talvez em derredor, dos seus amores
Inda haja filhos que lhe queiram bem…Ama-a, respeita-a, ampara-a na velhice;
Sorri-lhe com bondade e com meiguice:
— Lembre-te, ao vê-la, a tua própria Mãe!
Spleen
Quando o cinzento céu, como pesada tampa,
Carrega sobre nós, e nossa alma atormenta,
E a sua fria cor sobre a terra se estampa,
O dia transformado em noite pardacenta;Quando se muda a terra em húmida enxovia
D’onde a Esperança, qual morcego espavorido,
Foge, roçando ao muro a sua asa sombria,
Com a cabeça a dar no tecto apodrecido;Quando a chuva, caindo a cântaros, parece
D’uma prisão enorme os sinistros varões,
E em nossa mente em frebre a aranha fia e tece,
Com paciente labor, fantásticas visões,– Ouve-se o bimbalhar dos sinos retumbantes,
Lançando para os céus um brado furibundo,
Como os doridos ais de espíritos errantes
Que a chorrar e a carpir se arrastam pelo mundo;Soturnos funerais deslizam tristemente
Em minh’alma sombria. A sucumbida Esp’rança,
Lamenta-se, chorando; e a Angústia, cruelmente,
Seu negro pavilhão sobre os meus ombros lança!Tradução de Delfim Guimarães
Mãe…
Mãe — que adormente este viver dorido,
E me vele esta noite de tal frio,
E com as mãos piedosas ate o fio
Do meu pobre existir, meio partido…Que me leve consigo, adormecido,
Ao passar pelo sítio mais sombrio…
Me banhe e lave a alma lá no rio
Da clara luz do seu olhar querido…Eu dava o meu orgulho de homem — dava
Minha estéril ciência, sem receio,
E em débil criancinha me tornava.Descuidada, feliz, dócil também,
Se eu pudesse dormir sobre o teu seio,
Se tu fosses, querida, a minha mãe!
A Casa
É um chalé com alpendre,
forrado de hera.
Na sala,
tem uma gravura de Natal com neve.
Não tem lugar pra esta casa em ruas que se conhecem.
Mas afirmo que tem janelas,
claridade de lâmpada atravessando o vidro,
um noivo que ronda a casa
— esta que parece sombria —
e uma noiva lá dentro que sou eu.
É uma casa de esquina, indestrutível.
Moro nela quando lembro,
quando quero acendo o fogo,
as torneiras jorram,
eu fico esperando o noivo, na minha casa aquecida.
Não fica em bairro esta casa
infensa à demolição.
Fica num modo tristonho de certos entardeceres,
quando o que um corpo deseja é outro corpo pra escavar.
Uma ideia de exílio e túnel.
Males de Anto
A Ares n’uma aldeia
Quando cheguei, aqui, Santo Deus! como eu vinha!
Nem mesmo sei dizer que doença era a minha,
Porque eram todas, eu sei lá! desde o odio ao tedio.
Molestias d’alma para as quaes não ha remedio.
Nada compunha! Nada, nada. Que tormento!
Dir-se-ia accaso que perdera o meu talento:
No entanto, ás vezes, os meus nervos gastos, velhos,
Convulsionavam-nos relampagos vermelhos,
Que eram, bem o sentia, instantes de Camões!
Sei de cór e salteado as minhas afflicções:
Quiz partir, professar n’um convento de Italia,
Ir pelo Mundo, com os pés n’uma sandalia…
Comia terra, embebedava-me com luz!
Extasis, spasmos da Thereza de Jezus!
Contei n’aquelle dia um cento de desgraças.
Andava, á noite, só, bebia a noite ás taças.
O meu cavaco era o dos mortos, o das loizas.
Odiava os homens ainda mais, odiava as Coizas.
Nojo de tudo, horror! Trazia sempre luvas
(Na aldeia, sim!) para pegar n’um cacho d’uvas,
Ou n’uma flor. Por cauza d’essas mãos… Perdoae-me,
Aldeões! eu sei que vós sois puros. Desculpae-me.Mas, atravez da minha dor,
Cantiga do Campo
Por que andas tu mal commigo?
Ó minha doce trigueira?
Quem me dera ser o trigo
Que, andando, pisas na eira!Quando entre as mais raparigas
Vaes cantando entre as searas,
Eu choro ao ouvir-te as cantigas
Que cantas nas noutes claras!Os que andam na descamisa
Gabam a violla tua,
Que, ás vezes, ouço na brisa
Pelos serenos da lua.E fallam com tristes vozes
Do teu amor singular
Áquella casa onde cozes,
Com varanda para o mar.Por isso nada me medra,
Ando curvado e sombrio!
Quem me dera ser a pedra
Em que tu lavas no rio!E andar comtigo, ó meu pomo,
Exposto ás chuvas e aos soes!
E uma noute morrer como
Se morrem os rouxinoes!Morrer chorando, n’um choro
Que mais as magoas consolla,
Levando só o thesouro
Da nossa triste violla!Por que andas tu mal commigo?
Ó minha doce trigueira?
Quem me dera ser o trigo
Que, andando, pisas na eira!
No Jardim Das Oliveiras
“Minh’alma é triste até à morte…” Doce,
Jesus falou… E o Nazareno santo
Chorava, como se a su’alma fosse
Um mar imenso de amargura e pranto.Depois, silencioso, ele afastou-se
E foi rezar no mais sombrio canto.
Seu grande olhar formoso iluminou-se
Fitando o etéreo e estrelejado manto.“Pai, tem piedade…” E sua vez plangente
Tremia, enquanto pelas trevas mudas
Baixava manso o triste olhar dolente.Pobre Jesus! Como n’um sonho via:
Em cada sombra a traição de Judas,
Em cada estrela os olhos de Maria!
A Meu Pai Doente
Para onde fores, Pai, para onde fores,
Irei também, trilhando as mesmas ruas…
Tu, para amenizar as dores tuas,
Eu, para amenizar as minhas dores!Que cousa triste! O campo tão sem flores,
E eu tão sem crença e as árvores tão nuas
E tu, gemendo, e o horror de nossas duas
Mágoas crescendo e se fazendo horrores!Magoaram-te, meu Pai?! Que mão sombria,
Indiferente aos mil tormentos teus
De assim magoar-te sem pesar havia?!– Seria a mão de Deus?! Mas Deus enfim
É bom, é justo, e sendo justo, Deus,
Deus não havia de magoar-te assim!
Os Anos são Degraus
Os anos são degraus, a Vida a escada.
Longa ou curta, só Deus pode medi-la.
E a Porta, a grande Porta desejada,
só Deus pode fechá-la,
pode abri-la.São vários os degraus; alguns sombrios,
outros ao sol, na plena luz dos astros,
com asas de anjos, harpas celestiais.
Alguns, quilhas e mastros
nas mãos dos vendavais.Mas tudo são degraus; tudo é fugir
à humana condição.
Degrau após degrau,
tudo é lenta ascensão.Senhor, como é possível a descrença,
imaginar, sequer, que ao fim da Estrada,
se encontre após esta ansiedade imensa
uma porta fechada
e mais nada?
Minha Alegria
Minha alegria foi no teu caixão;
Deitou-se ao pé de ti, na sepultura,
A fim de acalentar teu coração
E tornar-te mais branda a terra dura.Por isso, é para mim consolação
Esta sombria dôr que me tortura!
E ponho-me a cantar na solidão,
Meu cantico esculpido em noite escura!Consola-me saber minha alegria
Longe de mim, perto de ti, na fria
Cova a que tu baixaste apoz a morte.Fôste tu que m’a deste, meu amôr;
Agora, dou-t’a eu: é a minha flôr;
Eu quero que ela soffra a tua sorte.
Vem, oh Noite Sombria
Vem, oh noite sombria, e revolvendo
O longo açoite, que à carreira acende
As fuscas Éguas, sobre a terra estende
De sombras carregado o manto horrendo:Vem: e as brancas papoilas espremendo,
Em letárgico sono os mortais prende;
Que a minha bela Aglaia hoje me atende,
A meu amor mil glórias prometendo.Se às minhas vozes dás benigno ouvido,
Encobrindo com teu escuro manto
Os suaves delírios de amor cego;Imolar-te prometo agradecido
Um negro galo, que em contínuo canto
Se atreve a perturbar o teu sossego.