Passagens sobre Soneto

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Frases sobre soneto, poemas sobre soneto e outras passagens sobre soneto para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Soneto 573 Barbarizado

Já se disse: sete é conta de mentira e lenda.
Também dizem que de azar o treze é cifra certa.
Isso explica a redondilha como porta aberta
no cantar dos repentistas, na feroz contenda,

à bazófia descarada, onde é melhor a emenda
que o soneto decassílabo, no qual se enxerta
entre termos eruditos a falácia esperta,
lei de todo bom poeta que seu peixe venda.

Outrossim, também se explica por que nunca é visto
um soneto alexandrino, mas de pé quebrado:
este, a cuja tentação do treze não resisto.

Vou chamá-lo “aleijadinho”, pois, em vez de errado,
tem caráter de obra-prima, pelo menos nisto:
completar catorze versos sem ficar quadrado!

Soneto 251 Quantitativo

Centenas de sonetos são legado
de nomes tidos como monumentos.
Apenas de Camões, mais de duzentos,
registro que é por poucos superado.

Não fossem os Lusíadas o dado
que faz dele o primeiro entre os portentos,
ainda assim Camões marca outros tentos,
e, entre outros tantos, este é consagrado:

“Sete anos de pastor”, o vinte e nove,
que, se não for mais belo, é o mais perfeito,
a menos que em contrário alguém me prove.

Mas, como dois é dom, três é defeito,
também um “Alma minha”, o dezenove,
ocupa igual lugar no meu conceito.

A Minha Mulher, Matilde Urrutia

A minha mulher é provinciana como eu. Nasceu numa cidade do Sul, em Chillán, famosa pela sorte de possuir uma bela cerâmica camponesa e pela infelicidade de sofrer frequentemente terríveis terramotos. Falando para ela, disse-lhe tudo nos meus Cem Sonetos de Amor.
Talvez estes versos definam o que ela significa para mim. A terra e a vida nos juntaram.
Embora isto não interesse a ninguém, somos felizes. Dividimos o nosso tempo comum em longas permanências na solitária costa do Chile. Não no Verão, porque o litoral ressequido pelo sol se mostra amarelo e desértico; antes no Inverno, quando, em estranha floração, a terra se veste com as chuvas e o frio, de verde e amarelo, de azul e de púrpura. Subimos algumas vezes do solitário e selvático oceano para a nervosa cidade de Santiago, na qual sofremos juntamente com a complicada existência dos outros.

Matilde canta com voz poderosa as minhas canções.
Eu dedico-lhe quanto escrevo e quanto tenho. Não é muito, mas ela está contente.
Vejo-a agora a enterrar os sapatos minúsculos na lama do jardim e, em seguida, a enterrar também as suas minúsculas mãos na profundidade da planta.
Da terra,

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Marília De Dirceu

Soneto 13

Quando o torcido buço derramava
Terror no aspecto ao português sisudo,
Quando, sem pó nem óleo, o pente agudo,
Duro, intonso, o cabelo em laço atava.

Quando contra os irmãos o braço armava
O forte Nuno, apondo escudo a escudo:
Quando a palavra, que prefere a tudo,
Com a barba arrancada João firmava.

Quando a mulher à sombra do marido
Tremer se via; quando a lei prudente
Zela o sexo do civil ruído;

Feliz então, então só inocente
Era de Luso o reino. Oh! bem perdido!
Ditosa condição, ditosa gente!

O Provincianismo Português (II)

Se fosse preciso usar de uma só palavra para com ela definir o estado presente da mentalidade portuguesa, a palavra seria “provincianismo”. Como todas as definições simples esta, que é muito simples, precisa, depois de feita, de uma explicação complexa. Darei essa explicação em dois tempos: direi, primeiro, a que se aplica, isto é, o que deveras se entende por mentalidade de qualquer país, e portanto de Portugal; direi, depois, em que modo se aplica a essa mentalidade.
Por mentalidade de qualquer país entende-se, sem dúvida, a mentalidade das três camadas, organicamente distintas, que constituem a sua vida mental — a camada baixa, a que é uso chamar povo; a camada média, a que não é uso chamar nada, excepto, neste caso por engano, burguesia; e a camada alta, que vulgarmente se designa por escol, ou, traduzindo para estrangeiro, para melhor compreensão, por elite.
O que caracteriza a primeira camada mental é, aqui e em toda a parte, a incapacidade de reflectir. O povo, saiba ou não saiba ler, é incapaz de criticar o que lê ou lhe dizem. As suas ideias não são actos críticos, mas actos de fé ou de descrença, o que não implica, aliás,

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Sorte

Depois que se casara aquela criatura,
Que a negra traição das pérfidas requinta,
Eu nunca mais a vi, pois, de ouropéis faminta,
De um bem fingido amor quebrara a ardente jura.

Alta noite, porém, vi-a pela ventura,
Numa avenida estreita e lobrega da quinta…
Painel é que se cuida e sem color se pinta,
De alvo femíneo vulto ou madrugada escura.

Maldito quem sentindo o pungitivo açoite
Do desprezo e na sombra a sombra de um afeto
A pular uma grade, um muro não se afoite.

– Prometes ser discreto? – Ó meu amor! prometo…
Se não fosses tão curta, ó bem ditosa noite!
Se fosses mais comprido, ó pálido soneto!

No Mundo não Tem Boa Sorte Senão quem Tem por Boa a que Tem

Uma cousa sabei de mim: que queria antes o bem do mal, que o mal do bem; porque muito mais se sente o porvir, que o passado; e a morte, até matar, mata. Não sei se sereis marca de voar tão alto; porque, para tomar a palha a esta matéria, são necessárias asas de nebri. Mas vós sois homem de prol, e desculpa-me a conta em que vos tenho. E a que de mim vos sei dar, é que:

Esperança me despede,
tristeza não me falece,
e tudo o mais m’aborrece.
Já que mais não mereceu
minha estrela,
só a tristeza conheço,
pois que para mim nasceu
e eu para ela.

No mundo não tem boa sorte senão quem tem por boa a que tem. E daqui me vem contentar-me, de triste. Mas olhai de que maneira:

Vivo assi ao revés,
tomando por certa vida
certa morte,
com que folgo, em que me pês,
pois minha sorte é servida
de tal sorte.

Uma cousa sabei: que o mal, ainda que às vezes o vejais louvar, não há quem o louve com a boca que o não taxe com o coração:

Ajudai-me a sofrer
vida tão sem sofrimento,

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Marília De Dirceu

Soneto 6

Quantas vezes Lidora me dizia,
Ao terno peito minha mão levando:
– Conjurem-se em meu mal os astros, quando
Achares no meu peito aleivosia!

Então que não chorasse lhe pedia,
Por firme seu amor acreditando.
Ah! que em movendo os olhos, suspirando,
Ao mais acautelado enganaria!

Um ano assim viveu. Oh! céus, agora
Mostrou que era mulher: a natureza,
Só por não se mudar, a fez traidora.

Não, não darei mais cultos à beleza,
Que depois de faltar à fé Lidora,
Nem creio que nas deusas há firmeza.

Marília De Dirceu

Soneto 3

Enganei-me, enganei-me – paciência!
Acreditei às vezes, cri, Ormia,
Que a tua singeleza igualaria
A tua mais que angélica aparência.

Enganei-me, enganei-me – paciência!
Ao menos conheci que não devia
Pôr nas mãos de uma externa galhardia
O prazer, o sossego e a inocência.

Enganei-me, cruel, com teu semblante,
E nada me admiro de faltares,
Que esse teu sexo nunca foi constante.

Mas tu perdeste mais em me enganares:
Que tu não acharás um firme amante,
E eu posso de traidoras ter milhares.

Autobiografia

De cerúleo gabão não bem coberto,
passeia em Santarém chuchado moço,
mantido, às vezes, de sucinto almoço,
de ceia casual, jantar incerto;

dos esbrugados peitos quase aberto,
versos impinge por miúde e grosso;
e do que em frase vil chamam caroço,
se o que, é vox clamantis in deserto;

pede às moças ternura, e dão-lhe motes;
que, tendo um coração como estalage,
vão nele acomodando a mil peixotes.

Sabes, leitor, quem sofre tanto ultraje,
cercado de um tropel de franchinotes?
– É o autor do soneto: – é o Bocage.

Ideal Comum

(Soneto escrito em colaboração com Oscar Rosas).

Dos cheirosos, silvestres ananases
De casca rubra e polpa acidulosa,
Tens na carne fremente, volutuosa,
Os aromas recônditos, vivazes.

Lembras lírios, papoulas e lilazes;
A tua boca exala a trevo e a rosa,
Resplande essa cabeça primorosa
E o dia e a noite nos teus olhos trazes.

Astros, jardins, relâmpagos e luares
Inundam-te os fantásticos cismares,
Cheios de amor e estranhos calafrios;

E teus seios, olímpicos, morenos,
Propinando-me trágicos venenos,
São como em brumas, solitários rios.

Marília De Dirceu

Soneto 9

Mudou-se enfim Lidora, essa Lidora
Por quem mil vezes fé me foi jurada.
Que vos detém, ó céus, que castigada
Ainda não deixais tão vil traidora?

Não haja piedade; sinta agora
A dita sem remédio em mal trocada:
Pois, se assim não sucede, fica ousada
Para ser outra vez enganadora.

Vingai, ó justos céus…, mas ah! que digo?
Que maltrateis Lidora? – O sentimento
Privou-me do discurso; eu me desdigo.

Não, não vibreis o raio violento;
Pois se que a compaixão do seu castigo
Há de aumentar depois o meu tormento.

Contra Os Plebeus E Néscios Do Brasil.

Que me quer o Brasil, que me persegue?
Que me querem pasguates, que me invejam?
Não vêem que os entendidos me cortejam?
E que os nobres é gente que me segue?

Com seu ódio a canalha que consegue?
Com sua inveja os néscios que motejam?
Se quando os néscios por meu mal mourejam,
fazem os sábios que a meu mal me entregue?

Isto posto, ignorantes e canalha,
se ficam por canalha, e ignorantes
no rol das bestas a roerem palha.

E se os senhores nobres e elegantes
não querem que o soneto vá de valhas,
não vá, que tem terríveis consoantes.

Setentrional

Talvez já te não lembres, triste Helena,
Dos passeios que dávamos sozinhos,
À tardinha, naquela terra amena,
No tempo da colheita dos bons vinhos.

Talvez já te não lembres, pesarosa,
Da casinha caiada em que moramos,
Nem do adro da ermida silenciosa,
Onde nós tantas vezes conversamos.

Talvez já te esquecesses, ó bonina,
Que viveste no campo só comigo,
Que te osculei a boca purpurina,
E que fui o teu sol e o teu abrigo.

Que fugiste comigo da Babel,
Mulher como não há nem na Circássia,
Que bebemos, nós dois, do mesmo fel,
E regamos com prantos uma acácia.

Talvez já te não lembres com desgosto
Daquelas brancas noites de mistério,
Em que a Lua sorria no teu rosto
E nas lajes campais do cemitério.

Talvez já se apagassem as miragens
Do tempo em que eu vivia nos teus seios,
Quando as aves cantando entre as ramagens
O teu nome diziam nos gorjeios.

Quando, à brisa outoniça, como um manto,
Os teus cabelos de âmbar, desmanchados,
Se prendiam nas folhas dum acanto,

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A Voz da Tília

Diz-me a tília a cantar: “Eu sou sincera,
Eu sou isto que vês: o sonho, a graça,
Deu ao meu corpo, o vento, quando passa,
Este ar escultural de bayadera…

E de manhã o sol é uma cratera,
Uma serpente de oiro que me enlaça…
Trago nas mãos as mãos da Primavera…
E é para mim que em noites de desgraça

Toca o vento Mozart, triste e solene,
E à minha alma vibrante, posta a nu,
Diz a chuva sonetos de Verlaine…”

E, ao ver-me triste, a tília murmurou:
“Já fui um dia poeta como tu…
Ainda hás de ser tília como eu sou…”

Soneto 255 Recordista

Duzentas e cinqüenta e cinco peças
é produção em série, mas apenas
um “quase”, comparado a três centenas,
contanto que em soneto, só, me meças.

Refiro-me ao autor do molde dessas
trezentas dedicadas, não a Helenas,
Marílias, Beatrizes ou morenas
anônimas, amadas meio às pressas;

Porém à tal de Laura! Que feições
seriam tão divinas, se ela abarca
tamanho patrimônio de paixões?

Persigo, só no número, essa marca.
Depois de superar a de Camões,
vou ter que superar a de Petrarca!

Soneto 549 Tematizado

De duas coisas todo bom poeta
dever tem de falar para ser posto
no círculo dos grandes e no gosto
do povo ser mais um que se projeta:

de estrelas e de rosas. Nada veta
que seja seu soneto só composto
de pétalas que espelhem-lhe o desgosto
do amor que feneceu e nos afeta.

Também ninguém proíbe que as estrelas
figurem esperanças ou paixões
e todos os sonetos tentem lê-las.

Não morre um de Bilac ou de Camões,
mas falta o que um poeta mede pelas
(dum cego) fantasias e visões…

Eu gostava mais de que ficassem as duas quadras de cada soneto dum lado da folha e os dois tercetos do outro lado. Fica o soneto menos duro, lê-se melhor. Assim o soneto todo numa página, dum jacto, não gosto, francamente.

Mancebo Sem Dinheiro, Bom Barrete

Mancebo sem dinheiro, bom barrete,
Medíocre o vestido, bom sapato,
Meias velhas, calção de esfola-gato,
Cabelo penteado, bom topete.

Presumir de dançar, cantar falsete,
Jogo de fidalguia, bom barato,
Tirar falsídia ao Moço do seu trato,
Furtar a carne à ama, que promete.

A putinha aldeã achada em feira,
Eterno murmurar de alheias famas,
Soneto infame, sátira elegante.

Cartinhas de trocado para a Freira,
Comer boi, ser Quixote com as Damas,
Pouco estudo, isto é ser estudante.