Sonetos sobre Abandono

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Sonetos de abandono escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

O Meu Orgulho

Lembro-me o que fui dantes. Quem me dera
NĂŁo me lembrar! Em tardes dolorosas
Lembro-me que fui a Primavera
Que em muros velhos faz nascer as rosas!

As minhas mĂŁos outrora carinhosas
Pairavam como pombas… Quem soubera
Porque tudo passou e foi quimera,
E porque os muros velhos nĂŁo dĂŁo rosas!

O que eu mais amo Ă© que mais me esquece…
E eu sonho: “Quem olvida nĂŁo merece…”
E jĂĄ nĂŁo fico tĂŁo abandonada!

Sinto que valho mais, mais pobrezinha:
Que também é orgulho ser sozinha,
E também é nobreza não ter nada!

Cegueira Bendita

Ando perdida nestes sonhos verdes
De ter nascido e nĂŁo saber quem sou,
Ando ceguinha a tatear paredes
E nem ao menos sei quem me cegou!

NĂŁo vejo nada, tudo Ă© morto e vago…
E a minha alma cega, ao abandono
Faz-me lembrar o nenĂșfar dum lago
ÂŽStendendo as asas brancas cor do sonho…

Ter dentro dÂŽalma na luz de todo o mundo
E nĂŁo ver nada nesse mar sem fundo,
Poetas meus irmĂŁos, que triste sorte!…

E chamam-nos a nĂłs Iluminados!
Pobres cegos sem culpas, sem pecados,
A sofrer pelos outros té à morte!

DomĂ­nio

Hoje, tu jå não coras se te abraço,
hoje, tu jĂĄ nĂŁo foges ao meu beijo…
Sabes que Ă©s minha… e o que desejo e faço
Ă© o que faz e deseja o teu desejo…

Ficas mais bela no desembaraço
da suave intimidade em que te vejo…
Nada negas – e dando-me o que almejo
tudo me dĂĄs – quando o teu corpo enlaço!

quando o teu corpo junto ao meu se aninha…
Vives pelo prazer de seres minha,
e Ă©s dĂłcil e flexĂ­vel como uma haste,

No abandono total em que te enleias,
quem diria, que um dia, jĂĄ negaste
com a mesma boca com que agora anseias!

Entre o Bater Rasgado dos PendÔes

Entre o bater rasgado dos pendÔes
E o cessar dos clarins na tarde alheia,
A derrota ficou: como uma cheia
Do mal cobriu os vagos batalhÔes.

Foi em vão que o Rei louco os seus varÔes
Trouxe ao prolixo prélio, sem idéia.
Água que mão infiel verteu na areia —
Tudo morreu, sem rastro e sem razÔes.

A noite cobre o campo, que o Destino
Com a morte tornou abandonado.
Cessou, com cessar tudo, o desatino.

Só no luar que nasce os pendÔes rotos
Mostram no absurdo campo desolado
Uma derrota herĂĄldica de ignotos.

No Claustro De Celas

Eis quanto resta do idĂ­lio acabado,
– Primavera que durou um momento…
Como vĂŁo longe as manhĂŁs do convento!
– Do alegre conventinho abandonado…

Tudo acabou… AnĂȘmonas, hidrĂąngeas,
Silindras, – flores tĂŁo nossas amigas!
No claustro agora viçam as ortigas,
Rojam-se cobras pelas velhas lĂĄjeas.

Sobre a inscrição do teu nome delido!
– Que os meus olhos mal podem soletrar,
Cansados… E o aroma fenecido

Que se evola do teu nome vulgar!
Enobreceu-o a quietação do olvido,
Ó doce, ingĂȘnua, inscrição tumular.

CĂĄrcere Das Almas

Ah! Toda a alma num cĂĄrcere anda presa,
Soluçando nas trevas, entre as grades
Do calabouço olhando imensidades,
Mares, estrelas, tardes, natureza.

Tudo se veste de uma igual grandeza
Quando a alma entre grilhÔes as liberdades
Sonha e, sonhando, as imortalidades
Rasga no etéreo o Espaço da Pureza.

Ó almas presas, mudas e fechadas
Nas prisÔes colossais e abandonadas,
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!

Nesses silĂȘncios solitĂĄrios, graves,
que chaveiro do CĂ©u possui as chaves
para abrir-vos as portas do Mistério?!

LassidĂŁo

Ah, por favor, doçura, doçura, doçura!
Acalma esses arroubos febris, minha bela.
Mesmo em grandes folguedos, a amante sĂł deve
Mostrar o abandono calmo da irmĂŁ pura.

SĂȘ lĂąnguida, adormece-me com os teus afagos,
Iguais aos teus suspiros e ao olhar que embala.
O abraço do ciĂșme, o espasmo impaciente
NĂŁo valem um sĂł beijo, mesmo quando mente!

Mas dizes-me, criança, em teu coração de ouro
A paixĂŁo mais selvagem toca o seu clarim!…
Deixa-a trombetear Ă  vontade, a impostora!

Chega essa testa à minha, a mão também, assim,
E faz-me juramentos pra amanhĂŁ quebrares,
Chorando até ser dia, impetuosa amada!

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

Saudade

Aqui outrora retumbaram hinos;
Muito coche real nestas calçadas
E nestas praças, hoje abandonadas,
Rodou por entre os ouropĂ©is mais finos…

Arcos de flores, fachos purpurinos,
Trons festivais, bandeiras desfraldadas,
GirĂąndolas, clarins, atropeladas
LegiĂ”es de povo, bimbalhar de sinos…

Tudo passou! Mas dessas arcarias
Negras, e desses torreÔes medonhos,
Alguém se assenta sobre as låjeas frias;

E em torno os olhos Ășmidos, tristonhos,
Espraia, e chora, como Jeremias,
Sobre a JerusalĂ©m de tantos sonhos!…

Sentimento Esquisito

Ó cĂ©u estĂ©ril dos desesperados,
Forma impassível de cristas sidéreo,
Dos cemitérios velho cemitério
Onde dormem os astros delicados.

PĂĄtria d’estrelas dos abandonados,
Casulo azul do anseio vago, aéreo,
Formidåvel muralha de mistério
Que deixa os coraçÔes desconsolados.

CĂ©u imĂłvel milĂȘnios e milĂȘnios,
Tu que iluminas a visĂŁo dos GĂȘnios
E ergues das almas o sagrado acorde.

Céu estéril, absurdo, céu imoto,
Faz dormir no teu seio o Sonho ignoto,
Esta serpente que alucina e morde…

Vingança

“Vingança…”
II
Quero sentir-te nos meus braços presa
e dizer bem baixinho ao teu ouvido,
um segredo de amor terno e sentido
que guardo no meu peito com avareza…

Quero ter afinal plena certeza
deste amor que na vida me tem sido:
o meu sonho mais lindo e mais querido,
a luz de uma esperança, sempre acesa…

Nesta rosa que tens, viva e vermelha
esmigalhada em tua boca – a abelha
do meu beijo algum dia hei de pousar…

Quero unir minha vida Ă  tua vida,
sentir que Ă©s minha sĂł, ter-te possuĂ­da,
para entĂŁo, sĂł depois, te abandonar!…

Jura

Pelas rugas da fronte que medita…
Pelo olhar que interroga — e nĂŁo vĂȘ nada…
Pela miséria e pela mão gelada
Que apaga a estrela que nossa alma fita…

Pelo estertor da chama que crepita
No ultimo arranco d’uma luz minguada…
Pelo grito feroz da abandonada
Que um momento de amante fez maldita…

Por quanto hĂĄ de fatal, que quanto hĂĄ misto
De sombra e de pavor sob uma lousa…
Oh pomba meiga, pomba de esperança!

Eu t’o juro, menina, tenho visto
Cousas terriveis — mas jamais vi cousa
Mais feroz do que um riso de criança!

Imortal Atitude

Abre os olhos Ă  Vida e fica mudo!
Oh! Basta crer indefinidamente
Para ficar iluminado tudo
De uma luz imortal e transcendente.

Crer Ă© sentir, como secreto escudo,
A alma risonha, lĂșcida, vidente…
E abandonar o sujo deus cornudo,
O sĂĄtiro da Carne impenitente.

Abandonar os lĂąnguidos rugidos,
O infinito gemido dos gemidos
Que vai no lodo a carne chafurdando.

Erguer os olhos, levantar os braços
Para o eterno SilĂȘncio dos Espaços
E no SilĂȘncio emudecer olhando…

Antes de Amar-te Eu nada Tinha

Antes de amar-te, amor, eu nada tinha:
vacilei pelas ruas e pelas coisas:
nada contava nem tinha nome:
o mundo era do ar que aguardava.

Conheci salÔes cinzentos,
tĂșneis habitados pela lua,
hangares cruéis que se despediam,
perguntas que teimavam sobre a areia.

Tudo estava vazio, morto e mudo,
caĂ­do, abandonado e abatido,
tudo era inalienavelmente alheio,

tudo era dos outros e de ninguém,
até que a tua beleza e a tua pobreza
encheram o outono de presentes.

A Perfeição

A Perfeição Ă© a celeste ciĂȘncia
Da cristalização de almos encantos,
De abandonar os mĂłrbidos quebrantos
E viver de uma oculta florescĂȘncia.

Noss’alma fica da clarividĂȘncia
Dos astros e dos anjos e dos santos,
Fica lavada na lustral dos prantos,
É dos prantos divina e pura essĂȘncia.

Noss’alma fica como o ser que Ă s lutas
As mĂŁos conserva limpas, impolutas,
Sem as manchas do sangue mau da guerra.

A Perfeição é a alma estar sonhando
Em soluços, soluços, soluçando
As agonias que encontrou na Terra.!

TĂ©dio

Sobre minh’alma, como sobre um trono,
Senhor brutal, pesa o aborrecimento.
Como tardas em vir, Ășltimo outono,
Lançar-me as folhas Ășltimas ao vento!

Oh! dormir no silĂȘncio e no abandono,
SĂł, sem um sonho, sem um pensamento,
E, no letargo do aniquilamento,
Ter, Ăł pedra, a quietude do teu sono!

Oh! deixar de sonhar o que nĂŁo vejo!
Ter o sangue gelado, e a carne fria!
E, de uma luz crepuscular velada,

Deixar a alma dormir sem um desejo,
Ampla, fĂșnebre, lĂșgubre, vazia
Como uma catedral abandonada!…

Tentara o Amor de Abril

Tentara o amor de Abril tornar mais duro,
Naquele mĂȘs de cĂ©u azul cortado
Pelas pandorgas cor do assombro, o brado
Que no meu peito armava o meu futuro;

Porque de novo, a procurar, procuro,
De bruços na janela, e debruçado
Por sobre as mĂĄgoas deste amor calado,
Nas portas tenebrosas, o ar mais puro.

Firmando para o Norte, o brando povo
Das andorinhas parte, e fervoroso
Consuma o seu destino. Eu tento armĂĄ-lo

No céu da alma, e durmo procurando
Essa firmeza no abandono, e calo,
Por pouco tempo embora o como e o quando.

SolidĂŁo

Um frio enorme esta minha alma corta,
e eu me encolho em mim mesmo: – a solidĂŁo
anda lĂĄ fora, e o vento Ă  minha porta
passa arrastando as folhas pelo chĂŁo…

Nesta noite de inverno fria e morta,
em meio ao neblinar da cerração,
o silĂȘncio, que o espĂ­rito conforta,
exaspera a minha alma de aflição…

As horas vĂŁo passando em abandono,
e entre os frios lençóis onde me deito
em vĂŁo tento conciliar o sono

A cama Ă© fria… O quarto Ășmido e triste…
– HĂĄ uma noite de inverno no meu peito,
desde o instante cruel em que partiste…

Frieza

Os teus olhos sĂŁo frios como espadas,
E claros como os trĂĄgicos punhais;
TĂȘm brilhos cortantes de metais
E fulgores de lĂąminas geladas.

Vejo neles imagens retratadas
De abandonos cruéis e desleais,
FantĂĄsticos desejos irreais,
E todo o oiro e o sol das madrugadas!

Mas não te invejo, Amor, essa indiferença,
Que viver neste mundo sem amar
É pior que ser cego de nascença!

Tu invejas a dor que vive em mim!
E quanta vez dirås a soluçar:
“Ah! Quem me dera, IrmĂŁ, amar assim!…”

O Lamento Das Coisas

Triste, a escutar, pancada por pancada,
A sucessividade dos segundos,
Ouço, em sons subterrùneos, do Orbe oriundos,
O choro da Energia abandonada!

É a dor da Força desaproveitada
– O cantochĂŁo dos dĂ­namos profundos,
Que, podendo mover milhÔes de mundos,
jazem ainda na estĂĄtica do Nada!

É o soluço da forma ainda imprecisa…
Da transcendĂȘncia que se nĂŁo realiza…
Da luz que nĂŁo chegou a ser lampejo…

E Ă© em suma, o subconsciente ai formidando
Da Natureza que parou, chorando,
No rudimentarismo do Desejo!

O Amor Confina o Amor

Na branda luz do frio, gravo a ternura
De andar sofrendo, pela vez primeira,
O amor que, por engano, a vida inteira
Transforma numa lenta desventura.

Se no ar desta manhĂŁ sopra tĂŁo pura
A obrigação de respirar-me, à beira
De uma esperança enferma e derradeira,
Vou respirando a flor de uma armadura

Imposta pelo amor. Sobre a incerteza
Do noivo abandonado, abre a firmeza
De prosseguir lutando, e ardentemente

Este poder desperta o ardor de um canto
No cĂĄrcere de vidro onde, inclemente,
O amor confina o amor, como num pranto.