Entre o Bater Rasgado dos Pendões
Entre o bater rasgado dos pendões
E o cessar dos clarins na tarde alheia,
A derrota ficou: como uma cheia
Do mal cobriu os vagos batalhões.Foi em vão que o Rei louco os seus varões
Trouxe ao prolixo prélio, sem idéia.
Água que mão infiel verteu na areia —
Tudo morreu, sem rastro e sem razões.A noite cobre o campo, que o Destino
Com a morte tornou abandonado.
Cessou, com cessar tudo, o desatino.Só no luar que nasce os pendões rotos
Mostram no absurdo campo desolado
Uma derrota heráldica de ignotos.
Sonetos sobre Água de Fernando Pessoa
3 resultadosDói Viver, Nada Sou Que Valha Ser.
Dói viver, nada sou que valha ser.
Tardo-me porque penso e tudo rui.
Tento saber, porque tentar é ser.
Longe de isto ser tudo, tudo flui.Mágoa que, indiferente, faz viver.
Névoa que, diferente, em tudo influi.
O exílio nado do que fui sequer
Ilude, fixa, dá, faz ou possui.Assim, noturno, a árias indecisas,
O prelúdio perdido traz à mente
O que das ilhas mortas foi só brisas,E o que a memória análoga dedica
Ao sonho, e onde, lua na corrente,
Não passa o sonho e a água inútil fica.
Rala Cai Chuva. O Ar Não É Escuro. A Hora
Rala cai chuva. O ar não é escuro. A hora
Inclina-se na haste; e depois volta.
Que bem a fantasia se me solta!
Com que vestígios me descobre agora!Tédio dos interstícios, onde mora
A fazer de lagarto. – O muro escolta
A minha eterna angústia de revolta
E esse muro sou eu e o que em mim chora.Não digas mais, pois te ignorei cativo…
Teus olhos lembram o que querem ser,
Murmúrio de águas sobre a praia, e o esquivoLangor do poente que me faz esquecer.
Que real que és! Mas eu, que vejo e vivo,
Perco-te, e o som do mar faz-te perder.