Sonetos de Alberto d'Oliveira

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Sonetos de Alberto d'Oliveira. Conheça este e outros autores famosos em Poetris.

O Mar Agita-se, como um Alucinado

O Mar agita-se, como um alucinado:
A sua espuma aflui, baba da sua Dor…
Posto o escafandro, com um passo cadenciado,
Desce ao fundo do Oceano algum mergulhador.

Dá-lhe um aspecto estranho a campânula imensa:
Lembra um bizarro Deus de algum pagode indiano:
Na cólera do Mar, pesa a sua Indiferença
Que o torna superior, e faz mesquinho o Oceano!

E em vão as ondas se lhe enroscam à cabeça:
Ele desce orgulhoso, impassĂ­vel, sem pressa,
Com suprema altivez, com ironias calmas:

Assim devemos nĂłs, Poetas, no Mundo entrar,
Sem nos deixarmos absorver por esse Mar
— Pois a Arte é, para nós, o escafandro das Almas!

VestĂ­gios Divinos

(Na Serra de Marumbi)

Houve deuses aqui, se nĂŁo me engano;
Novo Olimpo talvez aqui fulgia;
Zeus agastava-se, Afrodite ria,
Juno toda era orgulho e ciĂşme insano.

Nos arredores, na montanha ou plano,
Diana caçava, Actéon a perseguia.
Espalhados na bruta serrania,
Inda há uns restos da forja de Vulcano.

Por toda esta extensĂ­ssima campina
Andaram Faunos, Náiades e as Graças,
E em banquete se uniu a grei divina.

Os convivas pagĂŁos ainda hoje os topas
Mudados em pinheiros, como taças,
No hurra festivo erguendo no ar as copas.

Soneto

Agora Ă© tarde para novo rumo
Dar ao sequioso espĂ­rito; outra via
NĂŁo terei de mostrar-lhe e Ă  fantasia
Além desta em que peno e me consumo.

AĂ­, de sol nascente a sol a prumo,
Deste ao declĂ­nio e ao desmaiar do dia,
Tenho ido empĂłs do ideal que me alumia,
A lidar com o que Ă© vĂŁo, Ă© sonho, Ă© fumo.

Aí me hei de ficar até cansado
Cair, inda abençoando o doce e amigo
Instrumento em que canto e a alma me encerra;

Abençoando-o por sempre andar comigo
E bem ou mal, aos versos me haver dado
Um raio do esplendor de minha terra.

Luva Abandonada

Uma só vez calçar-vos me foi dado,
Dedos claros! A escura sorte minha,
O meu destino, como um vento irado,
Levou-vos longe e me deixou sozinha!

Sobre este cofre, desta cama ao lado,
Murcho, como uma flor, triste e mesquinha,
Bebendo ávida o cheiro delicado
Que aquela mĂŁo de dedos claros tinha.

Cálix que a alma de um lírio teve um dia
Em si guardada, antes que ao chĂŁo pendesse,
Breve me hei de esfazer em poeira, em nada…

Oh! em que chaga viva tocaria
Quem nesta vida compreender pudesse
A saudade da luva abandonada!

A Alma Dos Vinte Anos

A alma dos meus vinte anos noutro dia
Senti volver-me ao peito, e pondo fora
A outra, a enferma, que lá dentro mora,
Ria em meus lábios, em meus olhos ria.

Achava-me ao teu lado entĂŁo, Luzia,
E da idade que tens na mesma aurora;
A tudo o que já fui, tornava agora,
Tudo o que ora nĂŁo sou, me renascia.

Ressenti da paixĂŁo primeira e ardente
A febre, ressurgiu-me o amor antigo
Com os seus desvarios e com os seus enganos…

Mas ah! quando te foste, novamente
A alma de hoje tornou a ser comigo,
E foi contigo a alma dos meus vinte anos.

Taça De Coral

LĂ­cias, pastor – enquanto o sol recebe,
Mugindo, o manso armento e ao largo espraia.
Em sede abrasa, qual de amor por Febe,
– Sede tambĂ©m, sede maior, desmaia.

Mas aplacar-lhe vem piedosa Naia
A sede d’água: entre vinhedo e sebe
Corre uma linfa, e ele no seu de faia
De ao pé do Alfeu tarro escultado bebe.

Bebe, e a golpe e mais golpe: – “Quer ventura
(Suspira e diz) que eu mate uma ânsia louca,
E outra fique a penar, zagala ingrata!

Outra que mais me aflige e me tortura,
E nĂŁo em vaso assim, mas de uma boca
Na taça de coral Ă© que se mata”,

Lisboa

Ó Cidade da Luz! Perpétua fonte
De tĂŁo nĂ­tida e virgem claridade,
Que parece ilusĂŁo, sendo verdade,
Que o sol aqui feneça e nĂŁo desponte…

Embandeira-se em chamas o horizonte:
Um fulgor áureo e róseo tudo invade:
SĂŁo mil os panoramas da Cidade,
Surge um novo mirante em cada monte.

Ă“ Luz ocidental, mais que a do Oriente
Leve, esmaltada, pura e transparente,
Claro azulejo, madrugada infinda!

E és, ao sol que te exalta e te coroa,
— Loira, morena, multicor Lisboa! —
TĂŁo pagĂŁ, tĂŁo cristĂŁ, tĂŁo moira ainda…

Terceiro Canto

Cajás! Não é que lembra à Laura um dia
(Que dia claro! esplende o mato e cheira!)
Chamar-me para em sua companhia
Saboreá-los sob a cajazeira!

– Vamos sĂłs? perguntei-lhe. E a feiticeira:
– EntĂŁo! tens medo de ir comigo? – E ria.
Compõe as tranças, salta-me ligeira
Ao braço, o braço no meu braço enfia.

– Uma carreira! – Uma carreira! – Aposto!
A um sinal breve dado de partida,
Corremos. Zune o vento em nosso rosto.

Mas eu me deixo atrás ficar, correndo,
Pois mais vale que a aposta da corrida
Ver-lhe as saias a voar, como vou vendo.