Sonetos sobre Alívio de Cláudio Manuel da Costa

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Sonetos de alívio de Cláudio Manuel da Costa. Leia este e outros sonetos de Cláudio Manuel da Costa em Poetris.

XL

Quem chora ausente aquela formosura,
Em que seu maior gosto deposita,
Que bem pode gozar, que sorte, ou dita,
Que nĂŁo seja funesta, triste, e escura!

A apagar os incĂŞndios da loucura
Nos braços da esperança Amor me incita:
Mas se era a que perdi, glĂłria infinita,
Outra igual que esperança me assegura!

Já de tanto delírio me despeço;
Porque o meu precipĂ­cio encaminhado
Pela mão deste engano reconheço.

Triste! A quanto chegou meu duro fado!
Se de um fingido bem não faço apreço,
Que alĂ­vio posso dar a meu cuidado!

XXIV

Sonha em torrentes d’água, o que abrasado
Na sede ardente está; sonha em riqueza
Aquele, que no horror de uma pobreza
Anda sempre infeliz, sempre vexado:

Assim na agitação de meu cuidado
De um contĂ­nuo delĂ­rio esta alma presa,
Quando Ă© tudo rigor, tudo aspereza,
Me finjo no prazer de um doce estado.

Ao despertar a louca fantasia
Do enfermo, do mendigo, se descobre
Do torpe engano seu a imagem fria:

Que importa pois, que a idéia alívios cobre,
Se apesar desta ingrata aleivosia,
Quanto mais rico estou, estou mais pobre.

XX

Ai de mim! como estou tĂŁo descuidado!
Como do meu rebanho assim me esqueço,
Que vendo o trasmalhar no mato espesso,
Em lugar de o tornar, fico pasmado!

Ouço o rumor que faz desaforado
O lobo nos redis; ouço o sucesso
Da ovelha, do pastor; e desconheço
NĂŁo menos, do que ao dono, o mesmo gado:

Da fonte dos meus olhos nunca enxuta
A corrente fatal, fico indeciso,
Ao ver, quanto em meu dano se executa.

Um pouco apenas meu pesar suavizo,
Quando nas serras o meu mal se escuta;
Que triste alĂ­vio! ah infeliz Daliso!

XXXI

Estes os olhos sĂŁo da minha amada:
Que belos, que gentis, e que formosos!
NĂŁo sĂŁo para os mortais tĂŁo preciosos
Os doces frutos da estação dourada.

Por eles a alegria derramada,
Tornam-se os campos de prazer gostosos;
Em zéfiros suaves, e mimosos
Toda esta regiĂŁo se vĂŞ banhada;

Vinde, olhos belos, vinde; e enfim trazendo
Do rosto de meu bem as prendas belas,
Dai alĂ­vios ao mal, que estou gemendo:

Mas ah delĂ­rio meu, que me atropelas!
Os olhos, que eu cuidei, que estava vendo,
Eram (quem crera tal!) duas estrelas.

LVII

Bela imagem, emprego idolatrado,
Que sempre na memĂłria repetido,
Estás, doce ocasião de meu gemido,
Assegurando a fé de meu cuidado.

Tem-te a minha saudade retratado;
NĂŁo para dar alĂ­vio a meu sentido;
Antes cuido; que a mágoa do perdido
Quer aumentar coa pena de lembrado.

NĂŁo julgues, que me alento com trazer-te
Sempre viva na idéia; que a vingança
De minha sorte todo o bem perverte.

Que alívio em te lembrar minha alma alcança,
Se do mesmo tormento de nĂŁo ver-te,
Se forma o desafogo da lembrança ?

XXX

NĂŁo se passa, meu bem, na noite, e dia
Uma hora só, que a mísera lembrança
Te não tenha presente na mudança,
Que fez, para meu mal, minha alegria.

Mil imagens debuxa a fantasia,
Com que mais me atormenta e mais me cansa:
Pois se tão longe estou de uma esperança,
Que alĂ­vio pode dar me esta porfia!

Tirano foi comigo o fado ingrato;
Que crendo, em te roubar, pouca vitĂłria,
Me deixou para sempre o teu retrato:

Eu me alegrara da passada glĂłria,
Se quando me faltou teu doce trato,
Me faltara também dele a memória.