Quando Eu Partir
Quando eu partir, que eterna e que infinita
Há de crescer-me a dor de tu ficares;
Quanto pesar e mesmo que pesares,
Que comoção dentro desta alma aflita.Por nossa vida toda sol, bonita,
Que sentimento, grande como os mares,
Que sombra e luto pelos teus olhares
Onde o carinho mais feliz palpita…Nesse teu rosto da maior bondade
Quanta saudade mais, que atroz saudade…
Quanta tristeza por nós ambos, quanta,Quando eu tiver já de uma vez partido,
Ó meu amor, ó meu muito querido
Amor, meu bem, meu tudo, ó minha santa!
Sonetos sobre Alma de Cruz e Souza
127 resultadosAleluia! Aleluia!
Dentre um cortejo de harpas e alaúdes
Ó Arcanjo sereno, Arcanjo níveo,
Baixas-te à terra, ao mundanal convívio…
Pois que a terra te ajude, e tu me ajudes.Que tu me alentes nas batalhas rudes,
Que me tragas a flor de um doce alívio
Aos báratros, às brenhas, ao declívio
Deste caminho de ânsias e ataúdes…Já que desceste das regiões celestes,
Nesse clarão flamívomo das vestes,
Através dos troféus da EternidadeTraz-me a Luz, traz-me a Paz, traz-me a Esperança
Para a minh’alma que de angústias cansa,
Errando pelos claustros da Saudade!
Livre!
Livre! Ser livre da materia escrava,
Arrancar os grilhões que nos flagelam
E livre, penetrar nos Dons que selam
A alma e lhe emprestam toda a etérea lava.Livre da humana, da terrestre bava
Dos corações daninhos que regelam
Quando os nossos sentidos se rebelam
Contra a Infâmia bifronte que deprava.Livre! bem livre para andar mais puro,
Mais junto à Natureza e mais seguro
Do seu amor, de todas as justiças.Livre! para sentir a Natureza,
Para gozar, na universal Grandeza,
Fecundas e arcangélicas preguiças.
Supremo Verbo
– Vai, Peregrino do caminho santo,
Faz da tu’alma lâmpada do cego,
Iluminando, pego sobre pego,
As invisíveis amplidões do Pranto.Ei-lo, do Amor o Cálix sacrossanto!
Bebe-o, feliz, nas tuas mãos o entrego…
És o filho leal, que eu não renego,
Que defendo nas dobras do meu manto.Assim ao Poeta a Natureza fala!
Enquanto ele estremece ao escutá-la,
Transfigurado de emoção, sorrindo…Sorrindo a céus que vão se desvendando,
A mundos que vão se multiplicando,
A portas de ouro que vão se abrindo!
Êxtase
Quando vens para mim, abrindo os braços
Numa carícia lânguida e quebrada,
Sinto o esplendor de cantos de alvorada
Na amorosa fremência dos teus passos.Partindo os duros e terrestres laços,
A alma tonta, em delírio, alvoroçada,
Sobe dos astros a radiosa escada
Atravessando a curva dos espaços.Vens, enquanto que eu, perplexo d’espanto,
Mal te posso abraçar, gozar-te o encanto
Dos seios, dentre esses rendados folhos.Nem um beijo te dou! abstrato e mudo
Diante de ti, sinto-te, absorto em tudo,
Uns rumores de pássaros nos olhos.
Imortal Atitude
Abre os olhos à Vida e fica mudo!
Oh! Basta crer indefinidamente
Para ficar iluminado tudo
De uma luz imortal e transcendente.Crer é sentir, como secreto escudo,
A alma risonha, lúcida, vidente…
E abandonar o sujo deus cornudo,
O sátiro da Carne impenitente.Abandonar os lânguidos rugidos,
O infinito gemido dos gemidos
Que vai no lodo a carne chafurdando.Erguer os olhos, levantar os braços
Para o eterno Silêncio dos Espaços
E no Silêncio emudecer olhando…
Presa Do Ódio
Da tu’alma na funda galeria
Descendo às vezes, eu às vezes sinto
Que como o mais feroz lobo faminto
Teu ódio baixo de alcatéia espia.Do Desespero a noite cava e fria,
De boêmias vis o pérfido absinto
Pôs no teu ser um negro labirinto,
Desencadeou sinistra ventania.Desencadeou a ventania rouca,
surda, tremenda, desvairada, louca,
Que a tu’alma abalou de lado a lado.Que te inflamou de cóleras supremas
e deixou-te nas trágicas algemas
Do teu ódio sangrento acorrentado!
Sem Esperança
Ó cândidos fantasmas da Esperança,
Meigos espectros do meu vão Destino,
Volvei a mim nas leves ondas do Hino
Sacramental de Bem-aventurança.Nas veredas da vida a alma não cansa
De vos buscar pelo Vergel divino
Do céu sempre estrelado e diamantino
Onde toda a alma no Perdão descansa.Na volúpia da dor que me transporta,
Que este meu ser transfunde nos Espaços,
Sinto-te longe, ó Esperança morta.E em vão alongo os vacilantes passos
À procura febril da tua porta,
Da ventura celeste dos teus braços.
Deixai Que Deste Álbum Na Folha Delicada
Deixai que deste álbum na folha delicada
Eu venha difundir meus rudes pensamentos
Deixai que as pobres rimas, uns nadas poeirentos
Eu possa transudar da mente entrenublada!…Deixai que de minh’alma na fibra espedaçada
Eu busque inda vibrar uns cantos tardos, lentos!…
Bem cedo os vendavais, aspérrimos, cruentos
Ai! Tudo arrojarão à campa amargurada!Porém qu’importa isso! dos mares desta vida
Nos pávidos, estranhos, enormes escarcéus
Se alguma coisa val, és tu, ó luz querida!…Rasguemos do porvir os áditos, os véus!…
Riamos sem cessar, embora em dor sentida!…
Também as nuvens negras conglobam-se nos céus!
Aspiração Suprema
Como os cegos e os nus pede um abrigo
A alma que vive a tiritar de frio.
Lembra um arbusto frágil e sombrio
Que necessita do bom sol amigo.Tem ais de dor de trêmulo mendigo
Oscilante, sonâmbulo, erradio.
É como um tênue, cristalino fio
D’estrelas, como etéreo e louro trigo.E a alma aspira o celestial orvalho,
Aspira o céu, o límpido agasalho,
sonha, deseja e anseia a luz do Oriente…Tudo ela inflama de um estranho beijo.
E este Anseio, este Sonho, este Desejo
Enche as Esferas soluçantemente.
A Perfeição
A Perfeição é a celeste ciência
Da cristalização de almos encantos,
De abandonar os mórbidos quebrantos
E viver de uma oculta florescência.Noss’alma fica da clarividência
Dos astros e dos anjos e dos santos,
Fica lavada na lustral dos prantos,
É dos prantos divina e pura essência.Noss’alma fica como o ser que às lutas
As mãos conserva limpas, impolutas,
Sem as manchas do sangue mau da guerra.A Perfeição é a alma estar sonhando
Em soluços, soluços, soluçando
As agonias que encontrou na Terra.!
Frutas E Flores
Laranjas e morangos — quanto às frutas,
Quanto às flores, porém, ah! quanto às flores,
Trago-te dálias rubras, d’essas cores
Das brilhantes auroras impolutas.Venho de ouvir as misteriosas lutas
Do mar chorando lágrimas de amores;
Isto é, venho de estar entre os verdores
De um sítio cheio de asperezas brutas,Mas onde as almas — pássaros que voam —
Vivem sorrindo às músicas que ecoam
Dos campos livres na rural pobreza.Trago-te frutas, flores, só apenas,
Porque não pude, irmã das açucenas,
Trazer-te o mar e toda a natureza!
Dizem Que A Arte É A Clâmide De Idéia
Dizem que a arte é a clâmide de idéia
A peregrina irradiação celeste,
E d’isso a prova singular já deste
Sorvendo d’ela a divinal sabéia!.Da “Georgeta” na feliz estréia,
Asseverar-nos ainda mais vieste
Que és um gênio, que te vás de preste
Tornando o assombro de qualquer platéia!…Sinto uns transportes fervorosos, ledos
Quando nas cenas de sutis enredos
Fulgem-te os olhos co’a expressão dos astros!…E as turbas mudas, impassíveis, calmas
Sentem mil mundos lhes crescer nas almas…
Vão-te seguindo os luminosos rastros!…
Anda-Me A Alma
Anda-me a alma inteira de tal sorte,
Meus gozos, meu pesar, nos dela unidos
Que os dela são também os meus sentidos,
Que o meu é também dela o mesmo norte.Unidos corpo a corpo — um elo forte
Nos prende eternamente — e nos ouvidos
Sentimos sons iguais. Vemos floridos
Os sons do porvir, em azul coorte…O mesmo diapasão musicaliza
Os seres de nos dois — um sol irisa
Os nossos corações — dá luz, constela…Anda esta vida, espiritualizada
Por este amor — anda-me assim — ligada
A minha sombra com a sombra dela.
Eternos Atalaias
Os sentimentos servem de atalaias
Para guiar as multidões errantes
Que caminham tremendo, vacilantes
Pelas desertas, infinitas praias…Abrangendo da Terra as fundas raias,
Atingindo as esferas mais distantes,
São como incensos, mirras odorantes,
Miraculosas, fúlgidas alfaias.Tudo em que logo transfiguram,
Encantam tudo,tudo em torno apuram,
Penetram, sem cessar, por toda parte.Alma por alma em toda a parte enflamam.
E grandes, largos, imortais, derramam
As melancólicas estrelas d’Arte!
Ódio Sagrado
Ó meu ódio, meu ódio majestoso,
Meu ódio santo e puro e benfazejo,
Unge-me a fronte com teu grande beijo,
Torna-me humilde e torna-me orgulhoso.Humilde, com os humildes generoso,
Orgulhoso com os seres sem Desejo,
Sem Bondade, sem Fé e sem lampejo
De sol fecundador e carinhoso.Ó meu ódio, meu lábaro bendito,
Da minh’alma agitado no infinito,
Através de outros lábaros sagrados.Ódio são, ódio bom! sê meu escudo
Contra os vilões do Amor, que infamam tudo,
Das sete torres dos mortais Pecados!
Vozinha
Velha, velhinha, da doçura boa
De uma pomba nevada, etérea, mansa.
Alma que se ilumina e se balança
Dentre as redes da Fé que nos perdoa.Cabeça branca de serena leoa,
Carinho, amor, meiguice que não cansa,
Coração nobre sempre como a lança
Que não vergue, não fira e que não doa.Olhos e voz de castidades vivas,
Pão ázimo das Páscoas afetivas,
Simples, tranqüila, dadivosa, franca.Morreu tal qual vivera, mansamente,
Na alvura doce de uma luz algente,
Como que morta de uma morte branca.
Caminho Da Glória
Este caminho é cor de rosa e é de ouro,
Estranhos roseirais nele florescem,
Folhas augustas, nobres reverdecem
De acanto, mirto e sempiterno louro.Neste caminho encontra-se o tesouro
Pelo qual tantas almas estremecem;
É por aqui que tantas almas descem
Ao divino e fremente sorvedouro.É por aqui que passam meditando,
Que cruzam, descem, trêmulos, sonhando,
Neste celeste, límpido caminhOs seres virginais que vêm da Terra,
Ensangüentados da tremenda guerra,
Embebedados do sinistro vinho.
Grandeza Oculta
Estes vão para as guerras inclementes,
Os absurdos heróiis sanguinolentos,
Alvoroçados, tontos e sedentos
Do clamor e dos ecos estridentes.Aqueles para os frívolos e ardentes
Prazeres de acres inebriamentos:
Vinhos, mulheres, arrebatamentos
De luxúrias carnais, impenitentes.Mas Tu, que na alma a imensidade fechas,
Que abriste com teu Gênio fundas brechas
no mundo vil onde a maldade exulta,Ó delicado espírito de Lendas!
Fica nas tuas Graças estupendas,
No sentimento da grandeza oculta!
Prodígio!
Como o Rei Lear não sentes a tormenta
Que te desaba na fatal cabeça!
(Que o céu d’estrelas todo resplandeça.)
A tua alma, na Dor, mais nobre aumenta.A Desventura mais sanguinolenta
Sobre os teus ombros impiedosa desça,
Seja a treva mais funda e mais espessa,
Todo o teu ser em músicas rebenta.Em músicas e em flores infinitas
De aromas e de formas esquisitas
E de um mistério singular, nevoento…Ah! só da Dor o alto farol supremo
Consegue iluminar, de extremo a extremo,
o estranho mar genial do Sentimento!