Sonetos sobre Alma de Cruz e Souza

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Sonetos de alma de Cruz e Souza. Leia este e outros sonetos de Cruz e Souza em Poetris.

Da Mundana Lida, Eis Que Cansado

“Minha vida Ă© um montĂŁo de ruĂ­nas em ĂĄrido deserto
Um abismo de ais e de suspiros”.

Da mundana lida, eis que cansado,
Co’a lira toda espedaçada,
A alma de suspiros retalhada,
Cumpre o infeliz seu triste fado.

Ai! que viver mais desgraçado!…
Que sorte tĂŁo crua e desazada!…
Quem assim tem a vida amargurada
Antes jĂĄ morrer, ser sepultado.

Só eu triste padeço feras dores,
Imensas e de fel, sem terem fim,
Envolto no véu dos dissabores.

Oh! Cristo eu nĂŁo sei se sĂł a mim
Deste essa vida d’amargores,
Pois que Ă© demais sofrer-se assim!

Olavo Bilac

Vim afinal para o solar dos astros,
De irradiaçÔes puríssimas e belas,
Numa viagem de alterosos mastros,
Numa viagem de saudosas velas…

Das alegrias nos febris enastros
Que as almas prendem para percebĂȘ-las,
Vim cantando e feliz, fugindo aos rastros
Da terra de onde vi e ouvi estrelas.

E por aqui, nas lĂșcidas paisagens,
Vestido das mais fluĂ­dicas roupagens
Tecido de ouro, nos clarĂ”es imersos…

Ando a gozar, entre lauréis e palmas,
O que cantei na terra, junto Ă s almas,
Na eterna florescĂȘncia dos meus versos.

Cristo E A AdĂșltera

(Grupo de Bernardelli)

Sente-se a extrema comoção do artista
No grupo ideal de plĂĄcida candura,
Nesse esplendor tĂŁo fino da escultura
Para onde a luz de todo o olhar enrista.

Que campo, ali, de rĂștila conquista
Deve rasgar, do mĂĄrmore na alvura,
O estatuĂĄrio — que amplidĂŁo segura
Tem — de alma e braço, de razĂŁo e vista!

VĂȘ-se a mulher que implora, ajoelhada,
A mais serena compaixĂŁo sagrada
De um Cristo feito a largos tons gloriosos.

De um Nazareno compassivo e terno,
D’olhos que lembram, cheios de falerno,
Dois inefåveis coraçÔes piedosos!

MĂșsica Da Morte

A musica da Morte, a nebulosa,
Estranha, imensa musica sombria,
Passa a tremer pela minh’alma e fria
Gela, fica a tremer, maravilhosa…

Onda nervosa e atroz, onda nervosa,
Letes sinistro e torvo da agonia,
Recresce a lancinante sinfonia,
Sobe, numa volĂșpia dolorosa…

Sobe, recresce, tumultuando e amarga,
Tremenda, absurda, imponderada e larga,
De pavores e trevas alucina…

E alucinando e em trevas delirando,
Como um Ópio letal, vertiginando,
Os meus nervos, letĂĄrgica, fascina…

Um Dia Guttemberg

Um dia Guttemberg c’o a alma aos cĂ©us suspensa,
Pegou do escopro ingente e pĂŽs-se a trabalhar!
E fez do velho mundo um rĂștilo alcançar
Ao mågico clangor de sua idéia imensa!

Rolou por todo o globo a luz da sacra imprensa!
Ruiu o despotismo no pĂł, a esbravejar…
Uniram-se n’um lago, o cĂ©u, a terra, o mar…
Rasgou-se o manto atroz da horrĂ­vel treva densa!…

Ergueram-se mil povos ao som das melopéias,
Das grandes cavatinas olĂ­mpicas da arte!
Raiou o novo sol das fĂșlgidas idĂ©ias!…

Porém, quem lance luz maior por toda a parte
És tu, sublime atriz, Ăł misto de epopĂ©ias
Que sabes no tablado subir, endeusar-te!…

Benditas Cadeias!

Quando vou pela Luz arrebatado,
Escravo dos mais puros sentimentos
Levo secretos estremecimentos
Como quem entra em mĂĄgico Noivado.

Cerca-me o mundo mais transfigurado
Nesses sutis e cĂąndidos momentos…
Meus olhos, minha boca vĂŁo sedentos
De luz, todo o meu ser iluminado.

Fico feliz por me sentir escravo
De um Encanto maior entre os Encantos,
Livre, na culpa, do mais leve travo.

De ver minh’alma com tais sonhos, tantos,
E que por fim me purifico e lavo
Na ĂĄgua do mais consolador dos prantos

Supremo Anseio

Esta profunda e intérmina esperança
Na qual eu tenho o espĂ­rito seguro,
A tão profunda imensidade avança
Como é profunda a idéia do futuro.

Abre-se em mim esse clarĂŁo, mais puro
Que o céu preclaro em matinal bonança:
Esse clarĂŁo, em que eu melhor fulguro,
Em que esta vida uma outra vida alcança.

Sim! Inda espero que no fim da estrada
Desta existĂȘncia de ilusĂ”es cravada
Eu veja sempre refulgir bem perto

Esse clarĂŁo esplendoroso e louro
Do amor de mĂŁe — que Ă© como um fruto de ouro,
Da alma de um filho no eternal deserto.

Rompeu-Se O Denso VĂ©u Do Atroz Marasmo

Rompeu-se o denso véu do atroz marasmo
E como por fatal, negro hebetismo
De antro sepulcral, de fundo abismo
O povo ressurgiu com entusiasmo!

O Zoilo mazorral se queda pasmo
SupÔe quimera ser, ser cataclismo
Roga, jĂĄ por dobrez, por ceticismo
De néscio, vil truão solta o sarcasmo.

PerdĂŁo, Filho da Luz, minh’alma exora,
Porém, a påtria diz, somente agora
Os grilhÔes biparti de atroz moleza!

E ele, o nosso herĂłi jĂĄ redivivo
De pé, sem se curvar, sereno, altivo
Co’as raias do porvir mede a grandeza!

Deus Do Mal

EspĂ­rito do Mal, Ăł deus perverso
Que tantas almas dĂșbias acalentas,
Veneno tentador na luz disperso
Que a prĂłpria luz e a prĂłpria sombra tentas.

SĂ­mbolo atroz das culpas do Universo,
Espelho fiel das convulsÔes violentas
Do gasto coração no lodo imerso
Das tormentas vulcĂąnicas, sangrentas.

Toda a tua sinistra trajetĂłria
Tem um brilho de lĂĄgrima ilusĂłria,
As melodias mĂłrbidas do Inferno…

És Mal, mas sendo Mal Ă©s soluçante,
Sem a graça divina e consolante,
RĂ©probo estranho do PerdĂŁo eterno!

No Seio Da Terra

Do pélago dos pélagos sombrios,
CĂĄ do seio da Terra, olhando as vidas,
Escuto o murmurar de almas perdidas,
Como o secreto murmurar dos rios.

Trazem-me os ventos negros calafrios
E os loluços das almas doloridas
Que tĂȘm sede das terras prometidas
E morrem como abutres erradios.

As Ăąnsias sobem, as tremendas Ăąnsias!
Velhices, mocidades e as infĂąncias
Humansa entre a Dor se despedaçam…

Mas, sobre tantos convulsivos gritos,
Passam horas, espaços, infinitos,
Esferas, geraçÔes, sonhando, passam!

DemĂŽnios

A lĂ­ngua vil, ignĂ­voma, purpĂșrea
Dos pecados mortais bava e braveja,
Com os seres impoluĂ­dos mercadeja,
Mordendo-os fundo injĂșria por injĂșria.

É um grito infernal de atroz luxĂșria,
Dor de danados, dor do Caos que almeja
A toda alma serena que viceja,
SĂł fĂșria, fĂșria, fĂșria, fĂșria, fĂșria!

SĂŁo pecados mortais feitos hirsutos
DemĂŽnios maus que os venenosos frutos
Morderam com volĂșpia de quem ama…

Vermes da Inveja, a lesma verde e oleosa,
AnÔes da Dor torcida e cancerosa,
Abortos de almas a sangrar na lama!

Alma Fatigada

Nem dormir nem morrer na fria Eternidade!
Mas repousar um pouco e repousar um tanto,
Os olhos enxugar das convulsÔes do pranto,
Enxugar e sentir a ideal serenidade.

A graça do consolo e da tranqĂŒilidade
De um céu de carinhoso e perfumado encanto,
Mas sem nenhum carnal e mĂłrbido quebranto,
Sem o tédio senil da vã perpetuidade.

Um sonho lirial d’estrelas desoladas
Onde as almas febris, exaustas, fatigadas
Possam se recordar e repousar tranqĂŒilas!

Um descanso de Amor, de celestes miragens,
Onde eu goze outra luz de mĂ­sticas paisagens
E nunca mais pressinta o remexer de argilas!

As Estrelas

Lå, nas celestes regiÔes distantes,
No fundo melancĂłlico da Esfera,
Nos caminhos da eterna Primavera
Do amor, eis as estrelas palpitantes.

Quantos mistérios andarão errantes,
Quantas almas em busca da Quimera,
LĂĄ, das estrelas nessa paz austera
Soluçarão, nos altos céus radiantes.

Finas flores de pérolas e prata,
Das estrelas serenas se desata
Toda a caudal das ilusÔes insanas.

Quem sabe, pelos tempos esquecidos,
Se as estrelas nĂŁo sĂŁo os ais perdidos
Das primitivas legiÔes humanas?!

Flor Nirvanizadas

Ó cegos coraçÔes, surdos ouvidos,
Bocas inĂșteis, sem clamor, fechadas,
Almas para os mistérios apagadas,
Sem segredos, sem eco e sem gemidos.

ConsciĂȘncias hirsutas de bandidos,
Vesgas, nefandas e desmanteladas,
Portas de ferro, com furor trancadas,
Dos ócios maus histéricos Vencidos.

Desenterrai-vos das sangrentas furnas
Sinistras, cabalĂ­sticas, noturnas
Onde ruge o Pecado caudaloso…

Fazei da Dor, do triste Gozo humano,
A Flor do Sentimento soberano,
A Flor nirvanizada de outro Gozo!

Soneto

(Oferecido e dedicado ao llmo. Sr. M. Bernardino A. Varela pelo autor.)
Vir bonus dicendi peritus laudandum est.

Senhor de nobre alma, tĂŁo
D’entre os sĂĄbios conhecido,
De pais excelsos nascido,
Aceitai a minha canção.

Probo pai, bom cidadĂŁo,
Sois dos seres melhor ser
Por saber tĂŁo profundo ter,
Sois ilustre qual CatĂŁo.

Recebei esta prova mesquinha
De penhor e de oração,
Produto da pena minha.

Perdoai, mui digno varĂŁo,
Se na mente eu pobre tinha
Cometer-vos indiscrição.

Velhas Tristezas

DiluĂȘncias de luz, velhas tristezas
Das almas que morreram para a lute!
Sois as sombras amadas de belezas
Hoje mais frias do que a pedra bruta.

MurmĂșrios incĂłgnitos de gruta
Onde o Mar canta os salmos e as rudezas
De obscuras religiĂ”es — voz impoluta
De sodas as titĂąnicas grandezas.

Passai, lembrando as sensaçÔes antigas,
PaixÔes que foram jå dóceis amigas,
Na luz de eternos sĂłis glorificadas.

Alegrias de hĂĄ tempos! E hoje e agora,
Velhas tristezas que se vĂŁo embora
No poente da Saudade amortalhadas!…

Perante A Morte

Perante a Morte empalidece e treme,
Treme perante a Morte, empalidece.
Coroa-te de lĂĄgrimas, esquece
O Mal cruel que nos abismos geme.

Ah! longe o Inferno que flameja e freme,
Longe a PaizĂŁo que sĂł no horror floresce…
A alma precisa de silĂȘncio e prece,
Pois na prece e silĂȘncio nada teme.

SilĂȘncio e prece no fatal segredo,
Perante o pasmo do sombrio medo
Da morte e os seus aspectos reverentes…

SilĂȘncio para o desespero insano,
O furor gigantesco e sobre-humano,
A dor sinistra de ranger os dentes!

Noiva E Triste

Rola da luz do céu, solta e desfralda
Sobre ti mesma o pavilhão das crenças,
Constele o teu olhar essas imensas
Vagas do amor que no teu peito escalda.

A primorosa e lĂ­mpida grinalda
Hå de enflorar-te as amplidÔes extensas
Do teu pesar — hĂĄ de rasgar-te as densas
Sombras — o vĂ©u sobre a luzente espalda…

Inda nĂŁo ri esse teu lĂĄbio rubro
Hoje — inda n’alma, nesse azul delubro
Não fulge o brilho que as paixÔes enastra;

Mas, amanhĂŁ, no sorridor noivado,
A vida triste por que tens passado,
De madressilvas e jasmins se alastra.

Anima Mea

Ó minh’alma, Ăł minh’alma, Ăł meu Abrigo,
Meu sol e minha sombra peregrina,
Luz imortal que os mundos ilumina
Do velho Sonho, meu fiel Amigo!

Estrada ideal de SĂŁo Tiago, antigo
Templo da minha fé casta e divina,
De onde Ă© que vem toda esta mĂĄgoa fina
Que Ă©, no entanto, consolo e que eu bendigo?

De onde é que vem tanta esperança vaga,
De onde vem tanto anseio que me alaga,
Tanta diluĂ­da e sempiterna mĂĄgoa?

Ah! de onde vem toda essa estranha essĂȘncia
De tanta misteriosa TranscendĂȘncia
Que estes olhos me dixam rasos de ĂĄgua?!

Voz Fugitiva

Às vezes na tu’alma que adormece
Tanto e tĂŁo fundo, alguma voz escuto
De timbre emocional, claro, impoluto
Que uma voz bem amiga me parece.

E fico mudo a ouvi-la como a prece
De um meigo coração que estå de luto
E livre, jĂĄ, de todo o mal corruto,
Mesmo as afrontas mais cruéis esquece.

Mas outras vezes, sempre em vĂŁo, procuro
Dessa voz singular o timbre puro,
As essĂȘncias do cĂ©u maravilhosas.

Procuro ansioso, inquieto, alvoroçado,
Mas tudo na tu’alma estĂĄ calado,
No silĂȘncio fatal das nebulosas.