Soneto Sonhado
Meu tudo, minha amada e minha amiga,
Eis, compendiada toda num soneto,
A minha profissão de fé e afeto,
Que à confissão, posto aos teus pés, me obriga.O que n’alma guardei de muito antiga
Experiência foi pena e ansiar inquieto.
Gosto pouco do amor ideal objeto
Só, e do amor só carnal não gosto miga.O que há melhor no amor é a iluminância.
Mas, ai de nós! não vem de nós. Viria
De onde? Dos céus?… Dos longes da distância?…Não te prometo os estos, a alegria,
A assunção… Mas em toda circunstância
Ser-te-ei sincero como a luz do dia.
Sonetos sobre Alma de Manuel Bandeira
5 resultadosUm Sorriso
Vinha caindo a tarde. Era um poente de agosto.
A sombra já enoitava as moutas. A umidade
Aveludava o musgo. E tanta suavidade
Havia, de fazer chorar nesse sol-posto.A viração do oceano acariciava o rosto
Como incorpóreas mãos. Fosse ágoa ou saudade,
Tu olhavas, sem ver, os vales e a cidade.
– Foi então que senti sorrir o meu desgosto…Ao fundo o mar batia a crista dos escolhos…
Depois o céu… e mar e céus azuis: dir-se-ia
Prolongarem a cor ingênua de teus olhos…A paisagem ficou espiritualizada.
Tinha adquirido uma alma. E uma nova poesia
Desceu do céu, subiu do mar, cantou na estrada…
A Camões
Quando n’alma pesar de tua raça
A névoa da apagada e vil tristeza,
Busque ela sempre a glória que não passa,
Em teu poema de heroísmo e de beleza.Gênio purificado na desgraça,
Tu resumiste em ti toda a grandeza:
Poeta e soldado… Em ti brilhou sem jaça
O amor da grande pátria portuguesa.E enquanto o fero canto ecoar na mente
Da estirpe que em perigos sublimados
Plantou a cruz em cada continente,Não morrerá, sem poetas nem soldados,
A língua em que cantaste rudemente
As armas e os barões assinalados.
Sonho Branco
Não pairas mais aqui. Sei que distante
Estás de mim, no grêmio de Maria
Desfrutando a inefável alegria
Da alta contemplação edificante.Mas foi aqui que ao sol do eterno dia
Tua alma, entre assustada e confiante,
Viu descender à paz purificante
Teu corpo, ainda cansado da agonia.Senti-te as asas de anjo em mesto arranco
Voejar aqui, retidas pelo aceno
Do irmão, saudoso de teu riso franco.Quarenta anos lá vão. De teu moreno
Encanto hoje resta? O eco pequeno,
Pequeno de teu sonho – um sonho branco!
Renúncia
Chora de manso e no íntimo… Procura
Curtir sem queixa o mal que te crucia:
O mundo é sem piedade e até riria
Da tua inconsolável amargura.Só a dor enobrece e é grande e é pura.
Aprende a amá-la que a amarás um dia.
Então ela será tua alegria,
E será, ela só, tua ventura…A vida é vã como a sombra que passa…
Sofre sereno e de alma sobranceira,
Sem um grito sequer, tua desgraça.Encerra em ti tua tristeza inteira.
E pede humildemente a Deus que a faça
Tua doce e constante companheira…