Sonetos sobre Alma de Manuel Maria Barbosa du Bocage

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Sonetos de alma de Manuel Maria Barbosa du Bocage. Leia este e outros sonetos de Manuel Maria Barbosa du Bocage em Poetris.

Importuna RazĂŁo, NĂŁo Me Persigas;

Importuna RazĂŁo, nĂŁo me persigas;
Cesse a rĂ­spida voz que em vĂŁo murmura;
Se a lei de Amor, se a força da ternura
Nem domas, nem contrastas, nem mitigas:

Se acusas os mortais, e os nĂŁo abrigas,
Se ( conhecendo o mal ) não dás a cura,
Deixa-me apreciar minha loucura,
Importuna RazĂŁo, nĂŁo me persigas.

É teu fim, teu projecto encher de pejo
Esta alma, frágil vítima daquela
Que, injusta e vária, noutros laços vejo:

Queres que fuja de MarĂ­lia bela,
Que a maldiga, a desdenhe; e o meu desejo
É carpir, delirar, morrer por ela.

Nada se Pode Comparar Contigo

O ledo passarinho, que gorjeia
D’alma exprimindo a cândida ternura;
O rio transparente, que murmura,
E por entre pedrinhas serpenteia;

O Sol, que o céu diáfano passeia,
A Lua, que lhe deve a formosura,
O sorriso da Aurora, alegre e pura,
A rosa, que entre os Zéfiros ondeia;

A serena, amorosa Primavera,
O doce autor das glĂłrias que consigo,
A Deusa das paixões e de Citera;

Quanto digo, meu bem, quanto nĂŁo digo,
Tudo em tua presença degenera.
Nada se pode comparar contigo.

Eu Deliro, GertrĂşria, eu Desespero

Eu deliro, GertrĂşria, eu desespero
No inferno de suspeitas e temores.
Eu da morte as angĂşstias e os horrores
Por mil vezes sem morrer tolero.

Pelo Céu, por teus olhos te assevero
Que ferve esta alma em cândidos amores;
Longe o prazer de ilĂ­citos favores!
Quero o teu coração, mais nada quero.

Ah! não sejas também qual é comigo
A cega divindade, a Sorte dura.
A vária Deusa, que me nega abrigo!

Tudo perdi: mas valha-me a ternura
Amor me valha, e pague-me contigo
Os roubos que me faz a má ventura.

Já Sobre o Coche de Ébano Estrelado

Já sobre o coche de ébano estrelado,
Deu meio giro a Noite escura e feia,
Que profundo silĂŞncio me rodeia
Neste deserto bosque, Ă  luz vedado!

Jaz entre as folhas Zéfiro abafado,
O Tejo adormeceu na lisa areia;
Nem o mavioso rouxinol gorjeia,
Nem pia o mocho, Ă s trevas acostumado.

SĂł eu velo, sĂł eu, pedindo Ă  Sorte
Que o fio com que está mih’alma presa
À vil matéria lânguida, me corte.

Consola-me este horror, esta tristeza,
Porque a meus olhos se afigura a Morte
No silĂŞncio total da Natureza.

Aquele, a Quem Mil Bens Outorga o Fado

Aquele, a quem mil bens outorga o Fado,
Desejo com razĂŁo da vida amigo
Nos anos igualar Nestor, o antigo,
De trezentos invernos carregado:

Porém eu sempre triste, eu desgraçado,
Que sĂł nesta caverna encontro abrigo,
Porque nĂŁo busco as sombras do jazigo,
Refúgio perdurável, e sagrado?

Ah! bebe o sangue meu, tosca morada;
Alma, quebra as prisões da humanidade,
Despe o vil manto, que pertence ao nada!

Mas eu tremo!…Que escuto?…É a Verdade,
É ela, é ela que do céu me brada:
Oh terrĂ­vel pregĂŁo da eternidade!

Já o Inverno, expremendo as cãs nevosas

Já o Inverno, expremendo as cãs nevosas,
Geme, de horrendas nuvens carregado;
Luz o aéreo fuzil, e o mar inchado
Investe ao pĂłlo em serras escumosas;

Ă“ benignas manhĂŁs!, tardes saudosas,
Em que folga o pastor, medrando o gado,
Em que brincam no ervoso e fértil prado
Ninfas e Amores, Zéfiros e Rosas!

Voltai, retrocedei, formosos dias:
Ou antes vem, vem tu, doce beleza
Que noutros campos mil prazeres crias;

E ao ver-te sentirá minha alma acesa
Os perfumes, o encanto, as alegrias,
Da estação que remoça a natureza.

Ă“ Trevas, que Enlutais a Natureza

Ă“ trevas, que enlutais a Natureza,
Longos ciprestes desta selva anosa,
Mochos de voz sinistra e lamentosa,
Que dissolveis dos fados a incerteza;

Manes, surgidos da morada acesa
Onde de horror sem fim PlutĂŁo se goza,
NĂŁo aterreis esta alma dolorosa,
Que Ă© mais triste que voz minha tristeza.

Perdi o galardão da fé mais pura,
Esperanças frustrei do amor mais terno,
A posse de celeste formosura.

Volvei, pois, sombras vĂŁs, ao fogo eterno;
E, lamentando a minha desventura,
Movereis Ă  piedade o mesmo Inferno.

Morte, JuĂ­zo, Inferno e ParaĂ­so

Em que estado, meu bem, por ti me vejo,
Em que estado infeliz, penoso e duro!
Delido o coração de um fogo impuro,
Meus pesados grilhões adoro e beijo.

Quando te logro mais, mais te desejo;
Quando te encontro mais, mais te procuro;
Quando mo juras mais, menos seguro
Julgo esse doce amor, que adorna o pejo.

Assim passo, assim vivo, assim meus fados
Me desarreigam d’alma a paz e o riso,
Sendo sĂł meu sustento os meus cuidados;

E, de todo apagada a luz do siso,
Esquecem-me (ai de mim!) por teus agrados
Morte, JuĂ­zo, Inferno e ParaĂ­so.

Desejo Amante

Elmano, de teus mimos anelante,
Elmano em te admirar, meu bem, nĂŁo erra;
Incomparáveis dons tua alma encerra,
Ornam mil perfeições o teu semblante:

Granjeias sem vontade a cada instante
Claros triunfos na amorosa guerra:
Tesouro que do Céu vieste à Terra,
NĂŁo precisas dos olhos de um amante.

Oh!, se eu pudesse, Amor, oh!, se eu pudesse
Cumprir meu gosto! Se em altar sublime
Os incensos de Jove a LĂ­lia desse!

Folgara o coração quanto se oprime;
E a RazĂŁo, que os excessos aborrece,
Notando a causa, revelara o crime.

O poeta asseteado por amor

Ă“ CĂ©us! Que sinto n’alma! Que tormento!
Que repentino frenesi me anseia!
Que veneno a ferver de veia em veia
Me gasta a vida, me desfaz o alento!

Tal era, doce amada, o meu lamento;
Eis que esse deus, que em prantos se recreia,
Me diz: “A que se expõe quem nĂŁo receia
Contemplar Ursulina um sĂł momento!

“Insano! Eu bem te vi dentre a luz pura
De seus olhos travessos, e cum tiro
Puni tua sacrĂ­lega loucura:

“De morte, por piedade hoje te firo;
Vai pois, vai merecer na sepultura
Ă€ tua linda ingrata algum suspiro.”

Olhos Suaves, que em Suaves Dias

Olhos suaves, que em suaves dias
Vi nos meus tantas vezes empregados;
Vista, que sobra esta alma despedias
Deleitosos farpões, no céu forjados:

Santuários de amor, luzes sombrias,
Olhos, olhos da cor de meus cuidados,
Que podeis inflamar as pedras frias,
Animar cadáveres mirrados:

Troquei-vos pelos ventos, pelos mares,
Cuja verde arrogância as nuvens toca,
Cuja hrrĂ­sona voz perturba os ares:

Troquei-vos pelo mal, que me sufoca;
Troquei-vos pelos ais, pelos pesares:
Oh câmbio triste! oh deplorável troca!

És dos Céus o Composto Mais Brilhante

Marília, nos teus olhos buliçosos
Os Amores gentis seu facho acendem;
A teus lábios, voando, os ares fendem
TernĂ­ssimos desejos sequiosos.

Teus cabelos subtis e luminosos
Mil vistas cegam, mil vontades prendem;
E em arte aos de Minerva se nĂŁo rendem
Teus alvos, curtos dedos melindrosos.

Reside em teus costumes a candura,
Mora a firmeza no teu peito amante,
A razĂŁo com teus risos se mistura.

És dos Céus o composto mais brilhante;
Deram-se as mĂŁos Virtude e Formosura,
Para criar tua alma e teu semblante.

Cede a Filosofia Ă  Natureza

Tenho assaz conservado o rosto enxuto
Contra as iras do Fado omnipotente;
Assaz contigo, Ăł SĂłcrates, na mente,
Ă€ dor neguei das queixas o tributo.

Sinto engelhar-se da constância o fruto,
Cai no meu coração nova semente;
Já me não vale um ânimo inocente;
Gritos da Natureza, eu vos escuto!

Jazer mudo entre as garras da Amargura,
D’alma estĂłica aspirar Ă  vĂŁ grandeza,
Quando orgulho não for, será loucura.

No espírito maior sempre há fraqueza,
E, abafada no horror da desventura,
Cede a Filosofia Ă  Natureza.

Nascemos para Amar

Nascemos para amar; a Humanidade
Vai, tarde ou cedo, aos laços da ternura.
Tu és doce atractivo, ó Formosura,
Que encanta, que seduz, que persuade.

Enleia-se por gosto a liberdade;
E depois que a paixĂŁo na alma se apura,
Alguns entĂŁo lhe chamam desventura,
Chamam-lhe alguns entĂŁo felicidade.

Qual se abisma nas lĂ´bregas tristezas,
Qual em suaves jĂşbilos discorre,
Com esperanças mil na ideia acesas.

Amor ou desfalece, ou pára, ou corre:
E, segundo as diversas naturezas,
Um porfia, este esquece, aquele morre.

Ó Tranças De Que Amor Prisões Me Tece

Ó tranças de que Amor prisões me tece,
Ă“ mĂŁos de neve, que regeis meu fado!
Ó tesouro! Ó mistério! Ó par sagrado,
Onde o menino alĂ­gero adormece!

Ă“ ledos olhos, cuja luz parece
TĂŞnue raio de sol! Ă“ gesto amado,
De rosas e açucenas semeado,
Por quem morrera esta alma, se pudesse!

Ó lábios, cujo riso a paz me tira,
E por cujos dulcĂ­ssimos favores
Talvez o prĂłprio JĂşpiter suspira!

Ó perfeições! Ó dons encantadores!
De quem sois? Sois de VĂŞnus? – É mentira;
Sois de MarĂ­lia, sois dos meus amores.

Meu Ser Evaporei na Luta Insana

Meu ser evaporei na luta insana
Do tropel de paixões que me arrastava:
Ah! cego eu cria, ah! mĂ­sero eu sonhava
Em mim quasi imortal a essĂŞncia humana!

De que inĂşmeros sĂłis a mente ufana
ExistĂŞncia falaz me nĂŁo dourava!
Mas eis sucumbe Natureza escrava
Ao mal, que a vida em sua origem dana.

Prazeres, sĂłcios meus, e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta em si nĂŁo coube,
No abismo vos sumiu dos desenganos

Deus, Ăł Deus!… quando a morte a luz me roube,
Ganhe um momento o que perderam anos,
Saiba morrer o que viver nĂŁo soube.

Sobre Estas Duras, Cavernosas Fragas

Sobre estas duras, cavernosas fragas,
Que o marinho furor vai carcomendo,
Me estĂŁo negras paixões n’alma fervendo
Como fervem no pego as crespas vagas.

Razão feroz, o coração me indagas,
De meus erros e sombra esclarecendo,
E vás nele (ai de mim!) palpando, e vendo
De agudas ânsias venenosas chagas.

Cego a meus males, surdo a teu reclamo,
Mil objectos de horror co’a ideia eu corro,
Solto gemidos, lágrimas derramo.

RazĂŁo, de que me serve o teu socorro?
Mandas-me nĂŁo amar, eu ardo, eu amo;
Dizes-me que sossegue: eu peno, eu morro.