Quando Me Ergui Ela Dormia, Nua
Quando me ergui ela dormia, nua
E sorria, em seu sono desmaiada
Tinha a face longĂnqua e iluminada
E alto, sseu sexo sugava a Lua.Toquei-a, ela fremiu, gemeu, na sua
Doce fala, e bateu a mão alçada
No ar, e foi deixá-la de guardada
Sob a nádega fria, forte e cruaTão louca a minha amiga, linda e louca
Minha amiga, em seu branco devaneio
De mim, eu de amor pouco e vida poucaMas que tinha deixado sem receio
Um segredo de carne em sua boca
E uma gota de leite no seu seio
Sonetos sobre Altos
114 resultadosO Maior Bem
Este querer-te bem sem me quereres,
Este sofrer por ti constantemente,
Andar atrás de ti sem tu me veres
Faria piedade a toda a gente.Mesmo a beijar-me a tua boca mente…
Quantos sangrentos beijos de mulheres
Pousa na minha a tua boca ardente,
E quanto engano nos seus vĂŁos dizeres!…Mas que me importa a mim que me nĂŁo queiras,
Se esta pena, esta dor, estas canseiras,
Este mĂsero pungir, árduo e profundo,Do teu frio desamor, dos teus desdĂ©ns,
É, na vida, o mais alto dos meus bens?
É tudo quanto eu tenho neste mundo?
Ă€ Revolta
A Cassiano CĂ©sar
O sĂ©culo Ă© de revolta — do alto transformismo,
De Darwin, de LittrĂ©, de Spencer, de Laffite —
Quem fala, quem dá leis é o rubro niilismo
Que traz como divisa a bala-dinamite!…Se Ă© força, se Ă© preciso erguer-se um evangelho,
Mais reto, que instrua — estĂ©tico — mais novo
Esmaguem-se do trono os dogmas de um Velho
E lance-se outro sangue aos mĂşsculos do povo!…O vĂcio azinhavrado e os cĂ©rebros raquĂticos,
É pĂ´-los ao olhar dos sĂ©rios analĂticos,
Na ampla, social e esplĂŞndida vitrine!…Ă€ frente!… — Trabalhar a luz da idĂ©ia nova!…
— Pois bem! Seja a idĂ©ia, quem lance o vĂcio Ă cova,
— Pois bem! — Seja a idĂ©ia, quem gere e quem fulmine!…
LXXXIII
Polir na guerra o bárbaro gentio,
Que as leis quase ignorou da natureza,
Romper de altos penhascos a rudeza,
Desentranhar o monte, abrir o rio;Esta a virtude, a glória, o esforço, o brio
Do Russiano HerĂłi, esta a grandeza,
Que igualou de Alexandre a fortaleza,
Que venceu as desgraças de Dario:Mas se a lei do heroĂsmo se procura,
Se da virtude o espĂrito se atende,
Outra idéia, outra máxima o segura:Lá vive, onde no ferro não se acende;
Vive na paz dos povos, na brandura:
VĂłs a ensinais, Ăł Rei; em vĂłs se aprende.
Sonho Vago
Um sonho alado que nasceu um instante,
Erguido ao alto em horas de demĂŞncia…
Gotas de água que tombam em cadência
Na minh’alma tristĂssima, distante…Onde está ele, o Desejado? O Infante?
O que há-de vir e amar-me em doida ardência?
O das horas de mágoa e penitência?
O PrĂncipe Encantado? O Eleito? O Amante?E neste sonho eu já nem sei quem sou…
O brando marulhar dum longo beijo
Que nĂŁo chegou a dar-se e que passou…Um fogo-fátuo rĂştilo, talvez…
E eu ando a procurar-te e já te vejo!
E tu já me encontraste e nĂŁo me vĂŞs!…
Menino e Moço
Tombou da haste a flor da minha infancia alada,
Murchou na jarra de oiro o pudico jasmim:
Voou aos altos céus Sta Aguia, linda fada,
Que d’antes estendia as azas sobre mim.Julguei que fosse eterna a luz d’essa alvorada,
E que era sempre dia, e nunca tinha fim
Essa vizĂŁo de luar que vivia encantada,
N’um castello de prata embutido a marfim!Mas, hoje, as aguias de oiro, aguias da minha infancia,
Que me enchiam de lua o coração, outrora,
Partiram e no céu evolam-se, a distancia!Debalde clamo e choro, erguendo aos céus meus ais:
Voltam na aza do vento os ais que a alma chora;
Ellas, porĂ©m, Senhor! ellas nĂŁo voltam mais…
Na ConfusĂŁo Do Mais Horrendo Dia
Na confusĂŁo do mais horrendo dia,
Painel da noite em tempestade brava,
O fogo com o ar se embaraçava
Da terra e água o ser se confundia.Bramava o mar, o vento embravecia
Em noite o dia enfim se equivocava,
E com estrondo horrĂvel, que assombrava,
A terra se abalava e estremecia.Lá desde o alto aos côncavos rochedos,
Cá desde o centro aos altos obeliscos
Houve temor nas nuvens, e penedos.Pois dava o Céu ameaçando riscos
Com assombros, com pasmos, e com medos
Relâmpagos, trovões, raios, coriscos
Fatalismo
Se eu for contar, hĂŁo de sorrir talvez…
– Ă© o fim de um grande amor sereno e nobre
que um fatalismo estranho já desfez
com razões torpes que este mundo encobre…Morreu… e que se apague de uma vez,
– que dele nada subsista ou sobre…
– onde a pureza e o amor?… se a vida fez
um nascer rico e o outro nascer pobre.Que guardem esse amor. Eu o desconheço!
Não tenho em moedas o seu alto preço
e sou feliz por ser tão desgraçado!Que o guardem!.. . Para os ricos! Para os reis!
– o amor que eu quero nĂŁo tem preço ao lado,
nĂŁo tem correntes, nem conhece leis!
XVIII
Dormes… Mas que sussurro a umedecida
Terra desperta? Que rumor enleva
As estrelas, que no alto a Noite leva
Presas, luzindo, Ă tĂşnica estendida?SĂŁo meus versos! Palpita a minha vida
Neles, falenas que a saudade eleva
De meu seio, e que vĂŁo, rompendo a treva,
Encher teus sonhos, pomba adormecida!Dormes, com os seios nus, no travesseiro
Solto o cabelo negro… e ei-los, correndo,
Doudejantes, sutis, teu corpo inteiroBeijam-te a boca tépida e macia,
Sobem, descem, teu hálito sorvendo
Por que surge tĂŁo cedo a luz do dia?!
ProdĂgio!
Como o Rei Lear nĂŁo sentes a tormenta
Que te desaba na fatal cabeça!
(Que o cĂ©u d’estrelas todo resplandeça.)
A tua alma, na Dor, mais nobre aumenta.A Desventura mais sanguinolenta
Sobre os teus ombros impiedosa desça,
Seja a treva mais funda e mais espessa,
Todo o teu ser em mĂşsicas rebenta.Em mĂşsicas e em flores infinitas
De aromas e de formas esquisitas
E de um mistĂ©rio singular, nevoento…Ah! sĂł da Dor o alto farol supremo
Consegue iluminar, de extremo a extremo,
o estranho mar genial do Sentimento!
Da Vossa Vista a Minha Vida Pende
Da vossa vista a minha vida pende,
Maior bem para mim nĂŁo pode ser
Que ver-vos, mas nĂŁo ouso de vos ver;
Que vosso alto respeito mo defende.O meu amor, que o vosso sĂł pretende,
Receio que se venha a conhecer,
Nos olhos, que mal podem esconder
O desejo, dum peito que se rende.Por vós a tal estremo d’Amor venho,
Que com força resisto a meu desejo,
Porque nada de mim vos descontente.Mas neste mal, senhora, este bem tenho,
Que sempre tal, qual sois, n’alma vos pinto
Sem dar que ver, nem que falar Ă gente.
Cavador Do Infinito
Com a lâmpada do Sonho desce aflito
E sobe aos mundos mais imponderáveis,
Vai abafando as queixas implacáveis,
Da alma o profundo e soluçado grito.Ânsias, Desejos, tudo a fogo, escrito
Sente, em redor, nos astros inefáveis.
Cava nas fundas eras insondáveis
O cavador do trágico Infinito.E quanto mais pelo Infinito cava
mais o Infinito se transforma em lava
E o cavador se perde nas distâncias…Alto levanta a lâmpada do Sonho.
E como seu vulto pálido e tristonho
Cava os abismos das eternas ânsias!
Soneto De Vinicius Dedicado A Neruda
Quantos caminhos nĂŁo fizemos juntos
Neruda, meu irmĂŁo, meu companheiro…
Mas este encontro sĂşbito, entre muitos
NĂŁo foi ele o mais belo e verdadeiro?Canto maior, canto menor – dois cantos
Fazem-se agora ouvir sob o cruzeiro
E em seu recesso as cĂłleras e os prantos
Do homem chileno e do homem brasileiroE o seu amor – o amor que hoje encontramos…
Por isso, ao se tocarem nossos ramos
Celebro-te ainda além, cantor geralPorque como eu, bicho pesado, voas
Mas mais alto e melhor do céu entoas
Teu furioso canto material!
Soneto I
Ao Duque
A glĂłria do edifĂcio, o louvor alto
Do que a última mão lhe põe, se dobra
Em desgraça daquele, e mágoa da obra,
Que no melhor lhe foi escasso e falto.Este de letras, com que ao CĂ©u me exalto
E que em mim vossa mĂŁo levanta e obra,
Se sua perfeição por vós não cobra,
A todos causa mágoa e sobressalto.Já que os andames da esperança minha
Não há quem desarmá-los hoje possa,
Fazei com que este meu trabalho monte.VĂłs sereis minha glĂłria, eu glĂłria vossa,
Ficando Ă vista as que eu já n’alma tinha,
Vossas armas reais em minha fronte.
No Alto
O poeta chegara ao alto da montanha,
E quando ia descer a vertente do oeste,
Viu uma cousa estranha,
Uma figura má.Então, volvendo o olhar ao sutil, ao celeste,
Ao gracioso Ariel, que de baixo o acompanha,
Num tom medroso e agreste
Pergunta o que será.Como se perde no ar um som festivo e doce,
Ou bem como se fosse
Um pensamento vĂŁo,Ariel se desfaz sem lhe dar mais resposta.
Para descer a encosta
O outro estendeu-lhe a mĂŁo.
Nervos D’Oiro
Meus nervos, guizos de oiro a tilintar
Cantam-me n’alma a estranha sinfonia
Da volúpia, da mágoa e da alegria,
Que me faz rir e que me faz chorar!Em meu corpo fremente, sem cessar,
Agito os guizos de oiro da folia!
A Quimera, a Loucura, a Fantasia,
Num rubro turbilhão sinto-As passar!O coração, numa imperial oferta.
Ergo-o ao alto! E, sobre a minha mĂŁo,
É uma rosa de púrpura, entreaberta!E em mim, dentro de mim, vibram dispersos,
Meus nervos de oiro, esplĂŞndidos, que sĂŁo
Toda a Arte suprema dos meus versos!
Vita Nuova
De onde e veio esse tremor de ninho
A alvorecer na morta madrugada?
Era todo o meu ser… NĂŁo era nada,
SenĂŁo na pele a sombra de um carinho.Ah, bem velho carinho! Um desalinho
De dedos tontos no painel da escada…
Batia a minha cor multiplicada,
– Era o sangue de Deus mudado em vinho!Bandeiras tatalavam no alto mastro
Do meu desejo. No fervor da espera
Clareou à distância o súbito alabastro.E na memória, em nova primavera,
Revivesceu, candente como um astro,
A flor do sonho, o sonho da quimera.
RuĂnas
Se Ă© sempre Outono o rir das Primaveras,
Castelos, um a um, deixa-os cair…
Que a vida Ă© um constante derruir
De palácios do Reino das Quimeras!E deixa sobre as ruĂnas crescer heras,
Deixa-as beijar as pedras e florir!
Que a vida Ă© um contĂnuo destruir
De palácios do Reino das Quimeras!Deixa tombar meus rútilos castelos!
Tenho ainda mais sonhos para erguĂŞ-los
Mais alto do que as águias pelo ar!Sonhos que tombam! Derrocada louca!
SĂŁo como os beijos duma linda boca!
Sonhos!… Deixa-os tombar… Deixa-os tombar.
Vaidade
Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reĂşne num verso a imensidade!Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!Sonho que sou AlguĂ©m cá neste mundo …
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho … E nĂŁo sou nada! …
ĂŤcaro
A minha Dor, vesti-a de brocado,
Fi-la cantar um choro em melopeia,
Ergui-lhe um trono de oiro imaculado,
Ajoelhei de mĂŁos postas e adorei-a.Por longo tempo, assim fiquei prostrado,
Moendo os joelhos sobre lodo e areia.
E as multidões desceram do povoado,
Que a minha dor cantava de sereia…Depois, ruflaram alto asas de agoiro!
Um silĂŞncio gelou em derredor…
E eu levantei a face, a tremer todo:Jesus! ruĂra em cinza o trono de oiro!
E, misérrima e nua, a minha Dor
Ajoelhara a meu lado sobre o lodo.