Adeus, Adeus, Adeus!
Pareceu-me inda ouvir o nome dela
No badalar monótono dos sinos.
Hermeto LimaAdeus, adeus, adeus! E, suspirando,
Saí deixando morta a minha amada,
Vinha o luar iluminando a estrada
E eu vinha pela estrada soluçando.Perto, um ribeiro claro murmurando
Muito baixinho como quem chorava,
Parecia o ribeiro estar chorando
As lágrimas que eu triste gotejava.Súbito ecoou do sino o som profundo!
Adeus! – eu disse. Para mim no mundo
Tudo acabou-se, apenas restam mágoas.Mas no mistério astral da noute bela
Pareceu-me inda ouvir o nome dela
No marulhar monótono das águas!
Sonetos sobre Amados
88 resultadosA Maria Ifigênia
Em 1786, quando completava sete anos.
Amada filha, é já chegado o dia,
em que a luz da razão, qual tocha acesa
vem conduzir a simples natureza,
é hoje que o teu mundo principia.A mão que te gerou teus passos guia,
despreza ofertas de uma vã beleza,
e sacrifica as honras e a riqueza
às santas leis do filho de Maria.Estampa na tua alma a caridade,
que amar a Deus, amar aos semelhantes,
são eternos preceitos da verdade.Tudo o mais são idéias delirantes;
procura ser feliz na eternidade,
que o mundo são brevíssimos instantes.
Insatisfeito
Quem ler os versos meus onde há certa tristeza
e certo desencanto suave e contrafeito,
poderá num momento pensar, com certeza,
que trago inutilmente um coração no peito!…E que vivo afinal inquieto e insatisfeito
de paixão em paixão… de surpresa em surpresa,
– como um rio a mudar o curso do seu leito
sem saber aonde o arrasta a própria correnteza!E acertará talvez, – pois falta essa mulher
que consiga escrever seu nome em minha vida
sem deixar no passado outro nome qualquer…Falta-me um grande amor… Falta-me tudo em suma!
E sinto a alma vazia, estranha e incompreendida
por ter amado tantas sem amar nenhuma!
À Sua Velhice
Meu corpo assaz tem sido espicaçado
Com buídos punhais, por mão da Morte,
Que arrebatado tem, da minha corte,
Grande rancho de quanto tenho amado.Não me poupa a cruel no triste estado
Do caduco viver da minha Sorte:
Quando era vigoroso, moço forte,
Suportava com mais valor meu Fado.Então as minhas ásperas feridas
Não tinham para mim tardias curas,
Porque o Tempo receitas tem, sabidas.Mas velho e c’o vapor das sepulturas,
Como posso curar as desabridas
Chagas, das minhas novas amarguras?
Soneto de Mal Amar
Invento-te recordo-te distorço
a tua imagem mal e bem amada
sou apenas a forja em que me forço
a fazer das palavras tudo ou nada.A palavra desejo incendiada
lambendo a trave mestra do teu corpo
a palavra ciúme atormentada
a provar-me que ainda não estou morto.E as coisas que eu não disse? Que não digo:
Meu terraço de ausência meu castigo
meu pântano de rosas afogadas.Por ti me reconheço e contradigo
chão das palavras mágoa joio e trigo
apenas por ternura levedadas.
Hoje
Fiz anos hoje… Quero ver agora
Se este sofrer que me atormenta tanto
Me não deixa lembrar a paz, o encanto,
A doce luz de meu viver de outr’ora.Tão moça e mártir! Não conheço aurora,
Foge-me a vida no correr do pranto,
Bem como a nota de choroso canto
Que a noite leva pelo espaço em fora.Minh’alma voa aos sonhos do passado,
Em busca sempre d’esse ninho amado
Onde pousava cheia de alegria.Mas, de repente, num pavor de morte,
Sente cortar-lhe o vôo a mão da sorte…
Minha ventura só durou um dia.
A Esmola De Dulce
Ao Alfredo A.
E todo o dia eu vou como um perdido
De dor, por entre a dolorosa estrada,
Pedir a Dulce, a minha bem amada,
A esmola dum carinho apetecido.E ela fita-me, o olhar enlanguescido,
E eu balbucio trêmula balada:
– Senhora, dai-me u’a esmola – e estertorada
A minha voz soluça num gemido.Morre-me a voz, e eu gemo o último harpejo,
Estendo à Dulce a mão, a fé perdida,
E dos lábios de Dulce cai um beijo.Depois, como este beijo me consola!
Bendita seja a Dulce! A minha vida
Estava unicamente nessa esmola.
Ao Pé Do Túmulo
Aos meus
Eis o descanso eterno, o doce abrigo
Das almas tristes e despedaçadas;
Eis o repouso, enfim; e o sono amigo
Já vem cerrar-me as pálpebras cansadas.Amarguras da terra! eu me desligo
Para sempre de vós… Almas amadas
Que soluças por mim, eu vos bendigo,
Ó almas de minh’alma abençoadas.Quando eu d’aqui me for, anjos da guarda,
Quando vier a morte que não tarda
Roubar-me a vida para nunca mais…Em pranto escrevam sobre a minha lousa:
“Longe da mágoa, enfim, no céu repousa
Quem sofreu muito e quem amou demais”.
O Céu, A Terra, O Vento Sossegado
O céu, a terra, o vento sossegado…
As ondas, que se estendem pela areia…
Os peixes, que no mar o sono enfreia…
O nocturno silêncio repousado…O pescador Aónio, que, deitado
onde co vento a água se meneia,
chorando, o nome amado em vão nomeia,
que não pode ser mais que nomeado:Ondas (dezia), antes que Amor me mate,
torna-me a minha Ninfa, que tão cedo
me fizestes à morte estar sujeita.Ninguém lhe fala; o mar de longe bate;
move-se brandamente o arvoredo;
leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita.
Amargura
Só podes me ofertar o silêncio e a amargura,
– meu pobre amor de ti só espera a indiferença…
Perdoa o meu amor… perdoa-me a loucura
que quem tem, como eu tenho, um coração, não pensa…Há muito pela vida eu seguia à procura
de alguém que viesse encher de luz minha descrença…
Foi então que te vi… e julguei que a ventura
pudesse ainda encontrar nesta jornada imensa…E foi assim que um dia eu fui sentimental…
Acreditei no amor… E, talvez por castigo
fizeste-me sofrer – mas não te quero mal…Quem amou, fui eu só… Eu nunca fui amado!…
Mereço a minha dor, e este sofrer bendigo
na amargura cruel de me julgar culpado!
A Dor Maior
Não quis julgar-te fútil nem banal
e chamei-te de criança tão-somente,
– reconheço, no entanto, infelizmente,
que, porque te quis bem, julguei-te mal.Pensei até, ( e o fiz ingenuamente…)
ter encontrado a companheira ideal…
Quis julgar-te das outras diferente,
e és como as outras todas afinal…Hoje, uma dor estranha me consome
e um sentimento a que não sei dar nome
faz-me sofrer, se lembro o amor perdido…A dor maior… A maior dor, no entanto,
vem de pensar de Ter-te amado tanto
sem que ao menos tivesses merecido!…
Soneto VII – À Mesma Senhora
Alcíone, perdido o esposo amado,
Ao céu o esposo sem cessar pedia;
Porém as ternas preces surdo ouvia
O céu, de seus amores descuidado.Em vão o pranto seu d’alma arrancado
Tenta a pedra minar da campa fria;
A morte de seu pranto escarnecia,
De seu cruel penar se ria o fado.Mas ah! — não fora assim, se a voz tivera
Tão bela, tão gentil, tão doce e clara,
Daquela que hoje neste palco impera.Se assim cantasse, o túmulo abalara
Do bem querido; e, branda a morte fera,
Vivo o extinto esposo lhe entregara.
Benoit
Acende no meu peito o sério lume
Aceso no teu peito porco e bento,
E sê no medo meu, no meu tormento,
O mestre predileto, o amado numeCapaz de iluminar, sob o cardume
De estrelas, uma estrada que, por dentro,
Percorre o meu país de amor, detento
De tudo que te fez, no mundo, estrume.Vem dar-me o braço e me levar até
Por onde andaste, noivo e peregrino,
Da Pátria que se esconde atrás da Fé.Ensina-me a viver o Amor Divino,
E quando o meu cajado florescer,
Dá-me o teu santo modo de morrer.
Fiou Se O Coração, De Muito Isento
Fiou se o coração, de muito isento,
de si cuidando mal, que tomaria
tão ilícito amor tal ousadia,
tal modo nunca visto de tormento.Mas os olhos pintaram tão a tento
outros que visto tem na fantasia,
que a razão, temerosa do que via,
fugiu, deixando o campo ao pensamento.Ó Hipólito casto, que, de jeito,
de Fedra, tua madrasta, foste amado,
que não sabia ter nenhum respeito:em mim vingou o amor teu casto peito;
mas está desse agravo tão vingado,
que se arrepende já do que tem feito.
Feliz Habitação da Minha Amada
Feliz habitação da minha Amada,
Ninho de Amor, albergue da Ternura,
Onde, outro tempo, a próspera Ventura
Dormia nos meus braços, descuidada.Então, minha Alma terna, embriagada,
Gostava do prazer toda a doçura:
Hoje, contrária minha, a Sorte dura
Do teu Éden Amor, m’impede a entrada.Com que mágoa, de longe te diviso!…
Com que pena cruel!…
Com que saudade!
Ah! que não sei como não perco o sizo!…Bárbara Sorte! Ao menos por piedade,
Se me privas da entrada do Paraíso,
Deixa ver me, de Armânia, a divindade!
Velhas Tristezas
Diluências de luz, velhas tristezas
Das almas que morreram para a lute!
Sois as sombras amadas de belezas
Hoje mais frias do que a pedra bruta.Murmúrios incógnitos de gruta
Onde o Mar canta os salmos e as rudezas
De obscuras religiões — voz impoluta
De sodas as titânicas grandezas.Passai, lembrando as sensações antigas,
Paixões que foram já dóceis amigas,
Na luz de eternos sóis glorificadas.Alegrias de há tempos! E hoje e agora,
Velhas tristezas que se vão embora
No poente da Saudade amortalhadas!…
Encarnação
Carnais, sejam carnais tantos desejos,
Carnais, sejam carnais tantos anseios,
Palpitações e frêmitos e enleios,
Das harpas da emoção tantos arpejos…Sonhos, que vão, por trêmulos adejos,
A noite, ao luar, intumescer os seios
Lácteos, de finos e azulados veios
De virgindade, de pudor, de pejos…Sejam carnais todos os sonhos brumos
De estranhos, vagos, estrelados rumos
Onde as Visões do amor dormem geladas…Sonhos, palpitações, desejos e ânsias
Formem, com claridades e fragrâncias,
A encarnação das lívidas Amadas!
XXVIII
Faz a imaginação de um bem amado,
Que nele se transforme o peito amante;
Daqui vem, que a minha alma delirante
Se não distingue já do meu cuidado.Nesta doce loucura arrebatado
Anarda cuido ver, bem que distante;
Mas ao passo, que a busco neste instante
Me vejo no meu mal desenganado.Pois se Anarda em mim vive, e eu nela vivo,
E por força da idéia me converto
Na bela causa de meu fogo ativo;Como nas tristes lágrimas, que verto,
Ao querer contrastar seu gênio esquivo,
Tão longe dela estou, e estou tão perto.
Cheguei Tarde
Cheguei tarde, bem sei…E após minha chegada
foi que eu vi, afinal, que tu tinhas partido…
Mas teu vulto, distante, em sombras já perdido,
divisar ainda pude, ao longe, pela estrada…Seguia-te outro vulto, – o alguém desconhecido
que primeiro encontraste em tua caminhada…
Partiste! …E eras feliz, porque partiste amada,
e eu fiquei, entretanto, infeliz e esquecido…Já não te vejo mais… Vai distante talvez…
E ainda hoje tenho o olhar na estrada, sem ninguém,
por onde tu partiste, um dia, certa vez…Fiquei…Curtindo a dor de um destino atrasado…
– Sorrindo, por te ver feliz…Junto de alguém,
– chorando, por não ter mais cedo te encontrado!…
XXIX
Ai Nise amada! se este meu tormento,
Se estes meus sentidíssimos gemidos
Lá no teu peito, lá nos teus ouvidos
Achar pudessem brando acolhimento;Como alegre em servir-te, como atento
Meus votos tributara agradecidos!
Por séculos de males bem sofridos
Trocara todo o meu contentamento.Mas se na incontrastável, pedra dura
De teu rigor não há correspondência,
Para os doces afetos de ternura;Cesse de meus suspiros a veemência;
Que é fazer mais soberba a formosura
Adorar o rigor da resistência.