Beleza Morta
De leve, louro e enlanguescido helianto
Tens a flĂłrea dolĂȘncia contristada…
HĂĄ no teu riso amargo um certo encanto
De antiga formosura destronada.No corpo, de um letĂĄrgico quebranto,
Corpo de essĂȘncia fina, delicada,
Sente-se ainda o harmonioso canto
Da carne virginal, clara e rosada.Sente-se o canto errante, as harmonias
Quase apagadas, vagas, fugidias
E uns restos de clarĂŁo de Estrela acesa…Como que ainda os derradeiros haustos
De opulĂȘncias, de pompas e de faustos,
As relĂquias saudosas da beleza.
Sonetos sobre Amargos de Cruz e Souza
10 resultadosConsolo Amargo
Mortos e mortos, tudo vai passando,
Tudo pelos abismos se sumindo…
Enquanto sobre a Terra ficam rindo
Uns, e jĂĄ outros, pĂĄlidos, chorando…Todos vĂŁo trĂȘmulos finalizando,
Para os gelados tĂșmulos partindo,
Descendo ao tremedal eterno, infindo,
Mortos e mortos, num sinistro bando.Tudo passa espectral e doloroso,
Pulverulentamente nebuloso
Como num sonho, num fatal letargo…Mas, de quem chora os mortos, entretanto,
O Esquecimento vem e enxuga o pranto,
E Ă© esse apenas o consolo amargo!
Exilada
Bela viajante dos paĂses frios
NĂŁo te seduzam nunca estes aspectos
Destas paisagens tropicais — secretos,
— Os teus receios devem ser sombrios.Ăs branca e Ă©s loura e tens os amavios
Os incĂłgnitos filtros prediletos
Que podem produzir ondas de afetos
Nos mais sensĂveis coraçÔes doentios.Loura VisĂŁo, OfĂ©lia desmaiada,
Deixa esta febre de ouro, a febre ansiada
Que nos venenos deste sol consiste.Emigra destes cĂĄlidos paĂses,
Foge de amargas, fundas cicatrizes,
Das alucinaçÔes de um vinho triste…
VisĂŁo
Noiva de SatanĂĄs, Arte maldita,
Mago Fruto letal e proibido,
Sonùmbula do Além, do Indefinido
Das profundas paixÔes, Dor infinita.Astro sombrio, luz amarga e aflita,
Das IlusÔes tantålico gemido,
Virgem da Noite, do luar dorido,
Com toda a tua Dor oh! sĂȘ bendita!Seja bendito esse clarĂŁo eterno
De sol, de sangue, de veneno e inferno,
De guerra e amor e ocasos de saudade…Sejam benditas, imortalizadas
As almas castamente amortalhadas
Na tua estranha e branca Majestade!
Flores Da Lua
Brancuras imortais da Lua Nova
Frios de nostalgia e sonolĂȘncia…
Sonhos brancos da Lua e viva essĂȘncia
Dos fantasmas noctĂvagos da Cova.Da noite a tarda e taciturna trova
Soluça, numa tremula dormĂȘncia…
Na mais branda, mais leve florescĂȘncia
Tudo em VisÔes e Imagens se renova.Mistérios virginais dormem no Espaço,
Dormem o sono das profundas seivas,
MonĂłtono, infinito, estranho e lasso…E das Origens na luxĂșria forte
Abrem nos astros, nas sidéreas leivas
Flores amargas do palor da Morte.
MĂșsica Da Morte
A musica da Morte, a nebulosa,
Estranha, imensa musica sombria,
Passa a tremer pela minh’alma e fria
Gela, fica a tremer, maravilhosa…Onda nervosa e atroz, onda nervosa,
Letes sinistro e torvo da agonia,
Recresce a lancinante sinfonia,
Sobe, numa volĂșpia dolorosa…Sobe, recresce, tumultuando e amarga,
Tremenda, absurda, imponderada e larga,
De pavores e trevas alucina…E alucinando e em trevas delirando,
Como um Ăpio letal, vertiginando,
Os meus nervos, letĂĄrgica, fascina…
O Grande Sonho
Sonho profundo, Ăł Sonho doloroso,
Doloroso e profundo Sentimento!
Vai, vai nas harpas trĂȘmula do vento
Chorar o teu mistério tenebroso.Sobe dos astros ao clarão radioso,
Aos leves fluidos do luar nevoento,
Ăs urnas de cristal do firmamento,
Ă velho Sonho amargo e majestoso!Sobe Ă s estrelas rĂștilas e frias,
Brancas e virginais eucaristias
De onde uma luz de eterna paz escorre.Nessa Amplidão das AmplidÔes austeras
Chora o Sonho profundo das Esferas
Que nas azuis Melancolias morre…
Ocasos
Morrem no Azul saudades infinitas
MistĂ©rios e segredos inefĂĄveis…
Ah! Vagas ilusÔes imponderåveis,
Esperanças acerbas e benditas.Ănsias das horas mĂsticas e aflitas,
De horas amargas das interminĂĄveis
CogitaçÔes e agruras insondåveis
De febres tredas, trågicas, malditas.CogitaçÔes de horas de assombro e espanto
Quando das almas num relevo santo
Fulgem de outrora os sonhos apagados.E os bracos brancos e tentaculosos
Da Morte, frios, ĂĄlgidos, nervosos,
Abrem-se pare mim torporizados.
Piedade
O coração de todo o ser humano
Foi concebido para ter piedade,
Para olhar e sentir com caridade
Ficar mais doce o eterno desengano.Para da vida em cada rude oceano
Arrojar, através da imensidade,
Tåbuas de salvação, de suavidade,
De consolo e de afeto soberano.Sim! Que não ter um coração profundo
Ă os olhos fechar Ă dor do mundo,
ficar inĂștil nos amargos trilhos.Ă como se o meu ser campadecido
Não tivesse um soluço comovido
Para sentir e para amar meus filhos!
LĂ©sbia
CrĂłton selvagem, tinhorĂŁo lascivo,
Planta mortal, carnĂvora, sangrenta,
Da tua carne bĂĄquica rebenta
A vermelha explosĂŁo de um sangue vivo.Nesse lĂĄbio mordente e convulsivo,
Ri, ri risadas de expressĂŁo violenta
O Amor, trĂĄgico e triste, e passe, lenta,
A morte, o espasmo gĂ©lido, aflitivo…LĂ©sbia nervosa, fascinante e doente,
Cruel e demonĂaca serpente
Das flamejantes atracĂ”es do gozo.Dos teus seios acĂdulos, amargos,
Fluem capros aromas e os letargos,
Os Ăłpios de um luar tuberculoso…