Anoitecer
A luz desmaia num fulgor d’aurora,
Diz-nos adeus religiosamente…
E eu, que nĂŁo creio em nada, sou mais crente
Do que em menina, um dia, o fui… outrora…NĂŁo sei o que em mim ri, o que em mim chora
Tenho bĂŞnçãos d’amor pra toda a gente!
Como eu sou pequenina e tĂŁo dolente
No amargo infinito desta hora!Horas tristes que sĂŁo o meu rosário…
Ă“ minha cruz de tĂŁo pesado lenho!
Meu áspero e intérmino Calvário!E a esta hora tudo em mim revive:
Saudades de saudades que nĂŁo tenho…
Sonhos que sĂŁo os sonhos dos que eu tive…
Sonetos sobre Amargos de Florbela Espanca
6 resultadosO Que Tu És…
És Aquela que tudo te entristece
Irrita e amargura, tudo humilha;
Aquela a quem a Mágoa chamou filha;
A que aos homens e a Deus nada merece.Aquela que o sol claro entenebrece
A que nem sabe a estrada que ora trilha,
Que nem um lindo amor de maravilha
Sequer deslumbra, e ilumina e aquece!Mar-Morto sem marés nem ondas largas,
A rastejar no chĂŁo como as mendigas,
Todo feito de lágrimas amargas!És ano que nĂŁo teve Primavera…
Ah! NĂŁo seres como as outras raparigas
Ă“ Princesa Encantada da Quimera!…
Pequenina
Ă€ Maria Helena FalcĂŁo Risques
És pequenina e ris…A boca breve
É um pequeno idĂlio cor-de-rosa…
Haste de lĂrio frágil e mimosa!
Cofre de beijos feito sonho e neve!Doce quimera que a nossa alma deve
Ao CĂ©u que assim te fez tĂŁo graciosa!
Que desta vida amarga e tormentosa
Te fez nascer como um perfume leve!O ver o teu olhar faz bem Ă gente…
E cheira e sabe, a nossa boca, a flores…
Quando o teu nome diz, suavemente…Pequenina que a MĂŁe de Deus sonhou,
Que ela afaste de ti aquelas dores
Que fizeram de mim isto que sou!…
Deixai Entrar A Morte
Deixai entrar a Morte, a Iluminada,
A que vem pra mim, pra me levar.
Abri todas as portas par em par
Como asas a bater em revoada.Quem sou eu neste mundo?A deserdada,
A que prendeu nas mĂŁos todo o luar,
A vida inteira, o sonho, a terra, o mar,
E que, ao abri-las, nĂŁo encontrou nada!Ă“ MĂŁe! Ă“ minha MĂŁe, pra que nasceste?
Entre agonias e em dores tamanhas
Pra que foi, dize lá, que me trouxestePra que eu tivesse sido
Somente o fruto amargo das entranhas
Dum lĂrio que em má hora foi nascido!…
Trazes-me em Tuas MĂŁos de Vitorioso
Trazes-me em tuas mĂŁos de vitorioso
Todos os bens que a vida me negou,
E todo um roseiral, a abrir, glorioso
Que a solitária estrada perfumou.Neste meio-dia lĂmpido, radioso,
Sinto o teu coração que Deus talhou
Num pedaço de bronze luminoso,
Como um berço onde a vida me pousou.O silĂŞncio, ao redor, Ă© uma asa quieta…
E a tua boca que sorri e anseia,
Lembra um cálix de tulipa entreaberta…Cheira a ervas amargas, cheira a sândalo…
E o meu corpo ondulante de sereia
Dorme em teus braços másculos de vândalo…
Eu
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida nĂŁo tem norte,
Sou a irmĂŁ do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada… a dolorida…Sombra de nĂ©voa tĂ©nue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!…Sou aquela que passa e ninguĂ©m vĂŞ…
Sou a que chamam triste sem o ser…
Sou a que chora sem saber porquĂŞ…Sou talvez a visĂŁo que AlguĂ©m sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!