Sonetos sobre Amor de Cruz e Souza

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Sonetos de amor de Cruz e Souza. Leia este e outros sonetos de Cruz e Souza em Poetris.

Floresce!

Floresce, vive para a Natureza,
Para o Amor imortal, largo e profundo.
O Bem supremo de esquecer o mundo
Reside nessa lĂ­mpida grandeza.

Floresce para a FĂ©, para a Beleza
Da Luz que Ă© como um vasto mar sem fundo,
Amplo, inflamado, mágico, fecundo,
De ondas de resplendor e de pureza.

Andas em vĂŁo na Terra, apodrecendo
Ă€ toa pelas trevas, esquecendo
A Natureza e os seus aspectos calmos.

Diante da luz que a Natureza encerra
Andas a apodrecer por sobre a Terra,
Antes de apodrecer nos sete palmos!

Corpo

VII

Pompas e pompas, pompas soberanas
Majestade serene da escultura
A chama da suprema formosura,
A opulĂŞncia das pĂşrpuras romanas.

As formas imortais, claras e ufanas,
Da graça grega, da beleza pura,
Resplendem na arcangélica brancura
Desse teu corpo de emoções profanas.

Cantam as infinitas nostalgias,
Os mistérios do Amor, melancolias,
Todo o perfume de eras apagadas…

E as águias da paixão, brancas, radiantes,
Voam, revoam, de asas palpitantes,
No esplendor do teu corpo arrebatadas!

Espasmos

Alma das gerações, alma lendária
Que tens tanto de Hamlet, tanto de Ofélia,
A candidez da rórida camélia
E as lágrimas da Sede hereditária.

Alma dormente, tumultuosa, vária,
Acorde de harpa misteriosa e célia,
Virgindade selvagem de bromélia,
Alma do Eleito, do Plebeu, do Pária.

És a chama do Amor, negro-vermelha,
De onde rompeu a fĂşlgida centelha
Que a Flor de fogo fez gerar no Dante.

Com teus espasmos e delicadezas,
Nervosas e secretas sutilezas
Enches todo este Abismo soluçante!

Bondade

É a bondade que te faz formosa,
Que a alma te diviniza e transfigura;
É a bondade, a rosa da ternura,
Que te perfuma com perfume Ă  rosa.

Teu ser angelical de luz bondosa
Verte em meu ser a mais sutil doçura,
Uma celeste, lĂ­mpida frescura,
Um encanto, uma paz maravilhosa.

Eu afronto contigo os vampirismos,
Os corruptos e mĂłrbidos abismos
Que em vĂŁo busquem tentar-me no Caminho.

Na suave, na doce claridade,
No consolo, de amor dessa bondade
Bebo a tu’alma como etéreo vinho.

MagnĂłlia Dos TrĂłpicos

A AraĂşjo Figueredo

Com as rosas e o luar, os sonhos e as neblinas,
Ă“ magnĂłlia de luz, cotovia dos mares,
Formaram-te talvez os brancos nenĂşfares
Da tua carne ideal, de correções felinas.

O teu colo pagĂŁo de virgens curvas finas
É o mais imaculado e flóreo dos altares,
Donde eu vejo elevar-se eternamente aos ares
Viáticos de amor e preces diamantinas.

Abre, pois, para mim os teus braços de seda
E do verso através a límpida alameda
Onde há frescura e sombra e sol e murmurejo;

Vem! com a asa de um beijo a boca palpitando,
No alvoroço febril de um pássaro cantando,
Vem dar-me a extrema-unção do teu amor num beijo.

Sorriso Interior

O ser que Ă© ser e que jamais vacila
Nas guerras imortais entra sem susto,
Leva consigo esse brasĂŁo augusto
Do grande amor, da nobre fé tranqüila.

Os abismos carnais da triste argila
Ele os vence sem ânsias e sem custo…
Fica sereno, num sorriso justo,
Enquanto tudo em derredor oscila.

Ondas interiores de grandeza
DĂŁo-lhe essa glĂłria em frente Ă  Natureza,
Esse esplendor, todo esse largo eflĂşvio.

O ser que é ser tranforma tudo em flores…
E para ironizar as prĂłprias dores
Canta por entre as águas do Dilúvio!

Seios

IV

MagnĂłlias tropicais, frutos cheirosos
Das árvores do Mal fascinadoras,
Das negras mancenilhas tentadoras,
Dos vagos narcotismos venenosos.

Oásis brancos e miraculosos
Das frementes volĂşpias pecadoras
Nas paragens fatais, aterradoras
Do Tédio, nos desertos tenebrosos…

Seios de aroma embriagador e langue,
Da aurora de ouro do esplendor do sangue,
A alma de sensações tantalizando.

Ó seios virginais, tálamos vivos
Onde do amor nos ĂŞxtases lascivos
Velhos faunos febris dormem sonhando…

Quando Eu Partir

Quando eu partir, que eterna e que infinita
Há de crescer-me a dor de tu ficares;
Quanto pesar e mesmo que pesares,
Que comoção dentro desta alma aflita.

Por nossa vida toda sol, bonita,
Que sentimento, grande como os mares,
Que sombra e luto pelos teus olhares
Onde o carinho mais feliz palpita…

Nesse teu rosto da maior bondade
Quanta saudade mais, que atroz saudade…
Quanta tristeza por nĂłs ambos, quanta,

Quando eu tiver já de uma vez partido,
Ă“ meu amor, Ăł meu muito querido
Amor, meu bem, meu tudo, Ăł minha santa!

Livre!

Livre! Ser livre da materia escrava,
Arrancar os grilhões que nos flagelam
E livre, penetrar nos Dons que selam
A alma e lhe emprestam toda a etérea lava.

Livre da humana, da terrestre bava
Dos corações daninhos que regelam
Quando os nossos sentidos se rebelam
Contra a Infâmia bifronte que deprava.

Livre! bem livre para andar mais puro,
Mais junto Ă  Natureza e mais seguro
Do seu amor, de todas as justiças.

Livre! para sentir a Natureza,
Para gozar, na universal Grandeza,
Fecundas e arcangélicas preguiças.

Supremo Verbo

– Vai, Peregrino do caminho santo,
Faz da tu’alma lâmpada do cego,
Iluminando, pego sobre pego,
As invisíveis amplidões do Pranto.

Ei-lo, do Amor o Cálix sacrossanto!
Bebe-o, feliz, nas tuas mãos o entrego…
És o filho leal, que eu não renego,
Que defendo nas dobras do meu manto.

Assim ao Poeta a Natureza fala!
Enquanto ele estremece ao escutá-la,
Transfigurado de emoção, sorrindo…

Sorrindo a céus que vão se desvendando,
A mundos que vĂŁo se multiplicando,
A portas de ouro que vĂŁo se abrindo!

Primeira ComunhĂŁo

Grinaldas e véus brancos, véus de neve,
VĂ©us e grinaldas purificadores,
VĂŁo as Flores carnais, as alvas Flores
Do Sentimento delicado e leve.

Um luar de pudor, sereno e breve,
De ignotos e de prĂ´nubos pudores,
Erra nos pulcros virginais brancores
Por onde o Amor parábolas descreve…

Luzes claras e augustas, luzes claras
Douram dos templos as sagradas aras,
Na comunhão das níveas hóstias frias…

Quando seios pubentes estremecem,
Silfos de sonhos de volĂşpia crescem,
Ondulantes, em formas alvadias…

Ilusões Mortas

A Virgílio Várzea

Os meus amores vĂŁo-se mar em fora,
E vĂŁo-se mar em fora os meus amores,
A murchar, a murchar, como essas flores
Sem mais orvalho e a doce luz da aurora.

E os meus amores nĂŁo virĂŁo agora,
NĂŁo baterĂŁo as asas multicores,
Como as aves mansas — dentre os esplendores
Do meu prazer, do meu prazer de outrora.

Tudo emigrou, rasgando a esfera branca
Das ilusões, — tudo em revoada franca
Partiu — deixando um bem-estar saudoso

No fundo ideal de toda a minha vida,
Qual numa taça a gota indefinida
De um bom licor antigo e saboroso.

Frutas E Flores

Laranjas e morangos — quanto às frutas,
Quanto às flores, porém, ah! quanto às flores,
Trago-te dálias rubras, d’essas cores
Das brilhantes auroras impolutas.

Venho de ouvir as misteriosas lutas
Do mar chorando lágrimas de amores;
Isto Ă©, venho de estar entre os verdores
De um sĂ­tio cheio de asperezas brutas,

Mas onde as almas — pássaros que voam —
Vivem sorrindo Ă s mĂşsicas que ecoam
Dos campos livres na rural pobreza.

Trago-te frutas, flores, sĂł apenas,
Porque não pude, irmã das açucenas,
Trazer-te o mar e toda a natureza!

Anda-Me A Alma

Anda-me a alma inteira de tal sorte,
Meus gozos, meu pesar, nos dela unidos
Que os dela são também os meus sentidos,
Que o meu é também dela o mesmo norte.

Unidos corpo a corpo — um elo forte
Nos prende eternamente — e nos ouvidos
Sentimos sons iguais. Vemos floridos
Os sons do porvir, em azul coorte…

O mesmo diapasĂŁo musicaliza
Os seres de nos dois — um sol irisa
Os nossos corações — dá luz, constela…

Anda esta vida, espiritualizada
Por este amor — anda-me assim — ligada
A minha sombra com a sombra dela.

Ă“dio Sagrado

Ă“ meu Ăłdio, meu Ăłdio majestoso,
Meu Ăłdio santo e puro e benfazejo,
Unge-me a fronte com teu grande beijo,
Torna-me humilde e torna-me orgulhoso.

Humilde, com os humildes generoso,
Orgulhoso com os seres sem Desejo,
Sem Bondade, sem FĂ© e sem lampejo
De sol fecundador e carinhoso.

Ó meu ódio, meu lábaro bendito,
Da minh’alma agitado no infinito,
Através de outros lábaros sagrados.

Ă“dio sĂŁo, Ăłdio bom! sĂŞ meu escudo
Contra os vilões do Amor, que infamam tudo,
Das sete torres dos mortais Pecados!

Vozinha

Velha, velhinha, da doçura boa
De uma pomba nevada, etérea, mansa.
Alma que se ilumina e se balança
Dentre as redes da FĂ© que nos perdoa.

Cabeça branca de serena leoa,
Carinho, amor, meiguice que nĂŁo cansa,
Coração nobre sempre como a lança
Que nĂŁo vergue, nĂŁo fira e que nĂŁo doa.

Olhos e voz de castidades vivas,
Pão ázimo das Páscoas afetivas,
Simples, tranqĂĽila, dadivosa, franca.

Morreu tal qual vivera, mansamente,
Na alvura doce de uma luz algente,
Como que morta de uma morte branca.

VisĂŁo

Noiva de Satanás, Arte maldita,
Mago Fruto letal e proibido,
Sonâmbula do Além, do Indefinido
Das profundas paixões, Dor infinita.

Astro sombrio, luz amarga e aflita,
Das Ilusões tantálico gemido,
Virgem da Noite, do luar dorido,
Com toda a tua Dor oh! sĂŞ bendita!

Seja bendito esse clarĂŁo eterno
De sol, de sangue, de veneno e inferno,
De guerra e amor e ocasos de saudade…

Sejam benditas, imortalizadas
As almas castamente amortalhadas
Na tua estranha e branca Majestade!

Falando Ao CĂ©u

Falas ao CĂ©u, Amor! Em vĂŁo tu falas!
Mas o céu, esse é velho, esse é velhinho,
Todo ele Ă© branco, faz lembrar o linho
Dos leitos alvos onde tu te embalas.

A alma do céu é como velhas salas
Sem ar, sem luz, como lares sem vinho
Sem água e pão, sem fogo e sem carinho,
Sem as mais toscas, as mais simples galas.

Sempre surdo, hoje o céu é mudo, é cego…
Jamais o coração ao céu entrego,
Eu que tĂŁo cego vou por entre abrolhos.

Mas se queres tornar jovem e louro
Dá-lhe o bordão do teu amor um pouco
Fala e vista, com a vida dos teus olhos…

O Final Do Guarani

(Santos, 15 jul. 1883)

Ceci — é a virgem loira das brancas harmonias,
A doce-flor-azul dos sonhos cor de rosa,
Peri — o índio ousado das bruscas fantasias,
O tigre dos sertões — de alma luminosa.

Amam-se com o amor indĂ´mito e latente
Que nunca foi traçado nem pode ser descrito.
Com esse amor selvagem que anda no infinito.
E brinca nos juncais, — ao lado da serpente.

Porém… no lance extremo, o lance pavoroso,
Assim por entre a morte e os tons de um puro gozo,
Dos leques da palmeira a note musical…

Vão ambos a sorrir, às águas arrojados,
Mansos como a luz, tranqüilos, enlaçados
E perdem-se na noite serena do ideal!…

VisĂŁo Medieva

Quando em outras remotas primaveras,
Na idade-média, sob fuscos tetos,
Dois amantes passavam, mil aspectos
Tinham aquelas medievais quimeras.

Nas armaduras rĂ­gidas e austeras,
Na aérea perspectiva dos objetos
Andavam sonhos e visões, diletos
Segredos mortos nas extintas eras.

O fantasma do amor pelos castelos
Mudo vagava entre os luares belos,
Dos corredores nas paredes frias.

NĂŁo raro se escutava um som de passos,
Rumor de beijos, frêmito de abraços
Pelas caladas, fundas galerias.