Charneca Em Flor
Enche o meu peito, num encanto mago,
O frémito das coisas dolorosas…
Sob as urzes queimadas nascem rosas…
Nos meus olhos as lágrimas apago…Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!E, nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu burel,
E já não sou, Amor, Soror Saudade…Olhos a arder em êxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor!
Sonetos sobre Amor
742 resultadosDiário duma Mulher
Meu rosto já tem vincos de cansaço.
Murcharam como as rosas minhas faces.
Já não posso estreitar-te num abraço,
sem temer, meu Amor, que não me abraces!O luar nos meus olhos fez-se baço.
Meus lábios, se algum dia tu beijasses!…
Meu passado, porém, morreu no espaço,
qual nuvem que em chuvisco transformasses!O futuro nĂŁo tem de que viver.
O amor — raĂzes mortas que nĂŁo nascem —,
os sonhos, estĂŁo como se embarcassemnum cruzeiro de calma, sem saber
que o é… Mas essa calma hoje é sinónimo
de um sentimento misterioso, anónimo…
Versos D’um Exilado
Eu vou partir. Na lĂmpida corrente
Rasga o batel o leito d’água fina
– Albatroz deslizando mansamente
Como se fosse vaporosa Ondina.Exilado de ti, oh! Pátria! Ausente
Irei cantar a mágoa peregrina
Como canta o pastor a matutina
Trova d’amor, à luz do sol nascente!Não mais virei talvez e, lá sozinho,
Hei de lembrar-me do meu pátrio ninho,
D’onde levo comigo a nostalgiaE esta lembrança que hoje me quebranta
E que eu levo hoje como a imagem santa
Dos sonhos todos que já tive um dia!
Alencar
Hão de anos volver, – não como as neves
De alheios climas, de geladas cores;
HĂŁo de os anos volver, mas como as flores,
Sobre o teu nome, vĂvidos e leves…Tu, cearense musa, que os amores
Meigos e tristes, rĂşsticos e breves,
Da indiana escreveste,-ora os escreves
No volume dos pátrios esplendores.E ao tornar este sol, que te há levado,
Já não acha a tristeza. Extinto é o dia
Da nossa dor, do nosso amargo espanto.Porque o tempo implacável e pausado,
Que o homem consumiu na terra fria,
Não consumiu o engenho, a flor, o encanto…
Milagre De Amor
Que mimporta, meu amor, a poesia que tanto
te preocupa porque a fiz antes de ti ?
Hoje… para não ver os teus olhos em pranto
por Deus que eu rasgaria os versos que escrevi…Hoje, já não são meus… Como que por encanto
estes poemas que fiz, que sonhei, que vivi,
sĂŁo estranhos que seguem cantando o meu canto
a falarem de um velho mundo, que esqueci…De repente a mudança é tão grande, é tamanha,
que o passado se esvai numa sombra perdida,
e a minha própria voz soa falsa e estranha…Óh Milagre de Amor… ( Que por louco me tomem!)
Mas sinto uma alma nova em mim… tenho oura vida!!
E um novo coração no peito… e sou outro homem!
Razões
“Razões…”
I
Pensarás que é mentira e é no entanto verdade
– mas me afasto de ti, propositadamente,
pelo estranho prazer de sentir que a saudade
ainda torna maior o coração da gente…Parto! Bem sei que parto sem necessidade!
Quero ver os teus olhos turvos, de repente,
embora nĂŁo compreenda essa felicidade
que assim te faz sofrer comigo inutilmente!Quero ouvir-te na hora da despedida
que eu volte bem depressa para a tua vida,
– quero no último beijo um soluço interior…Que enquanto ficas só, e enquanto vou sozinho,
sabemos que a saudade vai tecendo o ninho
que há de aquecer na volta o nosso eterno amor!
Um Rafeiro Fiel de um Pastor Triste
Tó, Mondego, vem cá; pois tu somente
Alivias um pouco o meu cuidado;
Que em parte se consola um desgraçado,
Quando tem quem lhe escute o mal que sente.Tu firme; tu leal; tu finalmente
Me tens na minha ausĂŞncia acompanhado:
Raro impulso de amor! Porque ao seu lado
Ninguém quer suportar um descontente.Ora deixa, que em prémio da piedade,
Com que o teu zelo ao meu tormento assiste,
Farei teu nome emblema da amizade.E os versos meus que um tempo alegre ouviste
CantarĂŁo, para exemplo da lealdade,
Um Rafeiro fiel de um Pastor triste.
Ăšltimo Porto
Este o paĂs ideal que em sonhos douro;
Aqui o estro das aves me arrebata,
E em flores, cachos e festões, desata
A Natureza o virginal tesouro;Aqui, perpétuo dia ardente e louro
Fulgura; e, na torrente e na cascata,
A água alardeia toda a sua prata,
E os laranjais e o sol todo o seu ouro…Aqui, de rosas e de luz tecida,
Leve mortalha envolva estes destroços
Do extinto amor, que inda me pesam tanto;E a terra, a mĂŁe comum, no fim da vida,
Para a nudeza me cobrir dos ossos,
Rasgue alguns palmos do seu verde manto.
Soneto Sonhado
Meu tudo, minha amada e minha amiga,
Eis, compendiada toda num soneto,
A minha profissão de fé e afeto,
Que à confissão, posto aos teus pés, me obriga.O que n’alma guardei de muito antiga
ExperiĂŞncia foi pena e ansiar inquieto.
Gosto pouco do amor ideal objeto
Só, e do amor só carnal não gosto miga.O que há melhor no amor é a iluminância.
Mas, ai de nĂłs! nĂŁo vem de nĂłs. Viria
De onde? Dos céus?… Dos longes da distância?…Não te prometo os estos, a alegria,
A assunção… Mas em toda circunstância
Ser-te-ei sincero como a luz do dia.
Oh! QuĂŁo Caro Me Custa O Entender Te
Oh! quĂŁo caro me custa o entender te,
molesto Amor, que, só por alcançar te,
de dor em dor me tens trazido a parte
onde em ti Ăłdio e ira se converte!Cuidei que para em tudo conhecer te,
me nĂŁo faltasse experiĂŞncia e arte;
agora vejo n’alma acrescentar te
aquilo que era causa de perder te.Estavas tĂŁo secreto no meu peito
que eu mesmo, que te tinha, nĂŁo sabia
que me senhoreavas deste jeito.Descobriste t’agora; e foi por via
que teu descobrimento e meu defeito,
um me envergonha e outro m’injuria.
Lindo E Sutil Trançado, Que Ficaste
Lindo e sutil trançado, que ficaste
em penhor do remédio que mereço,
se só contigo, vendo te, endoudeço,
que fora cos cabelos que apertaste?Aquelas tranças d’ouro, que ligaste,
que os raios do Sol têm em pouco preço,
não sei se para engano do que peço
se para me atar, os desataste.Lindo trançado, em minhas mãos te vejo,
e por satisfação de minhas dores
como quem nĂŁo tem outra, hei de tomar te.E se nĂŁo for contente meu desejo,
dir lhe hei que, nesta regra dos amores,
pelo todo também se toma a parte.
Timidez
Eu sei que é sempre assim, – longe dela imagino
mil versos que nĂŁo fiz mas que ainda hei de compor,
perto dela, – meu Deus!… lembro mais um menino
que esquecesse a lição diante do professor…Penso, que a minha voz terá sons de violino
enchendo os seus ouvidos de canções de amor,
– e hei de deixá-la tonta ao vinho doce e fino
dos meus beijos, no instante em que minha ela for…Ao seu lado, no entanto, encabulado, emudeço,
e se os seus lábios frios, trêmulos, se calam,
eu, de tudo, das cousas, de mim mesmo, esqueço…E ficamos assim, ela em silêncio… eu, mudo…
Mas meus olhos, nem sei… ah! Quantas cousas falam!
e seus olhos, seus olhos!… dizem tudo, tudo!
Boa Noite
Boa noite, meu amor, – diz boa noite, querida,
vou deitar-me, e sonhar contigo ainda uma vez,
a noite assim azul, cheia de luz, nĂŁo vĂŞs?
Parece que nos chama e a sonhar nos convida…O céu é aquela folha onde deixei perdida
a histĂłria de um amor, que te contei talvez,
– hoje, nela eu não creio, e tu também não crês,
– mas, para que falar nessa história esquecida?…Boa noite, meu amor… Vê se sonhas também…
“Um castelo encantado… um paĂs muito alĂ©m
e um prĂncipe ao teu lado amoroso e cortĂŞs…”Com o cĂ©u azul assim, talvez dormir consiga,
vou sonhar…vou sonhar contigo, minha querida,
vê se sonhas também comigo alguma vez!.
Espasmos
Alma das gerações, alma lendária
Que tens tanto de Hamlet, tanto de Ofélia,
A candidez da rórida camélia
E as lágrimas da Sede hereditária.Alma dormente, tumultuosa, vária,
Acorde de harpa misteriosa e célia,
Virgindade selvagem de bromélia,
Alma do Eleito, do Plebeu, do Pária.És a chama do Amor, negro-vermelha,
De onde rompeu a fĂşlgida centelha
Que a Flor de fogo fez gerar no Dante.Com teus espasmos e delicadezas,
Nervosas e secretas sutilezas
Enches todo este Abismo soluçante!
Sem Causa a Infância Ri
Sem causa a Infância ri, sem causa chora:
Incauta se despenha a mocidade;
Sacode o jugo, e nela a liberdade,
A caça, o jogo, o amor, tudo a namora.Das honras o varão se condecora;
Tudo Ă© nele ilusĂŁo, tudo vaidade:
Junta Tesouros a avarenta idade;
Diz mal do nosso, e ao tempo andado adora.Tormento Ă© toda a vida, Ă© toda enganos:
Quando uns afectos vence a novos corre,
E tarde reconhece os prĂłprios danos:Porque enfim se a prudĂŞncia nos socorre,
Ditada na lição dos longos anos,
Quando se sabe, entĂŁo Ă© que se morre.
Mestre, Mestre Querido, Pai De Amor
Mestre, Mestre querido, Pai de Amor,
As glórias que conquistas co’a razão,
Enchendo de prazer teu coração
T’atraem grandes bençãos do Senhor!Os teus louros têm mais vivo fulgor,
Que os ganhos ao ribombo do canhĂŁo;
Que os de um AnĂbal, d’um NapoleĂŁo,
Alcançados das mortes entre o horror.Sim! Que os louros terrĂveis que Mavorte
Ao soldado concede em dura guerra,
Todos murcha a idéia só da morte!Mas nos teus vero mérito se encerra,
Que não cede do tempo ao braço forte,
E alcançam justo prêmio além da terra!…
Soneto XXVII
Enfim que me cortais o fio leve
Que me tecia em vão minha esperança,
Quanto me prometeu, quão pouco alcança,
De quão larga me foi quanto hoje é breve,C’um doce engano um tempo me deteve.
Guardou-me para agora esta mudança,
Mas não me mudará da segurança
Que meu amor a vossos olhos deve.Mas ai fermosos olhos que tornastes
Descubrir-me esta noite essa lux vossa,
Qual Lua Ă nau que lida em bravo pego.Mas nĂŁo seja essa lux que me mostrastes
Só porque ver o meu naufrágio possa,
Que Ă© menor o pirigo a quem vai cego.
Bondade
É a bondade que te faz formosa,
Que a alma te diviniza e transfigura;
É a bondade, a rosa da ternura,
Que te perfuma com perfume Ă rosa.Teu ser angelical de luz bondosa
Verte em meu ser a mais sutil doçura,
Uma celeste, lĂmpida frescura,
Um encanto, uma paz maravilhosa.Eu afronto contigo os vampirismos,
Os corruptos e mĂłrbidos abismos
Que em vĂŁo busquem tentar-me no Caminho.Na suave, na doce claridade,
No consolo, de amor dessa bondade
Bebo a tu’alma como etéreo vinho.
Cegueira de Amor
Fiei-me nas promessas que afectavas
Nas lágrimas fingidas que vertias,
Nas ternas expressões que me fazias,
Nessas mĂŁos que as minhas apertavas.Talvez, cruel, que, quando as animavas,
Que eram doutrem na ideia fingirias,
E que os olhos banhados mostrarias
De pranto, que por outrem derramavas.Mas eu sou tal, ingrata, que, inda vendo
Os meus tristes amores mal seguros,
De amar-te nunca, nunca me arrependo.Ainda adoro os olhos teus perjuros,
Ainda amo a quem me mata, ainda acendo
Em aras falsas, holocaustos puros.
XXXI
Longe de ti, se escuto, porventura,
Teu nome, que uma boca indiferente
Entre outros nomes de mulher murmura,
Sobe-me o pranto aos olhos, de repente…Tal aquele, que, mĂsero, a tortura
Sofre de amargo exĂlio, e tristemente
A linguagem natal, maviosa e pura,
Ouve falada por estranha gente…Porque teu nome é para mim o nome
De uma pátria distante e idolatrada,
Cuja saudade ardente me consome:E ouvi-lo Ă© ver a eterna primavera
E a eterna luz da terra abençoada,
Onde, entre flores, teu amor me espera.