Este Livro
Este livro é de mágoas.Desgraçados os
Que no mundo passais, chorai ao lê-lo!
Somente a vossa dor de Torturados
Pode, talvez, senti-lo…e compreendê-lo.Este livro é para vós. Abençoados
Os que o sentirem, sem ser bom nem belo!
Bíblia de tristes…Ó Desventurados,
Que a vossa imensa dor se acalme ao vê-lo!Livro de Mágoas…Dores…Ansiedades!
Livro de Sombras…Névoas e Saudades!
Vai pelo mundo…(Trouxe-o no meu seio…)Irmãos na Dor, os olhos rasos de água,
Chorai comigo a minha imensa mágoa,
Lendo o meu livro só de mágoas cheio!…
Sonetos sobre Ansiedade
29 resultadosSer
Cansada expectativa tão ansiosa
que ser só eu na minha vida espalha!
Na longa noite em que se tece a malha
do que não serei nunca, fervorosaminha presença rútila e curiosa
arde sombria como um arder de palha,
curiosa apenas de saber se goza
o voar das cinzas quando o vento calhalá onde o levantá-las é verdade.
Inutilmente se mistura tudo,
que a mesma ansiedade, já esquecida,de novo recomeça. Mas quem há-de
contrariá-la? Eu não, que não me iludo:
Viver é isto, quando se é só vida.
Resposta
Alma: não tiveste um lugar. Assim,
te foste ao reino prometido, e dobras-te
agora em quanta solidão venceste,
impelida num mundo de retorno.Nem a razão expectante permitiu
o maior pensamento de certezas!
Alma: da terra ao céu o traço fino
da tua directriz — mais não ficou…Eis a vida — pó cruel, ansiedade
que deu a forma à tua acção perfeita
em sombras de tristeza e dia a dia.Desvendado segredo! A dor que seja
o fogo, tua lembrança encontrou
nesse vazio a única palavra…
Fogo-Fátuo
Cabelos brancos! dai-me, enfim, a calma
A esta tortura de homem e de artista:
Desdém pelo que encerra a minha palma,
E ambição pelo mais que não exista;Esta febre, que o espírito me encalma
E logo me enregela; esta conquista
De idéias, ao nascer, morrendo na alma,
De mundos, ao raiar, murchando à vista:Esta melancolia sem remédio,
Saudade sem razão, louca esperança
Ardendo em choros e findando em tédio;Esta ansiedade absurda, esta corrida
Para fugir o que o meu sonho alcança,
Para querer o que não há na vida!
Ausência
Meu amor, como eu sofro este tormento
da tua ausência!… Ando magoada
como a folha arrancada pelo vento
ao carinhoso anseio da ramada…Procuro desviar o pensamento…
mas oiço ao longe a tua voz molhada
em lágrimas, vibrando o sofrimento
da nossa vida assim, tão separada!Os meus beijos escutam os teus beijos
exigentes — perdidos de saudade…
crispando amargamente os meus desejos!E dia a dia essa canção de dor,
ritornelo sombrio de ansiedade,
exalta ainda mais o meu amor!
Escrava
Ó meu Deus, ó meu dono, ó meu senhor,
Eu te saúdo, olhar do meu olhar,
Fala da minha boca a palpitar,
Gesto das minhas mãos tontas de amor!Que te seja propício o astro e a flor,
Que a teus pés se incline a Terra e o Mar,
Plos séculos dos séculos sem par,
Ó meu Deus, ó meu dono, ó meu senhor!Eu, doce e humilde escrava, te saúdo,
E, de mãos postas, em sentida prece,
Canto teus olhos de oiro e de veludo.Ah! esse verso imenso de ansiedade,
Esse verso de amor que te fizesse
Ser eterno por toda a eternidade!…
Rústica
Ser a moça mais linda do povoado.
Pisar, sempre contente, o mesmo trilho,
Ver descer sobre o ninho aconchegado
A bênção do Senhor em cada filho.Um vestido de chita bem lavado,
Cheirando a alfazema e a tomilho…
– Com o luar matar a sede ao gado,
Dar às pombas o sol num grão de milho…Ser pura como a água da cisterna,
Ter confiança numa vida eterna
Quando descer à “terra da verdade”…Deus, dai-me esta calma, esta pobreza!
Dou por elas meu trono de Princesa,
E todos os meus Reinos de Ansiedade.
Esquecimento
Esse de quem eu era e que era meu,
Que foi um sonho e foi realidade,
Que me vestiu a alma de saudade,
Para sempre de mim desapareceu.Tudo em redor então escureceu,
E foi longínqua toda a claridade!
Ceguei…tacteio sombras…que ansiedade!
Apalpo cinzas porque tudo ardeu!Descem em mim poentes de Novembro…
A sombra dos meus olhos, a escurecer…
Veste de roxo e negro os crisântemos…E desse que era meu já me não lembro…
Ah! a doce agonia de esquecer
A lembrar doidamente o que esquecemos!…
Ignotus
(A Salomão Sáragga)
Onde te escondes? Eis que em vão clamamos,
Suspirando e erguendo as mãos em vão!
Já a voz enrouquece e o coração
Está cansado — e já desesperamos…Por céu, por mar e terras procuramos
O Espírito que enche a solidão,
E só a própria voz na imensidão
Fatigada nos volve… e não te achamos!Céus e terra, clamai, aonde? aonde? —
Mas o Espírito antigo só responde,
Em tom de grande tédio e de pesar:— Não vos queixeis, ó filhos da ansiedade,
Que eu mesmo, desde toda a eternidade,
Também me busco a mim… sem me encontrar!