Sonetos sobre Belos de Cruz e Souza

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Sonetos de belos de Cruz e Souza. Leia este e outros sonetos de Cruz e Souza em Poetris.

Horas De Sombra

Horas de sombra, de silĂȘncio amigo
Quando hĂĄ em tudo o encanto da humildade
E que o anjo branco e belo da saudade
Roga por nĂłs o seu perfil antigo.

Horas que o coração nĂŁo vĂȘ perigo
De gozar, de sentir com liberdade…
Horas da asa imortal da Eternidade
Aberta sobre tumular jazigo.

Horas da compaixĂŁo e da clemĂȘncia,
Dos segredos sagrados da existĂȘncia,
De sombras de perdĂŁo sempre benditas.

Horas fecundas, de mistério casto,
Quando dos céus desce, profundo e vasto,
O repouso das almas infinitas.

Metempsicose

Agora, jĂĄ que apodreceu a argila
Do teu corpo divino e sacrossanto;
Que embalsamaram de magoado pranto
A tua carne, na mudez tranqĂŒila,

Agora, que nos CĂ©us, talvez, se asila
Aquela graça e luminoso encanto
De virginal e pĂĄlido amaranto
Entre a Harmonia que nos CĂ©us desfila.

Que da morte o estupor macabro e feio
Congelou as magnĂłlias do teu seio,
Por entre catalĂ©pticas visĂ”es…

Surge, Bela das Belas, na Beleza
Do transcendentalismo da Pureza,
Nas brancas, imortais RessurreiçÔes!

Violinos

Pelas bizarras, gĂłticas janelas
De um tempo medieval o sol ondula:
Nunca os vitrais viram visÔes mais belas
Quando, no ocaso, o sol os doura e oscula…

Doces, multicores aquarelas
Sobre um saudoso cĂ©u que alĂ©m se azula…
Calma, serena, divinal, entre eras,
A pomba ideal dos Ângelus arrula…

Rezam de joelhos anjos de mĂŁos postas
Através dos vitrais, e nas encostas
Dos montes sobe a claridade ondeando…

É a lua de Deus, que as curves meigas
Foi ondular pelos vergéis e veigas
MagnĂłlias e lĂ­rios desfolhando…

Natureza

Aos Poetas

Tudo por ti resplende e se constela,
Tudo por ti, suavĂ­ssimo, flameja;
És o pulmão da racional peleja,
Sempre viril, consoladora e bela.

Teu coração de pérolas se estrela,
E o bom falerno dĂĄs a quem deseja
Vigor, saĂșde a crença que floreja,
Que as expansÔes do cérebro revela.

Toda essa luz que bebe-se de um hausto
Nos livros sĂŁos, todo esse enorme fausto
Vem das verduras brandas que reluzem!

Esse da idĂ©ia esplĂȘndido eletrismo,
O forte, o grande, audaz psicologismo,
Os organismos naturais produzem…

Sonetos

Do som, da luz entre os joviais duetos,
Como uma chusma alada de gaivotas,
Vindos das largas amplidÔes remotas,
Batem as asas todos os sonetos.

VĂŁo — por estradas, por difĂ­ceis rotas,
Quatorze versos — entre dois quartetos
E duas belas e luzidas frotas
Rijas, seguras, de mais dois tercetos.

Com a brunida lĂąmina da lima,
Vão céus radiosos, horizontes acima,
Pelas paragens lĂ­mpidas, gentis,

Atravessando o campo das quimeras,
Aberto ao sol das flĂłreas primaveras,
Todo estrelado de ĂĄureos colibris.

Renascimento

A Alma nĂŁo fica inteiramente morta!
Vagas RessurreiçÔes do Sentimento
Abrem jĂĄ, devagar, porta por porta,
Os palĂĄcios reais do Encantamento!

Morrer! Findar! Desfalecer! que importa
Para o secreto e fundo movimento
Que a alma transporta, sublimiza e exorta,
Ao grande Bem do grande Pensamento!

Chamas novas e belas vĂŁo raiando,
VĂŁo se acendendo os lĂ­mpidos altares
E as almas vĂŁo sorrindo e vĂŁo orando…

E pela curva dos longĂ­nquos ares
Ei-las que vĂȘm, como o imprevisto bando
Dos albatrozes dos estranhos mares…

Na Mazurka

Morava num palĂĄcio — estranha BabilĂŽnia
De arcadas colossais, de impĂĄvidos zimbĂłrios,
Alcovas de damasco e torreÔes marmóreos,
Volutas primorais de arquitetura jĂŽnia.

Assim, quando surgia em meio aos peristilos
Descendo, qual mulher de SĂ©fora, vaidosa,
Envolta em ouropéis, em sedas, luxuosa,
Cercam-na do belo os mĂ­sticos sigilos!

E quando nos saraus, assim como um rainĂșnculo,
O lĂĄbio lhe tremia e o olhar, vivo carbĂșnculo,
Vibrava nos salÔes, como uma adaga turca,

Ou como o sol em cheio e rubro sobre o BĂłsforo,
— nos crĂąnios os Homens sentiam ter mais fĂłsforo…
Ao vĂȘ-la escultural no passo da Mazurka…

Exilada

Bela viajante dos paĂ­ses frios
NĂŁo te seduzam nunca estes aspectos
Destas paisagens tropicais — secretos,
— Os teus receios devem ser sombrios.

És branca e Ă©s loura e tens os amavios
Os incĂłgnitos filtros prediletos
Que podem produzir ondas de afetos
Nos mais sensíveis coraçÔes doentios.

Loura Visão, Ofélia desmaiada,
Deixa esta febre de ouro, a febre ansiada
Que nos venenos deste sol consiste.

Emigra destes cĂĄlidos paĂ­ses,
Foge de amargas, fundas cicatrizes,
Das alucinaçÔes de um vinho triste…

VisĂŁo Medieva

Quando em outras remotas primaveras,
Na idade-média, sob fuscos tetos,
Dois amantes passavam, mil aspectos
Tinham aquelas medievais quimeras.

Nas armaduras rĂ­gidas e austeras,
Na aérea perspectiva dos objetos
Andavam sonhos e visÔes, diletos
Segredos mortos nas extintas eras.

O fantasma do amor pelos castelos
Mudo vagava entre os luares belos,
Dos corredores nas paredes frias.

NĂŁo raro se escutava um som de passos,
Rumor de beijos, frĂȘmito de abraços
Pelas caladas, fundas galerias.

VisĂŁo Guiadora

Ó alma silenciosa e compassiva
Que conversas com os Anjos da Tristeza,
Ó delicada e lñnguida beleza
Nas cadeias das lĂĄgrimas cativa.

FrĂĄgil, nervosa timidez lasciva,
Graça magoada, doce sutileza
De sombra e luz e da delicadeza
Dolorosa de mĂșsica aflitiva.

Alma de acerbo, amargurado exĂ­lio,
Perdida pelos céus num vago idílio
Com as almas e visÔes dos desolados.

Ó tu que Ă©s boa e porque Ă©s boa Ă©s bela,
Da Fé e da Esperança eterna estrela
Todo o caminho dos desamparados.

Campesinas VIII

Orgulho das raparigas,
Encanto ideal dos rapazes,
Acendes crenças vivazes
Com tuas belas cantigas.

No louro ondear das espigas,
Boca cheirosa a lilazes,
Carne em polpa de ananases
Lembras baladas antigas.

Tens uns tons enevoados
De castelos apagados
Nas eras medievais.

Falta-te o pajem na ameia
Dedilhando, a lua cheia,
O bandolim dos seus ais!

Madona Da Tristeza

Quando te escuto e te olho reverente
E sinto a tua graça triste e bela
De ave medrosa, tĂ­mida, singela,
Fico a cismar enternecidamente.

Tua voz, teu olhar, teu ar dolente
Toda a delicadeza ideal revela
E de sonhos e lĂĄgrimas estrela
O meu ser comovido e penitente.

Com que mĂĄgoa te adoro e te contemplo,
Ó da Piedade soberano exemplo,
Flor divina e secreta da Beleza.

Os meus soluços enchem os espaços
Quando te aperto nos estreitos braços,
solitĂĄria madona da Tristeza!

Olavo Bilac

Vim afinal para o solar dos astros,
De irradiaçÔes puríssimas e belas,
Numa viagem de alterosos mastros,
Numa viagem de saudosas velas…

Das alegrias nos febris enastros
Que as almas prendem para percebĂȘ-las,
Vim cantando e feliz, fugindo aos rastros
Da terra de onde vi e ouvi estrelas.

E por aqui, nas lĂșcidas paisagens,
Vestido das mais fluĂ­dicas roupagens
Tecido de ouro, nos clarĂ”es imersos…

Ando a gozar, entre lauréis e palmas,
O que cantei na terra, junto Ă s almas,
Na eterna florescĂȘncia dos meus versos.

Lembranças Apagadas

Outros, mais do que o meu, finos olfatos,
Sintam aquele aroma estranho e belo
Que tu, Ăł LĂ­rio lĂąnguido, singelo,
Guardaste nos teus Ă­ntimos recatos.

Que outros se lembrem dos sutis e exatos
Traços, que hoje não lembro e não revelo
E se recordem, com profundo anelo,
Da tua voz de siderais contatos…

Mas eu, para lembrar mortos encantos,
Rosas murchas de graças e quebrantos,
Linhas, perfil e tanta dor saudosa,

Tanto martĂ­rio, tanta mĂĄgoa e pena,
Precisaria de uma luz serene,
De uma luz imortal maravilhosa!…

Campesinas III

As papoulas da saĂșde
Trouxeram-te um ar mais novo,
Ó bela filha do povo,
Rosa aberta de virtude.

Do campo viçoso e rude
Regressas, como um renovo,
E eu ao ver-te, os olhos movo
De um modo que nunca pude.

Bravo ao campo e bravo a seara
Que deram-te a pele clara
SĂŁo rubores de alvorada.

Que esses teus beijos agora
Tenham sabores de amora
E de romĂŁ estalada.

Dormindo

PĂĄlida, bela, escultural, clorĂłtica
Sobre o divĂŁ suavĂ­ssimo deitada,
Ela lembrava — a pĂĄlpebra cerrada —
Uma ilusĂŁo esplendida de Ăłtica.

A peregrina carnação das formas,
— o sensual e lĂ­mpido contorno,
Tinham esse quĂȘ de avĂ©rnico e de morno,
Davam a Zola as mais corretas normas!…

Ela dormia como a VĂȘnus casta
E a negra coma aveludada e basta
Lhe resvalava sobre o doce flanco…

Enquanto o luar — pela janela aberta —
— como uma vaga exclamação — incerta
Entrava a flux — cascateado — branco!!…

Crença

Filha do céu, a pura crença é isto
Que eu vejo em ti, na vastidĂŁo das cousas,
Nessa mudez castĂ­ssima das lousas,
No belo rosto sonhador do Cristo.

A crença é tudo quanto tenho visto
Nos olhos teus, quando a cabeça pousas
Sobre o meu colo e que dizer nĂŁo ousas
Todo esse amor que eu venço e que conquisto.

A crença é ter os peregrinos olhos
Abertos sempre aos rĂ­spidos escolhos;
TĂȘ-los Ă  frente de qualquer farol

E conservĂĄ-los, simplesmente acesos
Como dois fachos — engastados, presos
Nas radiaçÔes prismåticas do sol!

CrĂȘ!

VĂȘ como a Dor te transcendentaliza!
Mas no fundo da Dor crĂȘ nobremente.
Transfigura o teu ser na força crente
Que tudo torna belo e diviniza.

Que seja a Crença uma celeste brisa
Inflando as velas dos batéis do Oriente
Do teu Sonho supremo, onipotente,
Que nos astros do céu se cristaliza.

Tua alma e coração fiquem mais graves,
Iluminados por carinhos suaves,
Na doçura imortal sorrindo e crendo…

Oh! CrĂȘ! Toda a alma humana necessita
De uma Esfera de cĂąnticos, bendita,
Para andar crendo e para andar gemendo!

Chegou Enfim, E O Desembarque Dela

Chegou enfim, e o desembarque dela
Causou-me logo uma impressĂŁo divina!
É meiga, pura como sã bonina,
Nos olhos vivos doce luz revela!

É graciosa, sacudida e bela,
NĂŁo tem os gestos de qualquer menina:
Parece um gĂȘnio que seduz, fascina,
TĂŁo atraente, singular Ă© ela!

Chegou, enfim! eu murmurei contente!
Fez-se em minh’alma purpurina aurora,
O entusiasmo me brotou fervente!

Vimos-lhe apenas a construção sonora,
Vimos a larva, nada mais, somente
Falta-nos ver a borboleta agora!

De Alma Em Alma

Tu andas de alma em alma errando, errando,
como de santuĂĄrio em santuĂĄrio.
És o secreto e místico templário
As almas, em silĂȘncio, contemplando.

NĂŁo sei que de harpas hĂĄ em ti vibrando,
que sons de peregrino estradivĂĄrio
Que lembras reverĂȘncias de sacrĂĄrio
E de vozes celestes murmurando.

Mas sei que de alma em alma andas perdido
AtrĂĄs de um belo mundo indefinido
De silĂȘncio, de Amor, de Maravilha.

Vai! Sonhador das nobres reverĂȘncias!
A alma da FĂ© tem dessas florescĂȘncias,
Mesmo da Morte ressuscita e brilha!