Anima Mea
Estava a Morte ali, em pé, diante,
Sim, diante de mim, como serpente
Que dormisse na estrada e de repente
Se erguesse sob os pĂ©s do caminhante.Era de ver a fĂșnebre bachante!
Que torvo olhar! que gesto de demente!
E eu disse-lhe: «Que buscas, impudente,
Loba faminta, pelo mundo errante?»â NĂŁo temas, respondeu (e uma ironia
Sinistramente estranha, atroz e calma,
Lhe torceu cruelmente a boca fria).Eu nĂŁo busco o teu corpo… Era um trofĂ©u
Glorioso de mais… Busco a tua alma â
Respondi-lhe: «A minha alma jå morreu!»
Sonetos sobre Bocas de Antero de Quental
3 resultadosO Inconsciente
O Espectro familiar que anda comigo,
Sem que pudesse ainda ver-lhe o rosto,
Que umas vezes encaro com desgosto
E outras muitas ansioso espreito e sigo.Ă um espectro mudo, grave, antigo,
Que parece a conversas mal disposto…
Ante esse vulto, ascético e composto
Mil vezes abro a boca… e nada digo.SĂł uma vez ousei interrogĂĄ-lo:
Quem Ă©s (lhe perguntei com grande abalo)
Fantasma a quem odeio e a quem amo?Teus irmĂŁos (respondeu) os vĂŁos humanos,
Chamam-me Deus, ha mais de dez mil anos…
Mas eu por mim nĂŁo sei como me chamo…
Espiritualismo
I
Como um vento de morte e de ruĂna,
A DĂșvida soprou sobre o Universo.
Fez-se noite de sĂșbito, imerso
O mundo em densa e algida neblina.Nem astro jĂĄ reluz, nem ave trina,
Nem flor sorri no seu aéreo berço.
Um veneno subtil, vago, disperso,
Empeçonhou a criação divina.E, no meio da noite monstruosa,
Do silĂȘncio glacial, que paira e estende
O seu sudĂĄrio, d’onde a morte pende,SĂł uma flor humilde, misteriosa,
Como um vago protesto da existĂȘncia,
Desabroxa no fundo da ConsciĂȘncia.II
Dorme entre os gelos, flor imaculada!
Luta, pedindo um ultimo clarĂŁo
Aos sĂłis que ruem pela imensidĂŁo,
Arrastando uma aurĂ©ola apagada…Em vĂŁo! Do abismo a boca escancarada
Chama por ti na gĂ©lida amplidĂŁo…
Sobe do poço eterno, em turbilhão,
A treva primitiva conglobada…Tu morrerĂĄs tambĂ©m. Um ai supremo,
Na noite universal que envolve o mundo,
Ha-de ecoar, e teu perfume extremoNo vĂĄcuo eterno se esvairĂĄ disperso,
Como o alento final d’um moribundo,
Como o Ășltimo suspiro do Universo.