Sonetos sobre Busca de Antero de Quental

5 resultados
Sonetos de busca de Antero de Quental. Leia este e outros sonetos de Antero de Quental em Poetris.

Anima Mea

Estava a Morte ali, em pé, diante,
Sim, diante de mim, como serpente
Que dormisse na estrada e de repente
Se erguesse sob os pés do caminhante.

Era de ver a fĂşnebre bachante!
Que torvo olhar! que gesto de demente!
E eu disse-lhe: «Que buscas, impudente,
Loba faminta, pelo mundo errante?»

— Não temas, respondeu (e uma ironia
Sinistramente estranha, atroz e calma,
Lhe torceu cruelmente a boca fria).

Eu nĂŁo busco o teu corpo… Era um trofĂ©u
Glorioso de mais… Busco a tua alma —
Respondi-lhe: «A minha alma já morreu!»

Porque DescrĂŞs, Mulher, do Amor, da Vida?

Porque descrĂŞs, mulher, do amor, da vida?
Porque esse Hermon transformas em Calvario?
Porque deixas que, aos poucos, do sudario
Te aperte o seio a dobra humedecida?

Que visĂŁo te fugio, que assim perdida
Buscas em vĂŁo n’este ermo solitario?
Que signo obscuro de cruel fadario
Te faz trazer a fronte ao chĂŁo pendida?

Nenhum! intacto o bem em ti assiste:
Deus, em penhor, te deu a formosura;
Bençãos te manda o céo em cada hora.

E descrĂŞs do viver?… E eu, pobre e triste,
Que sĂł no teu olhar leio a ventura,
Se tu descrĂŞs, em que hei-de eu crer agora?

O Palácio da Ventura

Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sĂłis, por noite escura,
Paladino do amor, busca anelante
O palácio encantado da Ventura!

Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura…
E eis que sĂşbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formusura!

Com grandes golpes bato Ă  porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado…
Abri-vos, portas d’ouro, ante meus ais!

Abrem-se as portas d’ouro, com fragor…
Mas dentro encontro sĂł, cheio de dor,
SilĂŞncio e escuridĂŁo – e nada mais!

Oceano Nox

Junto do mar, que erguia gravemente
A trágica voz rouca, enquanto o vento
Passava como o vĂ´o do pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente,

Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o céu pesado e nevoento,
E interroguei, cismando, esse lamento
Que saĂ­a das coisas, vagamente…

Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, força obscura?
Em volta de que idéia gravitais?

Mas na imensa extensĂŁo, onde se esconde
O Inconsciente imortal, sĂł me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais…

Lacrimae Rerum

Noite, irmĂŁ da RazĂŁo e irmĂŁ da Morte,
Quantas vezes tenho eu interrogado
Teu verbo, teu oráculo sagrado,
Confidente e intérprete da Sorte!

Aonde sĂŁo teus sĂłis, como corte
De almas inquietas, que conduz o Fado?
E o homem porque vaga desolado
E em vĂŁo busca a certeza que o conforte?

Mas, na pompa de imenso funeral,
Muda, a noite, sinistra e triunfal,
Passa volvendo as horas vagarosas…

É tudo, em torno a mim, dúvida e luto;
E, perdido num sonho imenso, escuto
O suspiro das coisas tenebrosas…