Sem Causa a Infância Ri
Sem causa a Infância ri, sem causa chora:
Incauta se despenha a mocidade;
Sacode o jugo, e nela a liberdade,
A caça, o jogo, o amor, tudo a namora.Das honras o varão se condecora;
Tudo é nele ilusão, tudo vaidade:
Junta Tesouros a avarenta idade;
Diz mal do nosso, e ao tempo andado adora.Tormento é toda a vida, é toda enganos:
Quando uns afectos vence a novos corre,
E tarde reconhece os próprios danos:Porque enfim se a prudência nos socorre,
Ditada na lição dos longos anos,
Quando se sabe, então é que se morre.
Sonetos sobre Caça
7 resultadosManhã
Alta alvorada. — Os últimos nevoeiros
A luz que nasce levemente espalha;
Move-se o bosque, a selva que farfalha
Cheia da vida dos clarões primeiros.Da passarada os vôos condoreiros,
Os cantos e o ar que as árvores ramalha
Lembram combate, estrídula batalha
De elementos contrários e altaneiros.Vozes, trinados, vibrações, rumores
Crescem, vão se fundindo aos esplendores
Da luz que jorra de invisível taça.E como um rei num galeão do Oriente
O sol põe-se a tocar bizarramente
Fanfarras marciais, trompas de caça.
À Variedade do Mundo
Este nasce, outro morre, acolá soa
Um ribeiro que corre, aqui suave,
Um rouxinol se queixa brando e grave,
Um leão c’o rugido o monte atroa.Aqui corre uma fera, acolá voa
C’o grãozinho na boca ao ninho üa ave,
Um demba o edifício, outro ergue a trave,
Um caça, outro pesca, outro enferoa.Um nas armas se alista, outro as pendura
An soberbo Ministro aquele adora,
Outro segue do Paço a sombra amada,Este muda de amor, aquele atura.
Do bem, de que um se alegra, o outro chora…
Oh mundo, oh sombra, oh zombaria, oh nada!
Enquanto Febo Os Montes Acendia
Enquanto Febo os montes acendia
do Céu com luminosa claridade,
por evitar do ócio a castidade
na caça o tempo Délia despendia.Vénus, que então de furto descendia,
por cativar de Anquises a vontade,
vendo Diana em tanta honestidade,
quase zombando dela, lhe dizia:– Tu vás com tuas redes na espessura
os fugitivos cervos enredando,
mas as minhas enredam o sentido.-Melhor é (respondia a deusa pura)
nas redes leves cervos ir tomando
que tomar-te a ti nelas teu marido.
Soneto XXXIX
Argos para outras cousas, Polifemo
Só para esta, despois que a noite abraça,
Que astuto caçador da surda caça,
Que sereia te pôs em tanto extremo?Torna mancebo em ti, que a vida temo
Te seja a sombra deste teixo escassa,
Ou qual figueira ao touro te desfaça
O lustre, o brio, o teu valor supremo.Deixa seco e sem glória o tronco verde
Com seus torcidos nós a branca hera,
Este de honra, ser, vida, te despoja.Porque despois não digas “quem soubera?”
O nome funeral de quem te perde,
Se ousa a língua dizê-lo, aqui se arroja.
Conselhos A Qualquer Tolo Para Parecer Fidalgo, Rico E Discreto
Bote a sua casaca de veludo,
E seja capitão sequer dois dias,
Converse à porta de Domingos Dias,
Que pega fidalguia mais que tudo.Seja um magano, um pícaro, um cornudo,
Vá a palácio, e após das cortesias
Perca quanto ganhar nas mercancias,
E em que perca o alheio, esteja mudo.Sempre se ande na caça e montaria,
Dê nova solução, novo epíteto,
E diga-o, sem propósito, à porfia;Quem em dizendo: “facção, pretexto, efecto”.
Será no entendimento da Bahia
Mui fidalgo, mui rico, e mui discreto.
Num Jardim Adornado De Verdura
Num jardim adornado de verdura,
a que esmaltam por cima várias flores,
entrou um dia a deusa dos amores,
com a deusa da caça e da espessura.Diana tomou logo üa rosa pura,
Vénus um roxo lírio, dos milhores;
mas excediam muito às outras flores
as violas, na graça e fermosura.Perguntam a Cupido, que ali estava,
qual daquelas três flores tomaria,
por mais suave, pura e mais fermosa?Sorrindo se, o Minino lhe tornava:
todas fermosas são, mas eu queria
V i o l ‘a n t e s que lírio, nem que rosa.