Sonetos sobre Calma

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Sonetos de calma escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Soneto do Amor Total

Amo-te tanto, meu amor… não cante
O humano coração com mais verdade…
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, como grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo, de repente
Hei-de morrer de amar mais do que pude.

Soneto Da Hora Final

Será assim, amiga: um certo dia
Estando nós a contemplar o poente
Sentiremos no rosto, de repente,
O beijo leve de uma aragem fria.

Tu me olharás silenciosamente
E eu te olharei também, com nostalgia
E partiremos, tontos de poesia
Para a porta de trevas, aberta em frente.

Ao transpor as fronteiras do segredo
Eu, calmo, te direi: – Não tenhas medo
E tu, tranqüila, me dirás: – Sê forte.

E como dois antigos namorados
Noturnamente tristes e enlaçados
Nós entraremos nos jardins da morte.

Barrow-On-Furness V

Há quanto tempo, Portugal, há quanto
Vivemos separados! Ah, mas a alma,
Esta alma incerta, nunca forte ou calma,
Não se distrai de ti, nem bem nem tanto.

Sonho, histérico oculto, um vão recanto…
O rio Furness, que é o que aqui banha,
Só ironicamente me acompanha,
Que estou parado e ele correndo tanto …

Tanto? Sim, tanto relativamente…
Arre, acabemos com as distinções,
As subtilezas, o interstício, o entre,
A metafísica das sensações –

Acabemos com isto e tudo mais …
Ah, que ânsia humana de ser rio ou cais!

Picadeiro

Estava sossegado lá no fundo
Do meu eu e de mim sem muita pressa
Nesses momentos calmos que circundo
Roteiro e enredo em ato que começa

Minha descida ao palco do meu mundo
Que venho e represento a farsa dessa
Comédia que é de arte em que aprofundo
A pena desgarrada em vã promessa

De bem cantar somente o mais fecundo
Sonho sonhado sem a dor expressa
Que a vida vai me dando num segundo

O desempenho em títere da peça
Neste papel de doce vagabundo
Que me faz rir da dor doída à beça.

Minha Finalidade

Turbilhão teleológico incoercível,
Que força alguma inibitória acalma,
Levou-me o crânio e pôs-lhe dentro a palma
Dos que amam apreender o Inapreensível!

Predeterminação imprescriptível
Oriunda da infra-astral Substância calma
Plasmou, aparelhou, talhou minha alma
Para cantar de preferência o Horrível!

Na canonização emocionante,
Da dor humana, sou maior que Dante,
– A águia dos latifúndios florentinos!

Sistematizo, soluçando, o Inferno…
E trago em mim, num sincronismo eterno
A fórmula de todos os destinos!

Soneto a Vera

Estavas sempre aqui, nesta paisagem.
E nela permaneces, neste assombro
do tempo que só é o que já fomos,
um céu parado sobre o mar do instante.

Vives subitamente em despedida,
calma de sonhos, simples visitante
daquilo que te cerca e do que fica
imóvel no que é breve, pouco e humano.

As regatas ao sol vêm da penumbra
onde abria as janelas. E de então,
vou ao campo de trevo, à tua espera.

O que passa persiste no que tenho:
a roupa no estendal, o muro, os pombos,
tudo é eterno quando nós o vemos.

Noitinha

A noite sobre nós se debruçou…
Minha alma ajoelha, põe as mãos e ora!
O luar, pelas colinas, nesta hora,
É água dum gomil que se entornou…

Não sei quem tanta pérola espalhou!
Murmura alguém pelas quebradas fora…
Flores do campo, humildes, mesmo agora.
A noite, os olhos brandos, lhes fechou…

Fumo beijando o colmo dos casais…
Serenidade idílica de fontes,
E a voz dos rouxinóis nos salgueirais…

Tranquilidade… calma… anoitecer…
Num êxtase, eu escuto pelos montes
O coração das pedras a bater…

Todo O Animal Da Calma Repousava

Todo o animal da calma repousava,
só Liso o ardor dela não sentia;
que o repouso do fogo em que ardia
consistia na Ninfa que buscava.

Os montes parecia que abalava
o triste som das mágoas que dezia;
mas nada o duro peito comovia,
que na vontade d’outrem posto estava.

Cansado já de andar pela espessura,
no tronco d’üa faia, por lembrança,
escreveu estas palavras de tristeza:

“Nunca ponha ninguém sua esperança
em peito feminil, que, de natura,
somente em ser mudável tem firmeza”.

Nimbos

Nimbos de bronze que empanais escuros
O santuário azul da Natureza,
Quando vos vejo, negros palinuros
Da tempestade negra e da tristeza,

Abismados na bruma enegrecida,
Julgo ver nos reflexos de minh’alma
As mesmas nuvens deslizando em calma,
Os nimbos das procelas desta vida;

Mas quando o céu é límpido, sem bruma
Que a transparência tolde, sem nenhuma
Nuvem sequer, então, num mar de esp’rança,

Que o céu reflete, a vida é qual risonho
Batel, e a alma é a Flâmula do sonho,
Que o guia e o leva ao porto da bonança.

Cega

Parece-me que a luz imaculada
Que vem do teu olhar, todo doçuras,
Não verte no meu ser aquelas puras
Delícias de outra era já passada.

Eu creio que essa pálpebra adorada
Não mais um flóreo empíreo de venturas
Descobre-me — na noite de amarguras,
De dúvidas intérminas cortada.

Não olhas como olhavas, rindo, outrora,
Não abres a pupila, como a aurora
Nascendo, abre, feliz, radiosa e calma.

A sombra, nos teus olhos, funda, existe!…
Tu’alma deve ser bem negra e triste
Se os olhos são, decerto, o espelho d’alma.

Caminho III

Fez-nos bem, muito bem, esta demora:
Enrijou a coragem fatigada…
Eis os nossos bordões da caminhada,
Vai já rompendo o sol: vamos embora.

Este vinho, mais virgem do que a aurora,
Tão virgem não o temos na jornada…
Enchamos as cabaças: pela estrada,
Daqui inda este néctar avigora!…

Cada um por seu lado!… Eu vou sozinho,
Eu quero arrostar só todo o caminho,
Eu posso resistir à grande calma!…

Deixai-me chorar mais e beber mais,
Perseguir doidamente os meus ideais,
E ter fé e sonhar – encher a alma.

Soneto de Contrição

Eu te amo, Maria, eu te amo tanto
Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.

Como a criança que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.

Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma…

E é uma calma tão feita de humildade
Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.

Contemplação

Nas crinas de cavalos reclinados
penteia o vento nuvens retorcidas
enquanto a sombra cai do céu calado
na relva da campina amanhecida.

Passeia o sol as hastes sublevadas
dos girassóis lambidos no rocio
que vaidosos se alçam na mirada
narcisos desse espelho em seu feitio.

A calma da manhã veste amarelo
e despe toda angústia na brandura
das cores desse dia sem duelo.

Sendo o perdido me acho sem procura
sofrendo tenho sido meu flagelo
mas esse olhar agora me inaugura.

Sonho Africano

Ei-lo em sua choupana. A lâmpada, suspensa
Ao teto, oscila; a um canto, um velho e ervado fimbo;
Entrando, porta dentro, o sol forma-lhe um nimbo
Cor de cinábrio em torno à carapinha densa.

Estira-se no chão… Tanta fadiga e doença!
Espreguiça, boceja… O apagado cachimbo
Na boca, nessa meia escuridão de limbo,
Mole, semicerrando os dúbios olhos, pensa…

Pensa na pátria, além… As florestas gigantes
Se estendem sob o azul, onde, cheios de mágoa,
Vivem negros reptis e enormes elefantes…

Calma em tudo. Dardeja o sol raios tranquilos…
Desce um rio, a cantar… Coalham-se à tona d’água
Em compacto apertão, os velhos crocodilos…

Post Coitum Animal Triste

Em ti o poema, o amplo tecido da água ou a forma
do segredo. Outrora conheceste a margem abandonada
do desejo, a sua extensão e principias a entregar
os vasos alongados para receberes as mãos das chuvas.

Apagaram-se junto dos teus olhos as praias, as árvores
que se ergueram um dia sobre as estradas romanas,
o vestígio dos últimos peregrinos, aves nuas
que já desceram, cansadas, pelo interior do teu peito.

Uma voz, no silêncio calmo das águas, esquece
a mentira das primeiras colheitas, onde os nossos gestos
perderam os sorrisos ou o orvalho que os cerca.

Serenamente, começaram a fechar-se os sonhos de Deus
no interior de novos frutos e, abandonado, fico
junto do teu corpo, onde principia a sombra deste poema.

O Mar Agita-se, como um Alucinado

O Mar agita-se, como um alucinado:
A sua espuma aflui, baba da sua Dor…
Posto o escafandro, com um passo cadenciado,
Desce ao fundo do Oceano algum mergulhador.

Dá-lhe um aspecto estranho a campânula imensa:
Lembra um bizarro Deus de algum pagode indiano:
Na cólera do Mar, pesa a sua Indiferença
Que o torna superior, e faz mesquinho o Oceano!

E em vão as ondas se lhe enroscam à cabeça:
Ele desce orgulhoso, impassível, sem pressa,
Com suprema altivez, com ironias calmas:

Assim devemos nós, Poetas, no Mundo entrar,
Sem nos deixarmos absorver por esse Mar
— Pois a Arte é, para nós, o escafandro das Almas!

Espelho (I)

O que sobrou de mim são essas sombras
Sobrada sobra, cinza dos minutos,
Que me alimenta os ossos da memória.

Nessa voragem vaga, um mar de calma
Lambendo vem a pressa em que me aposto
Na duração que escorre nessa arena.

Do fim regresso fera não domada
Ao mesmo pouso de ave renascida
Para o sol da surpresa nas janelas
Escancarando um solo transmutado.

De baixo para cima é que renovo
As vestes da sintaxe que componho
Clara inversão da jaula das palavras
Para fechar sem chave a minha sina.

A Um Gérmen

Começaste a existir, geléia crua,
E hás de crescer, no teu silêncio, tanto
Que, é natural, ainda algum dia, o pranto
Das tuas concreções plásmicas flua!

A água, em conjugação com a terra nua,
Vence o granito, deprimindo-o … O espanto
Convulsiona os espíritos, e, entanto,
Teu desenvolvimento continua!

Antes, geléia humana, não progridas
E em retrogradações indefinidas,
Volvas à antiga inexistência calma!…

Antes o Nada, oh! gérmen, que ainda haveres
De atingir, como o gérmen de outros seres,
Ao supremo infortúnio de ser alma!

Sombra

De olheiras roxas, roxas, quase pretas,
De olhos límpidos, doces, languescentes,
Lagos em calma, pálidos, dormentes
Onde se debruçassem violetas…

De mãos esguias, finas hastes quietas,
Que o vento não baloiça em noites quentes…
Nocturno de Chopin… risos dolentes…
Versos tristes em sonhos de Poetas…

Beijo doce de aromas perturbantes…
Rosal bendito que dá rosas… Dantes
Esta era Eu e Eu era a Idolatrada!…

Ah, cinzas mortas! Ah, luz que se apaga!
Vou sendo, em ti, agora, a sombra vaga
D’alguém que dobra a curva duma estrada…

Senhora I

No calmo colo pouso meus segredos
Senhora que sabeis minhas fraquezas.
convoco só convosco o que antecedo
na lira ensimesmada da incerteza.

Não sei se o vero verso do degredo
vem albergado ou presa de represa
das frias águas íntimas do medo
lavando o frágil lado da tristeza.

A depressiva face não mostrada
esplende em vosso espelho que me abriga
lambendo o sal dos olhos da geada.

Águas que são do orvalho da fadiga
de recorrentes gotas espalhadas
regando as vossas mãos de amada e amiga