Coração Confiante
O coração que sente vai sozinho,
Arrebatado, sem pavor, sem medo…
Leva dentro de si raro segredo
Que lhe serve de guia no Caminho.Vai no alvoroço, no celeste vinho
Da luz os bosques acordando cedo,
Quando de cada trĂŞmulo arvoredo
Parte o sonoro e matinal carinho.E o Coração vai nobre e vai confiante,
Festivo como a flâmula radiante
Agitada bizarra pelos ventos…Vai palpitando, ardente, emocionado
O velho Coração arrebatado,
Prerso por loucos arrebatamentos!
Sonetos sobre Caminhos
110 resultadosFuga
Amo um lugar assim, amo os lugares
onde há montanhas, selvas, passarinhos…
– onde o giz alvacento dos luares,
Ă noite, faz rabiscos de caminhos…Que bom ficarmos sempre assim, sozinhos…
quantas coisas depois, para lembrares!
Esta calma varanda… os meus carinhos…
Um silĂŞncio… que Ă© mĂşsica, nos ares…A porteira lá embaixo… a estrada, o fim…
Ah! Se pudéssemos nos esquecer
para onde segue aquela estrada, assim…Ah! Se pudĂ©ssemos pensar que aquela
estrada , ali adiante vai morrer…
– Como a vida, meu Deus, seria bela!
O Meu CondĂŁo
Quis Deus dar-me o condĂŁo de ser sensĂvel
Como o diamante Ă luz que o alumia,
Dar-me uma alma fantástica, impossĂvel:
– Um bailado de cor e fantasia!Quis Deus fazer de ti a ambrosia
Desta paixĂŁo estranha, ardente, incrĂvel!
Erguer em mim o facho inextinguĂvel,
Como um cinzel vincando uma agonia!Quis Deus fazer-me tua… para nada!
– VĂŁos, os meus braços de crucificada,
InĂşteis, esses beijos que te dei!Anda! Caminha! Aonde?… Mas por onde?…
Se a um gesto dos teus a sombra esconde
O caminho de estrelas que tracei…
Quando As Folhas CaĂrem Nos Caminhos
Quando as folhas caĂrem nos caminhos,
ao sentimentalismo do sol poente,
nĂłs dois iremos vagarosamente,
de braços dados, como dois velhinhos,e que dirá de nós toda essa gente,
quando passarmos mudos e juntinhos?
– “Como se amaram esses coitadinhos!
como ela vai, como ele vai contente!”E por onde eu passar e tu passares,
hĂŁo de seguir-nos todos os olhares
e debruçar-se as flores nos barrancos…E por nĂłs, na tristeza do sol posto,
hĂŁo de falar as rugas do meu rosto
hĂŁo de falar os teus cabelos brancos.
Soneto Do Amor Demais
Não, já não amo mais os passarinhos
A quem, triste, contei tanto segredo
Nem amo as flores despertadas cedo
Pelo vento orvalhado dos caminhos.NĂŁo amo mais as sombras do arvoredo
Em seu suave entardecer de ninhos
Nem amo receber outros carinhos
E até de amar a vida tenho medo.Tenho medo de amar o que de cada
Coisa que der resulte empobrecida
A paixĂŁo do que se der Ă coisa amadaE que nĂŁo sofra por desmerecida
Aquela que me deu tudo na vida
E que de mim sĂł quer amor – mais nada.
O Suspiro
Voai, brandos meninos tentadores,
Filhos de VĂ©nus, deuses da ternura,
Adoçai-me a saudade amarga e dura,
Levai-me este suspiro aos meus amores:Dizei-lhe que nasceu dos dissabores
Que influi nos corações a formosura;
Dizei-lhe que é penhor da fé mais pura,
Porção do mais leal dos amadores:Se o fado para mim sempre mesquinho,
A outro of’rece o bem de que me afasta,
E em ais lhe envia Ulina o seu carinho:Quando um deles soltar na esfera vasta,
Trazei-o a mim, torcendo-lhe o caminho;
Eu sou tĂŁo infeliz, que isso me basta.
Tarde Demais…
Quando chegaste enfim, para te ver
Abriu-se a noite em mágico luar;
E pra o som de teus passos conhecer
PĂ´s-se o silĂŞncio, em volta, a escutar…Chegaste enfim! Milagre de endoidar!
Viu-se nessa hora o que nĂŁo pode ser:
Em plena noite, a noite iluminar;
E as pedras do caminho florescer!Beijando a areia d’oiro dos desertos
Procura-te em vão! Braços abertos,
PĂ©s nus, olhos a rir, a boca em flor!E há cem anos que eu fui nova e linda!…
E a minha boca morta grita ainda:
“Por que chegaste tarde, Ă“ meu Amor?!…”
Elogio da Desconhecida
Ela. Seus braços vencidos,
Naus em procura do mar,
Caminhos brancos, compridos,
Que conduzem ao luar.Se ao meu pescoço os enrola
Eu julgo, com alegria,
Que trago ao pescoço o dia
Como se fosse uma gola.O Luar, lâmpada acesa
Pra alumiar Ă princesa
Que em meus olhos causa alarde.E o dia, longe, esquecido,
É um lençol estendido
Numa janela da Tarde.
Bondade
É a bondade que te faz formosa,
Que a alma te diviniza e transfigura;
É a bondade, a rosa da ternura,
Que te perfuma com perfume Ă rosa.Teu ser angelical de luz bondosa
Verte em meu ser a mais sutil doçura,
Uma celeste, lĂmpida frescura,
Um encanto, uma paz maravilhosa.Eu afronto contigo os vampirismos,
Os corruptos e mĂłrbidos abismos
Que em vĂŁo busquem tentar-me no Caminho.Na suave, na doce claridade,
No consolo, de amor dessa bondade
Bebo a tu’alma como etĂ©reo vinho.
Mala Com Alça
É da lama essa mala que retiro
para subir a encosta (como a pedra
que Sisifo ainda empurra todo dia)
numa viagem cheia de seqüelas.Não há como negar tantos espinhos
na travessia turva de mistérios
que vĂŁo-se descobrindo nos caminhos:
a mão negada, a fome, o vitupério,o rito solidário que esquecemos
em troca a vaidade transitĂłria.
Somos do barro e ao barro voltaremos.A verdade do Homem e de sua Hora
vem com mala e alça, disto sabemos,
mais o peso do corpo e sua histĂłria.
Mistério
Gosto de ti, Ăł chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.Dos teus pálidos dedos delicados
Uma alada canção palpita e ascende,
Frases que a nossa boca nĂŁo aprende
MurmĂşrios por caminhos desolados.Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lĂşgubre arrepio
Das sensações estranhas, dolorosas…Talvez um dia entenda o teu mistĂ©rio…
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome Ă s rosas!
Da Emenda
Concluido me tendo a mi comigo
De deixar o caminho que levava,
Vendo com razões claras quanto errava
Em nĂŁo me desviar do mais antigo.Pois no trabalho seu, no mor perigo,
Meu amigo consigo a mi me achava;
E quando no meu mal algum buscava,
Achava-me comigo sem amigo.Agora dei a volta por caminhos
De solitarios bosques enramados,
De feras bravas mansos passarinhos;Que ainda que entre espinhos conversados,
Mais quero pé descalço entre espinhos,
Que dos homens humanos espinhados.
6
(Ă€ morte da esposa)
Ó alma pura enquanto cá vivias,
Alma, lá onde vives, já mais pura,
Porque me desprezaste? Quem tĂŁo dura
Te tornou ao amor que me devias?Isto era o que mil vezes prometias,
Em que minha alma estava tĂŁo segura?
Que ambos juntos Da hora desta escura
Noute nos subiria aos claros dias?Como em tĂŁo triste cárcer’ me deixaste?
Como pude eu sem mi deixar partir-te?
Como vive este corpo sem sua alma?Ah! que o caminho tu bem mo mostraste,
Porque correste Ă gloriosa palma!
Triste de quem nĂŁo mereceu seguir-te!
Anoitecer
Ficou o céu descorado…
E a Noite, que se avizinha,
Vem descendo ao povoado,
Como trĂ´pega velhinha.Para a guiar com cuidado
Veio-lhe ao encontro a Tardinha,
NĂŁo fosse a Noite sozinha
Perder-se em caminho errado.Vão as duas caminhando…
E como o Sol já não arde,
Para o caminho ir mostrandoA primeira estrela brilha…
EntĂŁo diz a Noite Ă Tarde:
– Vai-te deitar minha filha.
IV
Como a floresta secular, sombria,
Virgem do passo humano e do machado,
Onde apenas, horrendo, ecoa o brado
Do tigre, e cuja agreste ramariaNĂŁo atravessa nunca a luz do dia,
Assim também, da luz do amor privado,
Tinhas o coração ermo e fechado,
Como a floresta secular, sombria…Hoje, entre os ramos, a canção sonora
Soltam festivamente os passarinhos.
Tinge o cimo das árvores a aurora…Palpitam flores, estremecem ninhos, . .
E o sol do amor, que nĂŁo entrava outrora,
Entra dourando a areia dos caminhos.
Paisagens De Inverno I
Ó meu coração, torna para trás.
Onde vais a correr, desatinado?
Meus olhos incendidos que o pecado
Queimou! – o sol! Volvei, noites de paz.Vergam da neve os olmos dos caminhos.
A cinza arrefeceu sobre o brasido.
Noites da serra, o casebre transido…
Ă“ meus olhos, cismai como os velhinhos.Extintas primaveras evocai-as:
– Já vai florir o pomar das maceiras.
Hemos de enfeitar os chapéus de maias.-Sossegai, esfriai, olhos febris.
-E hemos de ir cantar nas derradeiras
Ladainhas…Doces vozes senis…-
Soneto Da Perdida Esperança
Perdi o bonde e a esperança
Volto pálido para casa.
A rua Ă© inĂştil e nenhum auto
passaria sobre meu corpo.Vou subir a ladeira lenta
em que os caminhos se fundem.
Todos eles conduzem ao
princĂpio do drama e da flora.NĂŁo sei se estou sofrendo
ou se é alguém que se diverte
porque nĂŁo? na noite escassacom um insolĂşvel flautim.
Entretanto há muito tempo
nĂłs gritamos: sim! ao eterno.
Sonho Branco
De linho e rosas brancas vais vestido,
Sonho virgem que cantas no meu peito!…
És do Luar o claro deus eleito,
Das estrelas purĂssimas nascido.Por caminho aromal, enflorescido,
Alvo, sereno, lĂmpido, direito,
Segues radiante, no esplendor perfeito,
No perfeito esplendor indefinido…As aves sonorizam-te o caminho…
E as vestes frescas, do mais puro linho
E as rosas brancas dĂŁo-te um ar nevado…No entanto, Ă“ Sonho branco de quermesse!
Nessa alegria em que tu vais, parece
Que vais infantilmente amortalhado!
Aleluia! Aleluia!
Dentre um cortejo de harpas e alaĂşdes
Ă“ Arcanjo sereno, Arcanjo nĂveo,
Baixas-te Ă terra, ao mundanal convĂvio…
Pois que a terra te ajude, e tu me ajudes.Que tu me alentes nas batalhas rudes,
Que me tragas a flor de um doce alĂvio
Aos báratros, Ă s brenhas, ao declĂvio
Deste caminho de ânsias e ataĂşdes…Já que desceste das regiões celestes,
Nesse clarĂŁo flamĂvomo das vestes,
Através dos troféus da EternidadeTraz-me a Luz, traz-me a Paz, traz-me a Esperança
Para a minh’alma que de angĂşstias cansa,
Errando pelos claustros da Saudade!
Supremo Verbo
– Vai, Peregrino do caminho santo,
Faz da tu’alma lâmpada do cego,
Iluminando, pego sobre pego,
As invisĂveis amplidões do Pranto.Ei-lo, do Amor o Cálix sacrossanto!
Bebe-o, feliz, nas tuas mĂŁos o entrego…
És o filho leal, que eu não renego,
Que defendo nas dobras do meu manto.Assim ao Poeta a Natureza fala!
Enquanto ele estremece ao escutá-la,
Transfigurado de emoção, sorrindo…Sorrindo a cĂ©us que vĂŁo se desvendando,
A mundos que vĂŁo se multiplicando,
A portas de ouro que vĂŁo se abrindo!