Sonetos
Do som, da luz entre os joviais duetos,
Como uma chusma alada de gaivotas,
Vindos das largas amplidÔes remotas,
Batem as asas todos os sonetos.VĂŁo — por estradas, por difĂceis rotas,
Quatorze versos — entre dois quartetos
E duas belas e luzidas frotas
Rijas, seguras, de mais dois tercetos.Com a brunida lĂąmina da lima,
Vão céus radiosos, horizontes acima,
Pelas paragens lĂmpidas, gentis,Atravessando o campo das quimeras,
Aberto ao sol das flĂłreas primaveras,
Todo estrelado de ĂĄureos colibris.
Sonetos sobre Campo de Cruz e Souza
16 resultadosCanção De Abril
Vejo-te, enfim, alegre e satisfeita.
Ora bem, ora bem! — Vamos embora
Por estes campos e rosais afora
De onde a tribo das aves nos espreita.Deixa que eu faça a matinal colheita
Dos teus sonhos azuis em cada aurora,
Agora que este abril nos canta, agora,
A florida canção que nos deleita.Solta essa fulva cabeleira de ouro
E vem, subjuga com teu busto louro
O sol que os mundos vai radiando e abrindo.E verĂĄs, ao raiar dessa beleza,
Nesse esplendor da virgem natureza,
Astros e flores palpitando e rindo.
Frutas E Flores
Laranjas e morangos — quanto Ă s frutas,
Quanto às flores, porém, ah! quanto às flores,
Trago-te dĂĄlias rubras, d’essas cores
Das brilhantes auroras impolutas.Venho de ouvir as misteriosas lutas
Do mar chorando lĂĄgrimas de amores;
Isto Ă©, venho de estar entre os verdores
De um sĂtio cheio de asperezas brutas,Mas onde as almas — pĂĄssaros que voam —
Vivem sorrindo Ă s mĂșsicas que ecoam
Dos campos livres na rural pobreza.Trago-te frutas, flores, sĂł apenas,
Porque não pude, irmã das açucenas,
Trazer-te o mar e toda a natureza!
Campesinas I
Camponesa, camponesa,
Ah! quem contigo vivesse
Dia e noite e amanhecesse
Ao sol da tua beleza.Quem livre, na natureza,
Pelos campos se perdesse
E apenas em ti sĂł cresse
E em nada mais, camponesa.Quem contigo andasse Ă toa
Nas margens duma lagoa,
Por vergéis e por desertos,Beijando-te o corpo airoso,
TĂŁo fresco e tĂŁo perfumoso,
Cheirando a figos abertos.
PlenilĂșnio
VĂȘs este cĂ©u tĂŁo lĂmpido e constelado
E este luar que em fĂșlgida cascata,
Cai, rola, cai, nuns borbotĂ”es de prata…
VĂȘs este cĂ©u de mĂĄrmore azulado…VĂȘs este campo intĂ©rmino, encharcado
Da luz que a lua aos pĂĄramos desata…
VĂȘs este vĂ©u que branco se dilata
Pelo verdor do campo iluminado…VĂȘs estes rios, tĂŁo fosforescentes,
Cheios duns tons, duns prismas reluzentes,
VĂȘs estes rios cheios de ardentias…VĂȘs esta mole e transparente gaze…
Pois Ă©, como isso me parecem quase
Iguais, assim, Ă s nossas alegrias!
Cristo E A AdĂșltera
(Grupo de Bernardelli)
Sente-se a extrema comoção do artista
No grupo ideal de plĂĄcida candura,
Nesse esplendor tĂŁo fino da escultura
Para onde a luz de todo o olhar enrista.Que campo, ali, de rĂștila conquista
Deve rasgar, do mĂĄrmore na alvura,
O estatuĂĄrio — que amplidĂŁo segura
Tem — de alma e braço, de razĂŁo e vista!VĂȘ-se a mulher que implora, ajoelhada,
A mais serena compaixĂŁo sagrada
De um Cristo feito a largos tons gloriosos.De um Nazareno compassivo e terno,
D’olhos que lembram, cheios de falerno,
Dois inefåveis coraçÔes piedosos!
Campesinas III
As papoulas da saĂșde
Trouxeram-te um ar mais novo,
Ă bela filha do povo,
Rosa aberta de virtude.Do campo viçoso e rude
Regressas, como um renovo,
E eu ao ver-te, os olhos movo
De um modo que nunca pude.Bravo ao campo e bravo a seara
Que deram-te a pele clara
SĂŁo rubores de alvorada.Que esses teus beijos agora
Tenham sabores de amora
E de romĂŁ estalada.
Campesinas II
De cabelos desmanchados,
Tu, teus olhos luminosos
Recordam-me uns saborosos
E raros frutos de prados.Assim negros e quebrados,
Profundos, grandes, formosos,
ContĂȘm fluidos vaporosos
SĂŁo como campos mondados.Quando soltas os cabelos
Repletos de pesadelos
E de perfumes de ervagens;Teus olhos, flor das violetas,
Lembram certas uvas pretas
Metidas entre folhagens.
Monja
Ă Lua, Lua triste, amargurada,
Fantasma de brancuras vaporosas,
A tua nĂvea luz ciliciada
Faz murchecer e congelar as rosas.Nas flĂłridas searas ondulosas,
Cuja folhagem brilha fosforeada,
Passam sombras angélicas, nivosas,
Lua, Monja da cela constelada.Filtros dormentes dĂŁo aos lagos quietos,
Ao mar, ao campo, os sonhos mais secretos,
Que vĂŁo pelo ar, noctĂąmbulos, pairando…EntĂŁo, Ăł Monja branca dos espaços,
Parece que abres para mim os braços,
Fria, de joelhos, trĂȘmula, rezando…
Ăxtase De MĂĄrmore
Ă grande atriz ApolĂŽnia.
O mĂĄrmore profundo e cinzelado
De uma estĂĄtua viril, deliciosa;
Essa pedra que geme, anseia e goza
Num misticismo altĂssimo e calado;Essa pedra imortal — campo rasgado
A comoção mais Ăntima e nervosa
Da alma do artista, de um frescor de rosa,
Feita do azul de um céu muito azulado;Se te visse o clarão que pelos ombros
Teus, rola, cai, nos mĂșltiplos assombros
Da Arte sonora, plena de harmonia;O mĂĄrmore feliz que Ă© muito artista
TambĂ©m — como tu Ă©s — Ă tua vista
De humildade e ciĂșme, coraria!
Campesinas IX
Morreste no campo um dia,
Como uma flor desprezada.
Clareava a madrugada
Azul, vaporosa e fria.Sobre a agreste serrania,
Numa ermida branqueada
Por uma manhĂŁ doirada
Um sino repercutia.Teu caixĂŁo, de camponesas
E camponeses seguido,
Desceu abaixo Ă s devesas.Ganhou o atalho comprido
De casas em correntezas
E entrou num campo florido.
Estas Risadas
Estas risadas lĂmpidas e frescas
Que Pan trauteia em cĂĄlamos maviosos
Nesta amplidĂŁo dos campos verdurosos,
Nestas paisagens flĂłreas, pitorescas;Toda esta pompa e gala principescas
Destas searas, destes altanosos
Montes e vĂĄrzeas, prados vigorosos,
Louros — talvez como as visĂ”es tudescas;Este luxuoso e rico paramento,
Feito de luz e de deslumbramento
— Do grande altar da natureza imensa.Aguarda o poeta sacerdote augusto,
Para cantar no seu missal robusto,
A nova Missa da razĂŁo que pensa…
PlangĂȘncia Da Tarde
Quando do campo as prĂłfugas ovelhas
Voltam a tarde, lépidas, balando
Com elas o pastor volta cantando
E fulge o ocaso em convulsÔes vermelhas.Nos beirados das casas, sobre as telhas
Das andorinhas esvoaça o bando…
E o mar, tranqĂŒilo, fica cintilando
Do sol que morre as Ășltimas centelhas.O azul dos montes vago na distĂąncia…
No bosque, no ar, a cĂąndida fragrĂąncia
Dos aromas vitais que a tarde exala.Ăs vezes, longe, solta, na esplanada,
A ovelha errante, tonta e desgarrada,
Perdida e triste pelos ermos bala …
Luar
Ao longo das lourĂssimas searas
Caiu a noite taciturna e fria…
Cessou no espaço a lĂmpida harmonia
Das infinitas perspectivas claras.As estrelas no céu, puras e raras,
Como um cristal que nĂtido radia,
Abrem da noite na mudez sombria
O cofre ideal de pedrarias caras.Mas uma luz aos poucos vai subindo
Como do largo mar ao firmamento — abrindo
Largo clarĂŁo em flocos d’escomilha.Vai subindo, subindo o firmamento!
E branca e doce e nĂvea, lento e lento,
A lua cheia pelos campos brilha…
Ănico RemĂ©dio
Como a chama que sobe e que se apaga
Sobem as vidas a espiral de Inferno.
O desespero Ă© como o fogo eterno
Que o campo quieo em convulçÔes alaga…Tudo Ă© veneno, tudo cardo e praga!
E al almas que tĂȘm sede de falerno
Bebem apenas o licor moderno
Do tédio pessimista que as esmaga.Mas a Caveira vem se aproximando,
Vem exótica e nua, vem dançando,
No estrambotismo lĂșgubre vem vindo.E tudo acaba entĂŁo no horror insano –
– Desespero do Inferno e tĂ©dio humano –
Quando, d’esguelha, a Morte surge, rindo…
A Fonte De Ăguas Cristalinas Corre
A fonte de ĂĄguas cristalinas corre
Chamalotes de prata levantando,
E através de arvoredos murmurando,
Entre arvoredos murmurando morre…No ocaso, o sol, a luz no oceano escorre
E sempre vejo, as sombras afrontando,
Uma mulher que canta e ri, lavando,
Mesmo que o sol muito abrasado jorre.Ă verde o campo, deleitĂĄvel e ermo.
Påssaros cortam vastidÔes sem termo,
Borboletas azuis roçam nas åguas.E cantando, a mulher, a rir a face,
Lava cantando como se lavasse
As suas grandes e profundas mĂĄgoas.