Sonetos sobre Carne

89 resultados
Sonetos de carne escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Salomé

Insónia rôxa. A luz a virgular-se em mêdo,
Luz morta de luar, mais Alma do que a lua…
Ela dança, ela range. A carne, alcool de nua,
Alastra-se pra mim num espasmo de segrêdo…

Tudo é capricho ao seu redór, em sombras fátuas…
O arôma endoideceu, upou-se em côr, quebrou…
Tenho frio… Alabastro!… A minh’Alma parou…
E o seu corpo resvala a projectar estátuas…

Ela chama-me em Iris. Nimba-se a perder-me,
Golfa-me os seios nus, ecôa-me em quebranto…
Timbres, elmos, punhais… A doida quer morrer-me:

Mordoura-se a chorar–ha sexos no seu pranto…
Ergo-me em som, oscilo, e parto, e vou arder-me
Na bôca imperial que humanisou um Santo…

Mancebo Sem Dinheiro, Bom Barrete

Mancebo sem dinheiro, bom barrete,
Medíocre o vestido, bom sapato,
Meias velhas, calção de esfola-gato,
Cabelo penteado, bom topete.

Presumir de dançar, cantar falsete,
Jogo de fidalguia, bom barato,
Tirar falsídia ao Moço do seu trato,
Furtar a carne à ama, que promete.

A putinha aldeã achada em feira,
Eterno murmurar de alheias famas,
Soneto infame, sátira elegante.

Cartinhas de trocado para a Freira,
Comer boi, ser Quixote com as Damas,
Pouco estudo, isto é ser estudante.

Volúpia Imortal

Cuidas que o genesíaco prazer,
Fome do átomo e eurítmico transporte
De todas as moléculas, aborte
Na hora em que a nossa carne apodrecer?!

Não! Essa luz radial, em que arde o Ser,
Para a perpetuação da Espécie forte,
Tragicamente, ainda depois da morte,
Dentro dos ossos, continua a arder!

Surdos destarte a apóstrofes e brados,
Os nossos esqueletos descamados,
Em convulsivas contorções sensuais,

Haurindo o gás sulfídrico das covas,
Com essa volúpia das ossadas novas
Hão de ainda se apertar cada vez mais!

Ecce Homo

Desbaratamos deuses, procurando
Um que nos satisfaça ou justifique.
Desbaratamos esperança, imaginando
Uma causa maior que nos explique.

Pensando nos secamos e perdemos
Esta força selvagem e secreta,
Esta semente agreste que trazemos
E gera heróis e homens e poetas.

Pois deuses somos nós. Deuses do fogo
Malhando-nos a carne, até que em brasa
Nossos sexos furiosos se confundam,

Nossos corpos pensantes se entrelacem
E sangue, raiva, desespero ou asa,
Os filhos que tivermos forem nossos.

Versos A Um Coveiro

Numerar sepulturas e carneiros,
Reduzir carnes podres a algarismos,
Tal é, sem complicados silogismos,
A aritmética hedionda dos coveiros!

Um, dois, três, quatro, cinco… Esoterismos
Da Morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros,
Na progressão dos números inteiros
A gênese de todos os abismos!

Oh! Pitágoras da última aritmética,
Continua a contar na paz ascética
Dos tábidos carneiros sepulcrais

Tíbias, cérebros, crânios, rádios e úmeros,
Porque, infinita como os próprios números
A tua conta não acaba mais!

Vénus

I

À flor da vaga, o seu cabelo verde,
Que o torvelinho enreda e desenreda…
O cheiro a carne que nos embebeda!
Em que desvios a razão se perde!

Pútrido o ventre, azul e aglutinoso,
Que a onda, crassa, num balanço alaga,
E reflui (um olfato que se embriaga)
Como em um sorvo, murmura de gozo.

O seu esboço, na marinha turva…
De pé flutua, levemente curva;
Ficam-lhe os pés atrás, como voando…

E as ondas lutam, como feras mugem,
A lia em que a desfazem disputando,
E arrastando-a na areia, co’a salsugem.

II

Singra o navio. Sob a água clara
Vê-se o fundo do mar, de areia fina…
_ Impecável figura peregrina,
A distância sem fim que nos separa!

Seixinhos da mais alva porcelana,
Conchinhas tenuemente cor de rosa,
Na fria transparência luminosa
Repousam, fundos, sob a água plana.

E a vista sonda, reconstrui, compara,
Tantos naufrágios, perdições, destroços!
_ Ó fúlgida visão, linda mentira!

Róseas unhinhas que a maré partira…
Dentinhos que o vaivém desengastara…

Continue lendo…

Soneto Da Mulher E A Nuvem

A João Cabral de Melo Neto

Nuvem no céu do nunca, nem tão branca
– assim era o amor, à minha espreita,
e era a mulher, de nuvens sempre feita
e de véus e pudor que o amor arranca.

Não pude amá-la, pois não era franca
a sua carne que o amor aceita,
nuvem que um céu de amor sempre atravanca
e entre praias e pântanos se deita.

Bruma de carne, em vão céu de tormento,
parindo fogo aos meus dezesseis anos,
assim foi ela, sem deixar seu nome.

Nunca foi minha, e só em pensamento
eu pude dar-lhe o amor de desenganos
que me deixou no corpo espanto e fome.

Dilacerações

Ó carnes que eu amei sangrentamente,
Ó volúpias letais e dolorosas,
Essências de heliótropos e de rosas
De essência morna, tropical, dolente…

Carnes virgens e tépidas do Oriente
Do Sonho e das Estrelas fabulosas,
Carnes acerbas e maravilhosas,
Tentadoras do sol intensamente…

Passai, dilaceradas pelos zeros,
Através dos profundos pesadelos
Que me apunhalam de mortais horrores…

Passai, passai, desfeitas em tormentos,
Em lágrimas, em prantos, em lamentos,
Em ais, em luto, em convulsões, em cores…

Sensual

Ainda sinto o teu corpo ao meu corpo colado;
nos lábios, a volúpia ardente do teu beijo;
no quarto a solidão, desnuda, ainda te vejo,
a olhar-me com olhar nervoso e apaixonado…

Partiste!… Mas no peito ainda sinto a ânsia e o latejo
daquele último abraço inquieto e demorado…
– Na quentura do espaço a transpirar pecado,
Ainda baila a figura estranha do desejo…

Não posso mais viver sem ter-te nos meus braços!
– Quando longe tu estás, minha alma se alvoroça
julgando ouvir no quarto o ruído dos teus passos…

Na lembrança revejo os momentos felizes,
e chego a acredita que a minha carne moça
na tua carne moça até criou raízes!…