Carlos Gomes
Essa que plange, que soluça e pensa,
Amorosa e febril, tĂmida e casta,
Lira que raiva, lira que devasta,
E que dos prĂłprios sons vive suspensa.Guarda nas costas uma escala imensa,
Que, quando rompe, espaço fora, arrasta
Ora do mar as queixas ora a vasta
Sussurração de uma floresta densa.Ei-la muda, mas tal intensidade
Teve a mĂșsica enorme do seu choro
O dilĂșvio orquestral dos seus lamentos.Que muda assim, rotas as cordas hĂĄ de
Para sempre vibrar o eco sonoro
Que sua alma lançou aos quatro ventos.
Sonetos sobre Casta
17 resultadosSoneto De Maio
Suavemente Maio se insinua
Por entre os vĂ©us de Abril, o mĂȘs cruel
E lava o ar de anil, alegra a rua
Alumbra os astros e aproxima o céu.Até a lua, a casta e branca lua
Esquecido o pudor, baixa o dossel
E em seu leito de plumas fica nua
A destilar seu luminoso mel.Raia a aurora tĂŁo tĂmida e tĂŁo fragil
Que através do seu corpo tranparente
Dir-se-ia poder-se ver o rostoCarregado de inveja e de pressĂĄgio
Dos irmĂŁos Junho e Julho, friamente
Preparando as catĂĄstrofes de AgostoâŠ
Nerah
(Inspirado no elegante conto de VirgĂlio VĂĄrzea)
A VĂtor LobatoNerah nĂŁo brinca mais, nĂŁo dança mais. â E agora
Que vĂŁo-se apropinquando os tempos invernosos,
Nerah traz uns receios tĂmidos, nervosos,
De quem teme mudar-se em noite, sendo aurora.Seus sonhos de cristal, translĂșcidos, antigos
Se vĂŁo embora, embora Ă vinda dos invernos,
Seguindo em debandada os Ășmidos galernos â
â lembrando um roto bando informe de mendigos.NĂŁo canta o sabiĂĄ que triste na gaiola,
Parece, com o olhar, pedir-lhe a casta esmola
De um riso â aquela flor que esvai-se, branca e fria.Em tudo a fina seta aguda de afliçÔes!
Na própria atmosfera um caos de interjeiçÔes!
Em tudo uma mortalha, em tudo uma agonia.
Regina Martyrum
LĂrio do CĂ©u, sagrada criatura,
Mãe das crianças e dos pecadores,
Alma divina como a luz e as flores
Das virgens castas a mais casta e pura;Do Azul imenso, dâessa imensa altura
Para onde voam nossas grandes dores,
Desce os teus olhos cheios de fulgores
Sobre os meus olhos cheios de amargura!Na dor sem termo pela negra estrada
Vou caminhando a sĂłs, desatinada,
â Ai! pobre cega sem amparo ou guia! âSĂȘ tu a mĂŁo que me conduza ao portoâŠ
Ă doce mĂŁe da luz e do conforto,
Ilumina o terror dâesta agonia!
AusĂȘncia Misteriosa
Uma hora sĂł que o teu perfil se afasta,
Um instante sequer, um sĂł minuto
Desta casa que amo â vago luto
Envolve logo esta morada casta.Tua presença delicada basta
Para tudo tornar claro e impolutoâŠ
Na tua ausĂȘncia, da Saudade escuto
O pranto que me prende e que me arrastaâŠSecretas e sutis melancolias
Recuadas na Noite dos meus dias
VĂȘm para mim, lentas, se aproximando.E em toda casa, nos objetos, erra
Um sentimento que nĂŁo Ă© da Terra
E que eu mudo e sozinho vou sonhandoâŠ
Pelos Extremos Raros Que Mostrou
Pelos extremos raros que mostrou
em saber, Palas, VĂ©nus em fermosa,
Diana em casta, Juno em animosa,
Ăfrica, Europa e Asia as adorou.Aquele saber grande que ajuntou
esprito e corpo em liga generosa,
esta mundana mĂĄquina lustrosa,
de sĂł quatro Elementos fabricou.Mas mor milagre fez a natureza
em vĂłs, Senhoras, pondo em cada ĂŒa
o que por todas quatro repartiu.A vĂłs seu resplandor deu Sol e LĂŒa,
a vós com viva luz, graça e pureza,
Ar, Fogo, Terra e Ăgua vos serviu.
Braços
Braços nervosos, brancas opulĂȘncias,
Brumais brancuras, fulgidas brancuras,
Alvuras castas, virginais alvuras,
LactescĂȘncias das raras lactescĂȘncias.As fascinantes, mĂłrbidas dormĂȘncias
Dos teus abraços de letais flexuras,
Produzem sensaçÔes de agres torturas,
Dos desejos as mornas florescĂȘncias.Braços nervosos, tentadoras serpes
Que prendem, tetanizam como os herpes,
Dos delĂrios na trĂȘmula coorteâŠPompa de carnes tĂ©pidas e flĂłreas,
Braços de estranhas correçÔes marmóreas,
Abertos para o Amor e para a Morte!
Dormindo
PĂĄlida, bela, escultural, clorĂłtica
Sobre o divĂŁ suavĂssimo deitada,
Ela lembrava â a pĂĄlpebra cerrada â
Uma ilusão esplendida de ótica.A peregrina carnação das formas,
â o sensual e lĂmpido contorno,
Tinham esse quĂȘ de avĂ©rnico e de morno,
Davam a Zola as mais corretas normas!âŠEla dormia como a VĂȘnus casta
E a negra coma aveludada e basta
Lhe resvalava sobre o doce flancoâŠEnquanto o luar â pela janela aberta â
â como uma vaga exclamação â incerta
Entrava a flux â cascateado â branco!!âŠ
Anima Mea
Ă minhâalma, Ăł minhâalma, Ăł meu Abrigo,
Meu sol e minha sombra peregrina,
Luz imortal que os mundos ilumina
Do velho Sonho, meu fiel Amigo!Estrada ideal de SĂŁo Tiago, antigo
Templo da minha fé casta e divina,
De onde Ă© que vem toda esta mĂĄgoa fina
Que é, no entanto, consolo e que eu bendigo?De onde é que vem tanta esperança vaga,
De onde vem tanto anseio que me alaga,
Tanta diluĂda e sempiterna mĂĄgoa?Ah! de onde vem toda essa estranha essĂȘncia
De tanta misteriosa TranscendĂȘncia
Que estes olhos me dixam rasos de ĂĄgua?!
A VĂłs Seu Resplendor Deu Sol e Lua
Pelos raros extremos que mostrou
Em sĂĄbia Palas, VĂ©nus em formosa,
Diana em casta, Juno em animosa,
Ăfrica, Europa e Ăsia as adorou.Aquele saber grande que juntou
EspĂrito e corpo em liga generosa,
Esta mundana mĂĄquina lustrosa
De sĂł quatro elementos fabricou.Mas fez maior milagre a natureza
Em vĂłs, Senhoras, pondo em cada uma
O que por todas quatro repartiu.A vĂłs seu resplendor deu Sol e Lua:
A vós com viva luz, graça e pureza,
Ar, Fogo, Terra e Ăgua vos serviu.
Aparição
Um dia, meu amor (e talvez cedo,
Que jå sinto estalar-me o coração!)
RecordarĂĄs com dor e compaixĂŁo
As ternas juras que te fiz a medoâŠEntĂŁo, da casta alcova no segredo,
Da lamparina ao trémulo clarão,
Ante ti surgirei, espectro vĂŁo,
Larva fugida ao sepulcral degredoâŠE tu, meu anjo, ao ver-me, entre gemidos
E aflitos ais, estenderås os braços
Tentando segurar-te aos meus vestidosâŠâ «Ouve! espera!» â Mas eu, sem te escutar,
Fugirei, como um sonho, aos teus abraços
E como fumo sumir-me-ei no ar!
IrradiaçÔes
Ăs crianças
Qual da amplidĂŁo fantĂĄstica e serena
Ă luz vermelha e rĂștila da aurora
Cai, gota a gota, o orvalho que avigora
A imaculada e cùndida açucena.Como na cruz, da triste Madalena
Aos pés de Cristo, a lågrima sonora
Caia, rolou, qual bĂĄlsamo que irrora
A negra mĂĄgoa, a indefinida penaâŠCaia por vĂłs, esplĂȘndidas crianças
Bando feliz de castas esperanças,
Sonhos da estrela no infinito imersas;Caia por vĂłs, as mĂșsicas formosas,
Como um dilĂșvio matinal de rosas,
Todo o luar benéfico dos versos!
XXVI
Quando cantas, minhâalma desprezando
O invĂłlucro do corpo, ascende Ă s belas
Altas esferas de ouro, e, acima delas,
Ouve arcanjos as cĂtaras pulsando.Corre os paĂses longes, que revelas
Ao som divino do teu canto: e, quando
Baixas a voz, ela também, chorando,
Desce, entre os claros grupos das estrelas.E expira a tua voz. Do paraĂso,
A que subira ouvĂndo-te, caĂdo,
Fico a fitar-te pĂĄlido, indecisoâŠE enquanto cismas, sorridente e casta,
A teus pés, como um påssaro ferido,
Toda a minhâalma trĂȘmula se arrasta.
A Joven Miss
Ella Ă© tĂŁo loura, lyrica, franzina,
TĂŁo mimosa, quieta, e virginal,
Como uma bella virgem dâum missal
Toda dourada, e preciosa e fina!Não ha graça mais casta e femenina
Do que a dâella! Seu riso angelical
Cria em nĂłs todo um mundo de moral,
Melhor que tudo o que PlatĂŁo ensina!Por isso; e pela sua castidade,
Deve ser goso intenso, na verdade,
Sentir fundir-se em nós seus olhos regios!..E o goso de a beijar trémula, amante,
Deve ser quasi extranho! â e semelhante
Ao de fazer terriveis sacrilegios.
Os Castrados
HĂĄ muitos tipos de castrados.
HĂĄ os da casta de cantores
que se afinam na voz mais fina
aleijÔes de seus dissabores.Hå os de vida feminina
de tarefas vis sem pudores
aios de haréns de concubinas
os assexuados sem rumores.São todos eunucos forçados
vĂtimas do mando de autores:
os sultÔes de sanha assassina
que gozam no estertor das dores.Castrados morais tĂȘm escrotos,
mas gozam com sexo dos outros.
Velho Tema V
âAlma serena e casta, que eu persigo
Com o meu sonho de amo e de pecado,
Abençoado seja, abençoado
O rigor que te salva e Ă© meu castigo.Assim desvies sempre do meu lado
Os teus olhos; nem ouças o que eu digo;
E assim possa morrer, morrer comigo,
Este amor criminoso e condenado.SĂȘ sempre pura! Eu com denodo enjeito
Uma ventura obtida com teu dano,
Bem meu que de teus males fosse feito.âAssim penso, assim quero, assim me enganoâŠ
Como se nĂŁo sentisse que em meu peito
Pulsa o covarde coração humano.
7A Sombra â Dulce
Se houvesse ainda talismĂŁ bendito
Que desse ao pĂąntano â a corrente pura,
Musgo â ao rochedo, festa â Ă sepultura,
Das ĂĄguias negras â harmonia ao gritoâŠ,Se alguĂ©m pudesse ao infeliz precito
Dar lugar no banquete da venturaâŠ
E tocar-lhe o velar da insĂŽnia escura
No poema dos beijos â infinitoâŠ,Certo. . . serias tu, donzela casta,
Quem me tomasse em meio do CalvĂĄrio
A cruz de angĂșstias que o meu ser arrasta!. . .Mas ,se tudo recusa-me o fadĂĄrio,
Na hora de expirar, Ăł Dulce, basta
Morrer beijando a cruz de teu rosĂĄrio!âŠ