Sonetos sobre Casta

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Sonetos de casta escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Carlos Gomes

Essa que plange, que soluça e pensa,
Amorosa e febril, tĂ­mida e casta,
Lira que raiva, lira que devasta,
E que dos prĂłprios sons vive suspensa.

Guarda nas costas uma escala imensa,
Que, quando rompe, espaço fora, arrasta
Ora do mar as queixas ora a vasta
Sussurração de uma floresta densa.

Ei-la muda, mas tal intensidade
Teve a mĂșsica enorme do seu choro
O dilĂșvio orquestral dos seus lamentos.

Que muda assim, rotas as cordas hĂĄ de
Para sempre vibrar o eco sonoro
Que sua alma lançou aos quatro ventos.

Soneto De Maio

Suavemente Maio se insinua
Por entre os vĂ©us de Abril, o mĂȘs cruel
E lava o ar de anil, alegra a rua
Alumbra os astros e aproxima o céu.

Até a lua, a casta e branca lua
Esquecido o pudor, baixa o dossel
E em seu leito de plumas fica nua
A destilar seu luminoso mel.

Raia a aurora tĂŁo tĂ­mida e tĂŁo fragil
Que através do seu corpo tranparente
Dir-se-ia poder-se ver o rosto

Carregado de inveja e de pressĂĄgio
Dos irmĂŁos Junho e Julho, friamente
Preparando as catástrofes de Agosto


Nerah

(Inspirado no elegante conto de VirgĂ­lio VĂĄrzea)
A VĂ­tor Lobato

Nerah não brinca mais, não dança mais. — E agora
Que vĂŁo-se apropinquando os tempos invernosos,
Nerah traz uns receios tĂ­midos, nervosos,
De quem teme mudar-se em noite, sendo aurora.

Seus sonhos de cristal, translĂșcidos, antigos
Se vĂŁo embora, embora Ă  vinda dos invernos,
Seguindo em debandada os Ășmidos galernos —
— lembrando um roto bando informe de mendigos.

NĂŁo canta o sabiĂĄ que triste na gaiola,
Parece, com o olhar, pedir-lhe a casta esmola
De um riso — aquela flor que esvai-se, branca e fria.

Em tudo a fina seta aguda de afliçÔes!
Na própria atmosfera um caos de interjeiçÔes!
Em tudo uma mortalha, em tudo uma agonia.

Regina Martyrum

LĂ­rio do CĂ©u, sagrada criatura,
Mãe das crianças e dos pecadores,
Alma divina como a luz e as flores
Das virgens castas a mais casta e pura;

Do Azul imenso, d’essa imensa altura
Para onde voam nossas grandes dores,
Desce os teus olhos cheios de fulgores
Sobre os meus olhos cheios de amargura!

Na dor sem termo pela negra estrada
Vou caminhando a sĂłs, desatinada,
– Ai! pobre cega sem amparo ou guia! –

SĂȘ tu a mĂŁo que me conduza ao porto

Ó doce mãe da luz e do conforto,
Ilumina o terror d’esta agonia!

AusĂȘncia Misteriosa

Uma hora sĂł que o teu perfil se afasta,
Um instante sequer, um sĂł minuto
Desta casa que amo — vago luto
Envolve logo esta morada casta.

Tua presença delicada basta
Para tudo tornar claro e impoluto

Na tua ausĂȘncia, da Saudade escuto
O pranto que me prende e que me arrasta


Secretas e sutis melancolias
Recuadas na Noite dos meus dias
VĂȘm para mim, lentas, se aproximando.

E em toda casa, nos objetos, erra
Um sentimento que nĂŁo Ă© da Terra
E que eu mudo e sozinho vou sonhando


Pelos Extremos Raros Que Mostrou

Pelos extremos raros que mostrou
em saber, Palas, VĂ©nus em fermosa,
Diana em casta, Juno em animosa,
África, Europa e Asia as adorou.

Aquele saber grande que ajuntou
esprito e corpo em liga generosa,
esta mundana mĂĄquina lustrosa,
de sĂł quatro Elementos fabricou.

Mas mor milagre fez a natureza
em vĂłs, Senhoras, pondo em cada ĂŒa
o que por todas quatro repartiu.

A vĂłs seu resplandor deu Sol e LĂŒa,
a vós com viva luz, graça e pureza,
Ar, Fogo, Terra e Água vos serviu.

Braços

Braços nervosos, brancas opulĂȘncias,
Brumais brancuras, fulgidas brancuras,
Alvuras castas, virginais alvuras,
LactescĂȘncias das raras lactescĂȘncias.

As fascinantes, mĂłrbidas dormĂȘncias
Dos teus abraços de letais flexuras,
Produzem sensaçÔes de agres torturas,
Dos desejos as mornas florescĂȘncias.

Braços nervosos, tentadoras serpes
Que prendem, tetanizam como os herpes,
Dos delĂ­rios na trĂȘmula coorte


Pompa de carnes tépidas e flóreas,
Braços de estranhas correçÔes marmóreas,
Abertos para o Amor e para a Morte!

Dormindo

PĂĄlida, bela, escultural, clorĂłtica
Sobre o divĂŁ suavĂ­ssimo deitada,
Ela lembrava — a pálpebra cerrada —
Uma ilusĂŁo esplendida de Ăłtica.

A peregrina carnação das formas,
— o sensual e límpido contorno,
Tinham esse quĂȘ de avĂ©rnico e de morno,
Davam a Zola as mais corretas normas!


Ela dormia como a VĂȘnus casta
E a negra coma aveludada e basta
Lhe resvalava sobre o doce flanco


Enquanto o luar — pela janela aberta —
— como uma vaga exclamação — incerta
Entrava a flux — cascateado — branco!!


Anima Mea

Ó minh’alma, ó minh’alma, ó meu Abrigo,
Meu sol e minha sombra peregrina,
Luz imortal que os mundos ilumina
Do velho Sonho, meu fiel Amigo!

Estrada ideal de SĂŁo Tiago, antigo
Templo da minha fé casta e divina,
De onde Ă© que vem toda esta mĂĄgoa fina
Que Ă©, no entanto, consolo e que eu bendigo?

De onde é que vem tanta esperança vaga,
De onde vem tanto anseio que me alaga,
Tanta diluĂ­da e sempiterna mĂĄgoa?

Ah! de onde vem toda essa estranha essĂȘncia
De tanta misteriosa TranscendĂȘncia
Que estes olhos me dixam rasos de ĂĄgua?!

A VĂłs Seu Resplendor Deu Sol e Lua

Pelos raros extremos que mostrou
Em sĂĄbia Palas, VĂ©nus em formosa,
Diana em casta, Juno em animosa,
África, Europa e Ásia as adorou.

Aquele saber grande que juntou
EspĂ­rito e corpo em liga generosa,
Esta mundana mĂĄquina lustrosa
De sĂł quatro elementos fabricou.

Mas fez maior milagre a natureza
Em vĂłs, Senhoras, pondo em cada uma
O que por todas quatro repartiu.

A vĂłs seu resplendor deu Sol e Lua:
A vós com viva luz, graça e pureza,
Ar, Fogo, Terra e Água vos serviu.

Aparição

Um dia, meu amor (e talvez cedo,
Que jå sinto estalar-me o coração!)
RecordarĂĄs com dor e compaixĂŁo
As ternas juras que te fiz a medo


EntĂŁo, da casta alcova no segredo,
Da lamparina ao trémulo clarão,
Ante ti surgirei, espectro vĂŁo,
Larva fugida ao sepulcral degredo


E tu, meu anjo, ao ver-me, entre gemidos
E aflitos ais, estenderås os braços
Tentando segurar-te aos meus vestidos


— «Ouve! espera!» — Mas eu, sem te escutar,
Fugirei, como um sonho, aos teus abraços
E como fumo sumir-me-ei no ar!

IrradiaçÔes

Às crianças

Qual da amplidĂŁo fantĂĄstica e serena
À luz vermelha e rĂștila da aurora
Cai, gota a gota, o orvalho que avigora
A imaculada e cùndida açucena.

Como na cruz, da triste Madalena
Aos pés de Cristo, a lågrima sonora
Caia, rolou, qual bĂĄlsamo que irrora
A negra mágoa, a indefinida pena


Caia por vĂłs, esplĂȘndidas crianças
Bando feliz de castas esperanças,
Sonhos da estrela no infinito imersas;

Caia por vĂłs, as mĂșsicas formosas,
Como um dilĂșvio matinal de rosas,
Todo o luar benéfico dos versos!

XXVI

Quando cantas, minh’alma desprezando
O invĂłlucro do corpo, ascende Ă s belas
Altas esferas de ouro, e, acima delas,
Ouve arcanjos as cĂ­taras pulsando.

Corre os paĂ­ses longes, que revelas
Ao som divino do teu canto: e, quando
Baixas a voz, ela também, chorando,
Desce, entre os claros grupos das estrelas.

E expira a tua voz. Do paraĂ­so,
A que subira ouvĂ­ndo-te, caĂ­do,
Fico a fitar-te pálido, indeciso


E enquanto cismas, sorridente e casta,
A teus pés, como um påssaro ferido,
Toda a minh’alma trĂȘmula se arrasta.

A Joven Miss

Ella Ă© tĂŁo loura, lyrica, franzina,
TĂŁo mimosa, quieta, e virginal,
Como uma bella virgem d’um missal
Toda dourada, e preciosa e fina!

Não ha graça mais casta e femenina
Do que a d’ella! Seu riso angelical
Cria em nĂłs todo um mundo de moral,
Melhor que tudo o que PlatĂŁo ensina!

Por isso; e pela sua castidade,
Deve ser goso intenso, na verdade,
Sentir fundir-se em nĂłs seus olhos regios!..

E o goso de a beijar trémula, amante,
Deve ser quasi extranho! – e semelhante
Ao de fazer terriveis sacrilegios.

Os Castrados

HĂĄ muitos tipos de castrados.
HĂĄ os da casta de cantores
que se afinam na voz mais fina
aleijÔes de seus dissabores.

HĂĄ os de vida feminina
de tarefas vis sem pudores
aios de haréns de concubinas
os assexuados sem rumores.

São todos eunucos forçados
vĂ­timas do mando de autores:
os sultÔes de sanha assassina
que gozam no estertor das dores.

Castrados morais tĂȘm escrotos,
mas gozam com sexo dos outros.

Velho Tema V

“Alma serena e casta, que eu persigo
Com o meu sonho de amo e de pecado,
Abençoado seja, abençoado
O rigor que te salva e Ă© meu castigo.

Assim desvies sempre do meu lado
Os teus olhos; nem ouças o que eu digo;
E assim possa morrer, morrer comigo,
Este amor criminoso e condenado.

SĂȘ sempre pura! Eu com denodo enjeito
Uma ventura obtida com teu dano,
Bem meu que de teus males fosse feito.”

Assim penso, assim quero, assim me engano

Como se nĂŁo sentisse que em meu peito
Pulsa o covarde coração humano.

7A Sombra – Dulce

Se houvesse ainda talismĂŁ bendito
Que desse ao pñntano – a corrente pura,
Musgo – ao rochedo, festa – à sepultura,
Das águias negras – harmonia ao grito
,

Se alguém pudesse ao infeliz precito
Dar lugar no banquete da ventura

E tocar-lhe o velar da insĂŽnia escura
No poema dos beijos – infinito
,

Certo. . . serias tu, donzela casta,
Quem me tomasse em meio do CalvĂĄrio
A cruz de angĂșstias que o meu ser arrasta!. . .

Mas ,se tudo recusa-me o fadĂĄrio,
Na hora de expirar, Ăł Dulce, basta
Morrer beijando a cruz de teu rosário!