Sonetos sobre Cegueira

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Sonetos de cegueira escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Despede Teu Pudor

Despede teu pudor com a camisa
E deixa alada louca sem memória
Uma nudez nascida para a glória
Sofrer de meu olhar que te heroíza

Tudo teu corpo tem, não te humaniza
Uma cegueira fácil de vitória
E como a perfeição não tem história
São leves teus enredos como a brisa

Constante vagaroso combinado
Um anjo em ti se opõe à luta e luto
E tombo como um sol abandonado

Enquanto amor se esvai a paz se eleva
Teus pés roçando nos meus pés escuto
O respirar da noite que te leva.

Um Ser

Um ser na placidez da Luz habita,
Entre os mistérios inefáveis mora.
Sente florir nas lágrimas que chora
A alma serena, celestial, bendita.

Um ser pertence à música infinita
Das Esferas, pertence à luz sonora
Das estrelas do Azul e hora por hora
Na Natureza virginal palpita.

Um ser desdenha das fatais poeiras,
Dos miseráveis ouropéis mundanos
E de todas as frívolas cegueiras…

Ele passa, atravessa entre os humanos,
Como a vida das vidas forasteiras
Fecundada nos próprios desenganos.

Sexta-Feira Santa

Lua absíntica, verde, feiticeira,
Pasmada como um vício mosntruoso…
Um cão estranho fuça na esterqueira,
Uivando para o espaç fabuloso.

É esta a negra e santa Sexta-Feira!
Cristo está morto, como um vil leproso,
Chagado e frio, na feroz cegueira
Da morte, o sangue roxo e tenebroso.

A serpente do mal e do pecado
Um sinistro veneno esverdeado
Verte do Morto na mudez serena.

Mas da sagrada Redenção do Cristo,
Em vez do grande Amor, puro, imprevisto,
Brotam fosforescências de gangrena!

Fui Gostar De Você

“Fui Gostar de Você”
I
Fui gostar de você, – isso foi quando
julguei que ainda podia ser feliz. . .
Ilusão!… Hoje as pedras vou tirando
do castelo de amor que eu mesmo fiz…

Conformo-me no entanto, – mesmo estando
como estou, da loucura, por um triz…
E procuro do peito ir apagando
a cor de um vulto de mulher que eu quis…

Quanto sonho fatal! Quanta cegueira
fez com que eu me iludisse com as safiras
de uns olhos lindos de mulher brejeira…

Fui gostar. . . e gostei … Sofri portanto
ao descobrir as múltiplas mentiras
que eram do amor o seu supremo encanto

Última Visio

Quando o homem resgatado da cegueira
Vir Deus num simples grão de argila errante,
Terá nascido nesse mesmo instante
A mineralogia derradeira!

A impérvia escuridão obnubilante
Há de cessar! Em sua glória inteira
Deus resplandecerá dentro da poeira
Como um gasofiláceo de diamante!

Nessa última visão já subterrânea,
Um movimento universal de insânia
Arrancará da insciência o homem precito…

A Verdade virá das pedras mortas
E o homem compreenderá todas as portas
Que ele ainda tem de abrir para o Infinito!

Confissão

Já não me importo com o teu amor.
Podes levá-lo a quem melhor te queira.
Que eu sinto apenas a magoada dor,
de te ter dado a mocidade inteira!…

Como eu fui tua! Hoje é sem sabor
a vida… Tudo passa à minha beira
sem que eu fixe ou distinga a sua cor…
– Nada ilumina esta letal cegueira!

E não estranhes que em todos os meus versos
eu cante sempre os meus amores perversos…
– Amores que eu nunca tive e não terei:

— Sou eu a endoidecer nesse exotismo
esta dor em que tanta vez me abismo
a relembrar a vida que te dei!…

Respiro e Vejo

Respiro e vejo. A noite e cada sol
vão rompendo de mim a todo o instante,
tarde e manhã que são tecido tempo,
chuva e colheita. O céu, repouso e vento.

Vergel de aves. Vou entre viveiros,
a caçar com o olhar, passarinhagem
dos pequeninos sóis e das estrelas
que emigram neste céu de goiabeiras.

mas sigo a jardinagem, podo o tempo,
o desgosto do espaço, a sombra e o fogo,
as florações da luz e da cegueira.

E, no dia, suspensa cachoeira,
neste jogo sagrado, vivo e vejo
o que veio em meus olhos desenhado.