Mistério
Gosto de ti, Ăł chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.Dos teus pĂĄlidos dedos delicados
Uma alada canção palpita e ascende,
Frases que a nossa boca nĂŁo aprende
MurmĂșrios por caminhos desolados.Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lĂșgubre arrepio
Das sensaçÔes estranhas, dolorosas…Talvez um dia entenda o teu mistĂ©rio…
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome Ă s rosas!
Sonetos sobre Cemitérios
12 resultadosĂltimo Credo
Como ama o homem adĂșltero o adultĂ©rio
E o Ă©brio a garrafa tĂłxica de rum,
Amo o coveiro este ladrĂŁo comum
Que arrasta a gente para o cemitĂ©rio!Ă o transcendentalĂssimo mistĂ©rio!
Ă o nous, Ă© o pneuma, Ă© o ego sum qui sum,
Ă a morte, Ă© esse danado nĂșmero Um,
Que matou Cristo e que matou Tibério.Creio como o filósofo mais crente,
Na generalidade decrescente
Com que a substĂąncia cĂłsmica evolue…Creio, perante a evolução imensa,
Que o homem universal de amanhã vença
O homem particular que eu ontem fui!
Sentimento Esquisito
à céu estéril dos desesperados,
Forma impassĂvel de cristas sidĂ©reo,
Dos cemitérios velho cemitério
Onde dormem os astros delicados.PĂĄtria d’estrelas dos abandonados,
Casulo azul do anseio vago, aéreo,
Formidåvel muralha de mistério
Que deixa os coraçÔes desconsolados.CĂ©u imĂłvel milĂȘnios e milĂȘnios,
Tu que iluminas a visĂŁo dos GĂȘnios
E ergues das almas o sagrado acorde.Céu estéril, absurdo, céu imoto,
Faz dormir no teu seio o Sonho ignoto,
Esta serpente que alucina e morde…
SolilĂłquio De Um VisionĂĄrio
Para desvirginar o labirinto
Do velho e metafĂsico MistĂ©rio,
Comi meus olhos crus no cemitério,
Numa antropofagia de faminto!A digestão desse manjar funéreo
Tornado sangue transformou-me o instinto
De humanas impressÔes visuais que eu sinto,
Nas divinas visĂ”es do Ăncola etĂ©reo!Vestido de hidrogĂȘnio incandescente,
Vaguei um século, improficuamente,
Pelas monotonias siderais…Subi talvez Ă s mĂĄximas alturas,
Mas, se hoje volto assim, com a alma Ă s escuras,
Ă necessĂĄrio que inda eu suba mais!
O Mar
O mar é triste como um cemitério,
Cada rocha Ă© uma eterna sepultura
Banhada pela imĂĄcula brancura
De ondas chorando num albor etéreo.Ah! dessas no bramir funéreo
Jamais vibrou a sinfonia pura
Do amor; sĂł descanta, dentre a escura
Treva do oceano, a voz do meu saltério!Quando a cùndida espuma dessas vagas,
Banhando a fria solidĂŁo das fragas,
Onde a quebrar-se tĂŁo fugaz se esfuma.Reflete a luz do sol que jĂĄ nĂŁo arde,
Treme na treva a pĂșrpura da tarde,
Chora a saudade envolta nesta espuma!
Tempos Idos
NĂŁo enterres, coveiro, o meu Passado,
Tem pena dessas cinzas que ficaram;
Eu vivo dessas crenças que passaram,
e quero sempre tĂȘ-las ao meu lado!NĂŁo, nĂŁo quero o meu sonho sepultado
No cemitério da Desilusão,
Que nĂŁo se enterra assim sem compaixĂŁo
Os escombros benditos de um Passado!Ai! NĂŁo me arranques d’alma este conforto!
– Quero abraçar o meu passado morto,
– Dizer adeus aos sonhos meus perdidos!Deixa ao menos que eu suba Ă Eternidade
Velado pelo cĂrio da Saudade,
Ao dobre funeral dos tempos idos!
O Azar
Com peso tal, nĂŁo me ajeito;
DĂĄ-me, SĂsifo, vigor!
Embora eu tenha valor,
A Arte Ă© larga e o Tempo Estreito.Longe dos mortos lembrados,
A um obscuro cemitério,
Minh’alma , tambor funĂ©reo,
Vai rufar trechos magoados.â HĂĄ muitas jĂłias ocultas
Na terra fria, sepulturas
Onde nĂŁo chega o alviĂŁo;Muita flor exala a medo
Seus perfumes no degredo
Da profunda solidãoTradução de Delfim Guimarães
Noturno
Pesa o silĂȘncio sobre a terra. Por extenso
Caminho, passo a passo, o cortejo funéreo
Se arrasta em direção ao negro cemitĂ©rio…
à frente, um vulto agita a caçoula do incenso.E o cortejo caminha. Os cantos do saltério
Ouvem-se. O morto vai numa rede suspenso;
Uma mulher enxuga as lågrimas ao lenço;
Chora no ar o rumor de misticismo aéreo.Uma ave canta; o vento acorda. A ampla mortalha
Da noite se ilumina ao resplendor da lua…
Uma estrige soluça; a folhagem farfalha.E enquanto paira no ar esse rumor das calmas
Noites, acima dele em silĂȘncio, flutua
O lausperene mudo e sĂșplice das almas.
Contrastes
A antĂtese do novo e do obsoleto,
O Amor e a Paz, o Ăłdio e a Carnificina,
O que o homem ama e o que o homem abomina,
Tudo convém para o homem ser completo!O ùngulo obtuso, pois, e o ùngulo reto,
Uma feição humana e outra divina
SĂŁo como a eximenina e a endimenina
Que servem ambas para o mesmo feto!Eu sei tudo isto mais do que o Eclesiastes!
Por justaposição destes contrastes,
junta-se um hemisfério a outro hemisfério,As alegrias juntam-se as tristezas,
E o carpinteiro que fabrica as mesas
Faz tambĂ©m os caixĂ”es do cemitĂ©rio!…
Soneto
N’augusta solidĂŁo dos cemitĂ©rios,
Resvalando nas sombras dos ciprestes,
Passam meus sonhos sepultados nestes
Brancos sepulcros, pålidos, funéreos.São minhas crenças divinais, ardentes
– Alvos fantasmas pelos merencĂłrios
TĂșmulos tristes, soturnais, silentes,
Hoje rolando nos umbrais marmóreos.Quando da vida, no eternal soluço,
Eu choro e gemo e triste me debruço
Na lĂĄjea fria dos meus sonhos pulcros.Desliza entĂŁo a lĂșgubre coorte,
E rompe a orquestra sepulcral da morte,
Quebrando a paz suprema dos sepulcros.
Vozes De Um TĂșmulo
Morri! E a Terra – a mĂŁe comum – o brilho
Destes meus olhos apagou!… Assim
TĂąntalo, aos reais convivas, num festim,
Serviu as carnes do seu próprio filho!Por que para este cemitério vim?!
Por quĂȘ?! Antes da vida o angusto trilho
Palmilhasse, do que este que palmilho
E que me assombra, porque nĂŁo tem fim!No ardor do sonho que o fronema exalta
ConstruĂ de orgulho ĂȘnea pirĂąmide alta,
Hoje, porém, que se desmoronouA pirùmide real do meu orgulho,
Hoje que apenas sou matéria e entulho
Tenho consciĂȘncia de que nada sou!
Uma Gravura FantĂĄstica
Um vulto singular, um fantasma faceto,
Ostenta na cabeça horrĂvel de esqueleto
Um diadema de lata, – Ășnico enfeite a ornĂĄ-lo
Sem espora ou ping’lim, monta um pobre cavalo,Um espectro tambĂ©m, rocinante esquelĂ©tico,
Em baba a desfazer-se como um epitético,
Atravessando o espaço, os dis lå vão levados,
O Infinito a sulcar, como dragÔes alados.O Cavaleiro brande um glådio chamejante
Por sobre as multidÔes que pisa rocinante.
E como um gran-senhor, que seus reinos visite,Percorre o cemitério enorme, sem limite,
Onde jazem, no alvor d’uma luz branca e terna,
Os povos da História antiga e da moderna.Tradução de Delfim Guimarães