Sonetos sobre CĂ©u

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Sonetos de céu escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

LVIII

Altas serras, que ao CĂ©u estais servindo
De muralhas, que o tempo nĂŁo profana,
Se Gigantes nĂŁo sois, que a forma humana
Em duras penhas foram confundindo?

lĂĄ sobre o vosso cume se estĂĄ rindo
O Monarca da luz, que esta alma engana;
Pois na face, que ostenta, soberana,
O rosto de meu bem me vai fingindo.

Que alegre, que mimoso, que brilhante
Ele se me afigura! Ah qual efeito
Em minha alma se sente neste instante!

Mas ai! a que delĂ­rios me sujeito!
Se quando no Sol vejo o seu semblante,
Em vĂłs descubro Ăł penhas o seu peito?

À Fragilidade da Vida Humana

Esse baixel nas praias derrotado
Foi nas ondas Narciso presumido;
Esse farol nos céus escurecido
Foi do monte libré, gala do prado.

Esse nĂĄcar em cinzas desatado
Foi vistoso pavĂŁo de Abril florido;
Esse estio em vesĂșvios encendido
Foi ZĂ©firo suave em doce agrado.

Se a nau, o sol, a rosa, a Primavera
Estrago, eclipse, cinza, ardor cruel
Sentem nos auges de um alento vago,

Olha, cego imortal, e considera
Que Ă©s rosa, primavera, sol, baixel,
Para ser cinza, eclipse, incĂȘndio, estrago.

Pouco te Ama

Na metade do CĂ©u subido ardia
O claro, almo Pastor, quando deixavam
O verde pasto as cabras, e buscavam
A frescura suave da ĂĄgua fria.

Com a folha das ĂĄrvores, sombria,
Do raio ardente as aves se amparavam;
O mĂłdulo cantar, de que cessavam,
SĂł nas roucas cigarras se sentia.

Quando Liso Pastor, num campo verde,
Natércia, crua Ninfa, só buscava
Com mil suspiros tristes que derrama.

Porque te vĂĄs de quem por ti se perde,
Para quem pouco te ama? (suspirava)
E o eco lhe responde: Pouco te ama.

Na Aldeia

A CristĂłvĂŁo Aires

Duas horas da tarde. Um sol ardente
Nos colmos dardejando, e nos eirados.
Sobreleva aos sussurros abafados
O grito das bigornas estridente.

A taberna Ă© vazia; mansamente
Treme o loureiro nos umbrais pintados;
Zumbem Ă  porta insectos variegados,
Envolvidos do sol na luz tremente.

Fia Ă  soleira uma velhinha: o filho
No céu mal acordou da aurora o brilho
Saiu para os cansaços da lavoura.

A nora lava na ribeira, e os netos
Ao longe correm seminus, inquietos,
No mar ondeante da seara loura.

Maria

Maria, hĂĄ no seu gesto airoso o nobre,
Nos olhos meigos e no andar tĂŁo brando,
Um nĂŁo sei que suave que descobre,
Que lembra um grande pĂĄssaro marchando.

Quero, Ă s vezes, pedir-lhe que desdobre
As asas, mas não peço, reparando
Que, desdobradas, podem ir voando
LevĂĄ-la ao teto azul que a terra cobre.

E penso entĂŁo, e digo entĂŁo comigo:
“Ao cĂ©u, que vĂȘ passar todas as gentes
Bastem outros primores de valia.

Påssaro ou moça, fique o olhar amigo,
O nobre gesto e as graças excelentes
Da nossa cara e lĂ©pida Maria”.

VĂŁo Arrebatamento

Partes um dia das Curiosidades
Do teu ser singular, partes em busca
De alamas irmĂŁs, cujo esplendor ofusca
As celestes, divinas claridades.

Rasgas terras e céus, imensidades,
Dos perigos da Vida a vaga brusca,
Queima-te o sol que na AmplidĂŁo corusca
E consola-te a lua das saudades.

Andas por toda a parte, em toda a parte
A sedução das almas a falar-te,
Como da Terra luminosos marcos.

E a sorrir e a gemer e soluçando
Ah! Sempre em busca de almas vais andando
Mas em vez delas encontrando charcos!

Minh’alma EstĂĄ Agora Penetrando

Minh’alma estĂĄ agora penetrando
Lå na etérea plaga, cristalina!
Que mĂșsica meu Deus febril, divina
Nos pĂĄramos azuis vai retumbando!

AlĂ©m, d’ĂĄureo dossel se estĂĄ rasgando
Custosa, de primor, esmeraldina
DiĂĄfana, sutil, longa cortina
Enquanto céus se vão duplando!

Em grande pedestal marmorizado
De Paiva se divisa o busto enorme
Soberbo como o sol, de luz croado

De um lado o porvir — Antheu disforme
Dos lĂĄbios faz soltar pujante brado
Hosanas! nĂŁo morreu! apenas dorme.

Vós, Crédulos Mortais, Alucinados

Vós, crédulos mortais, alucinados
de sonhos, de quimeras, de aparĂȘncias
colheis por uso erradas consequĂȘncias
dos acontecimentos desastrados.

Se à perdição correis precipitados
por cegas, por fogosas, impaciĂȘncias,
indo a cair, gritais que sĂŁo violĂȘncias
de inexoråveis céus, de negros fados.

Se um celeste poder tirano e duro
Ă s vezes extorquisse as liberdades,
que prestava, Ăł RazĂŁo, teu lume puro?

Não forçam coraçÔes as divindades,
fado amigo nĂŁo hĂĄ nem fado escuro:
fados são as paixÔes, são as vontades.

Alucinação

Ó solidão do Mar, ó amargor das vagas,
Ondas em convulsÔes, ondas em rebeldia,
Desespero do Mar, furiosa ventania,
Boca em fel dos tritÔes engasgada de pragas.

Velhas chagas do sol, ensangĂŒentadas chagas
De ocasos purpurais de atroz melancolia,
Luas tristes, fatais, da atra mudez sombria
Da trågica ruína em vastidÔes pressagas.

Para onde tudo vai, para onde tudo voa,
Sumido, confundido, esboroado, Ă -toa,
No caos tremendo e nu dos tempo a rolar?

Que Nirvana genial hĂĄ de engolir tudo isto –
– Mundos de Inferno e CĂ©u, de Judas e de cristo,
Luas, chagas do sol e turbilhÔes do Mar?!

Musa Infeliz

Todo o cuidado nestas rimas ponho;
Musa, peço-te, pois, que me remetas
Versos que tenham rĂștilas facetas,
E nĂŁo revelem trovador bisonho.

Meia noite bateu. Sai risonho…
Brilhava – oh, musa, nĂŁo me comprometas! –
O mais belo de todos os planetas
N’um cĂ©u que parecia um cĂ©u de sonho.

O mais belo de todos os prazeres
Gozei, Ă  doce luz dos olhos pretos
Da mais bela de todas as mulheres!

Pobres quartetos! mĂ­seros tercetos!…
Musa, musa infeliz, dar-me nĂŁo queres.
O mais belo de todos os sonetos!…

Horas De Sombra

Horas de sombra, de silĂȘncio amigo
Quando hĂĄ em tudo o encanto da humildade
E que o anjo branco e belo da saudade
Roga por nĂłs o seu perfil antigo.

Horas que o coração nĂŁo vĂȘ perigo
De gozar, de sentir com liberdade…
Horas da asa imortal da Eternidade
Aberta sobre tumular jazigo.

Horas da compaixĂŁo e da clemĂȘncia,
Dos segredos sagrados da existĂȘncia,
De sombras de perdĂŁo sempre benditas.

Horas fecundas, de mistério casto,
Quando dos céus desce, profundo e vasto,
O repouso das almas infinitas.

Metempsicose

Agora, jĂĄ que apodreceu a argila
Do teu corpo divino e sacrossanto;
Que embalsamaram de magoado pranto
A tua carne, na mudez tranqĂŒila,

Agora, que nos CĂ©us, talvez, se asila
Aquela graça e luminoso encanto
De virginal e pĂĄlido amaranto
Entre a Harmonia que nos CĂ©us desfila.

Que da morte o estupor macabro e feio
Congelou as magnĂłlias do teu seio,
Por entre catalĂ©pticas visĂ”es…

Surge, Bela das Belas, na Beleza
Do transcendentalismo da Pureza,
Nas brancas, imortais RessurreiçÔes!

Quando nĂŁo te Vejo Perco o Siso

Formosura do CĂ©u a nĂłs descida,
Que nenhum coração deixas isento,
Satisfazendo a todo pensamento,
Sem que sejas de algum bem entendida;

Qual lĂ­ngua pode haver tĂŁo atrevida,
Que tenha de louvar-te atrevimento,
Pois a parte melhor do entendimento,
No menos que em ti hĂĄ se vĂȘ perdida?

Se em teu valor contemplo a menor parte,
Vendo que abre na terra um paraĂ­so,
Logo o engenho me falta, o espĂ­rito mĂ­ngua.

Mas o que mais me impede inda louvar-te,
É que quando te vejo perco a língua,
E quando nĂŁo te vejo perco o siso.

Sobresalto

Quantas horas passava contemplando
Seu pequenino Vulto. Era um Anjinho
Dentro de nossa casa, abençoando…
Era uma FlĂŽr, um Astro, um Amorzinho.

Um dia, em que ele, ao pé de mim, sósinho
Brincava, estes meus olhos inundando
De graça, de inocencia e de carinho,
De tudo o que Ă© celeste, alegre e brando,

Vi tremer sua Imagem, de repente,
No ar, como se fÎra Aparição.
E para mim eu disse tristemente:

“Pertences a outro mundo, a um cĂ©u mais alto;
PartirĂĄs dentro em breve.” E desde entĂŁo
Eu fiquei num constante sobresalto!

Nada se Pode Comparar Contigo

O ledo passarinho, que gorjeia
D’alma exprimindo a cĂąndida ternura;
O rio transparente, que murmura,
E por entre pedrinhas serpenteia;

O Sol, que o céu diåfano passeia,
A Lua, que lhe deve a formosura,
O sorriso da Aurora, alegre e pura,
A rosa, que entre os ZĂ©firos ondeia;

A serena, amorosa Primavera,
O doce autor das glĂłrias que consigo,
A Deusa das paixÔes e de Citera;

Quanto digo, meu bem, quanto nĂŁo digo,
Tudo em tua presença degenera.
Nada se pode comparar contigo.

Noite Escura

Noite escura do amor, em que me deito
com teu corpo de luz, eu assombrado
deste fantasma de repente alado
amplificando a jaula do meu peito.

Deixando-o infinito, maculado
de sangue e espuma (Ă© mar este fantasma?
ou pĂĄssaro de mar que em onda espalma
seu corpo que é de luz e céu desfeito).

E a noite escura que era o amor se ajunta
em feixes de silĂȘncio e de desmaio
para a festa defunta

de ver ressurreiçÔes: tempo em que caio
para em sombras cantar mais docemente
este sol que me pÔe preso e demente.

Soneto Das Alturas

As minhas esquivanças vão no vento
alto do céu, para um lugar sombrio
onde me punge o descontentamento
que no mar nĂŁo desĂĄgua, nem no rio.

Às mudanças me fio, sempre atento
ao que muda e perece, e ardente e frio,
e novamente ardente Ă© no momento
em que luz o desejo, poldro em cio.

Meu corpo nada quer, mas a minh’alma
em fogos de amplidĂŁo deseja tudo
o que ultrapassa o humano entendimento.

E embora nada atinja, nĂŁo se acalma
e, sendo alma, transpÔe meu corpo mudo,
e aos céus pede o inefåvel e não o vento.

No Egito

Sob os ardentes sĂłis do fulvo Egito
De areia estuosa, de candente argila,
Dos sonhos da alma o turbilhĂŁo desfila,
Abre as asas no pĂĄramo infinito.

O Egito Ă© sempre o amigo, o velho rito
Onde um mistério singular se asila
E onde, talvez mais calma, mais tranqĂŒila
A alma descansa do sofrer prescrito.

Sobre as ruĂ­nas d’ouro do passado,
No céu cavo, remoto, ermo e sagrado,
Torva morte espectral pairou ufana…

E no aspecto de tudo em torno, em tudo,
Árido, pétreo, silencioso, mudo,
Parece morta a prĂłpria dor humana!

Violinos

Pelas bizarras, gĂłticas janelas
De um tempo medieval o sol ondula:
Nunca os vitrais viram visÔes mais belas
Quando, no ocaso, o sol os doura e oscula…

Doces, multicores aquarelas
Sobre um saudoso cĂ©u que alĂ©m se azula…
Calma, serena, divinal, entre eras,
A pomba ideal dos Ângelus arrula…

Rezam de joelhos anjos de mĂŁos postas
Através dos vitrais, e nas encostas
Dos montes sobe a claridade ondeando…

É a lua de Deus, que as curves meigas
Foi ondular pelos vergéis e veigas
MagnĂłlias e lĂ­rios desfolhando…

Tudo EstĂĄ Caro

A trinta e cinco réis custa a pescada:
O triste bacalhau a quatro e meio:
A dezasseis vinténs corre o centeio:
De verde a trinta réis custa a canada.

A sete, e oito tostÔes custa a carrada
Da torta lenha, que do monte veio:
Vende as sardinhas o galego feio
Cinco ao vintém; e seis pela calada.

O cujo regatĂŁo vai com excesso,
Revendendo as pequenas iguarias,
Que da pobreza sĂŁo todo o regresso.

Tudo estĂĄ caro: sĂł em nossos dias,
Graças ao Céu! Temos em bom preço
Os tremoços, o arroz e as Senhorias.