LXXV
Como se moço e não bem velho eu fosse
Uma nova ilusĂŁo veio animar-me.
Na minh’alma floriu um novo carme,
O meu ser para o céu alcandorou-se.Ouvi gritos em mim como um alarme.
E o meu olhar, outrora suave e doce,
Nas ânsias de escalar o azul, tornou-se
Todo em raios que vinham desolar-me.Vi-me no cimo eterno da montanha,
Tentando unir ao peito a luz dos cĂrios
Que brilhavam na paz da noite estranha.Acordei do áureo sonho em sobressalto:
Do cĂ©u tombei aos caos dos meus martĂrios,
Sem saber para que subi tĂŁo alto…
Sonetos sobre CĂ©u de Alphonsus de Guimaraens
5 resultadosIV
Vagueiam suavemente os teus olhares
Pelo amplo céu franjado em linho:
Comprazem-te as visões crepusculares…
Tu Ă©s uma ave que perdeu o ninho.Em que nichos doirados, em que altares
Repoisas, anjo errante, de mansinho?
E penso, ao ver-te envolta em véus de luares,
Que vês no azul o teu caixão de pinho.És a essência de tudo quanto desce
Do solar das celestes maravilhas…
– Harpa dos crentes, cĂtola da prece…Lua eterna que nĂŁo tivesse fases,
Cintilas branca, imaculada brilhas,
E poeiras de astros nas sandálias trazes…
VI
P. SiĂŁo que dorme ao luar. Vozes diletas
Modulam salmos de visões contritas…
E a sombra sacrossanta dos Profetas
Melancoliza o canto dos levitas.As torres brancas, terminando em setas,
Onde velam, nas noites infinitas,
Mil guerreiros sombrios como ascetas,
Erguem ao CĂ©u as cĂşpulas benditas.As virgens de Israel as negras comas
Aromatizam com os ungĂĽentos brancos
dos nigromantes de mortais aromas…JerusalĂ©m, em meio Ă s Doze Portas,
Dorme: e o luar que lhe vem beijar os flancos
Evoca ruĂnas de cidades mortas.
II
Celeste… É assim, divina, que te chamas.
Belo nome tu tens, Dona Celeste…
Que outro terias entre humanas damas,
Tu que embora na terra do cĂ©u vieste?Celeste… E como tu Ă©s do cĂ©u nĂŁo amas:
Forma imortal que o espĂrito reveste
De luz, nĂŁo temes sol, nĂŁo temes chamas,
Porque Ă©s sol, porque Ă©s luar, sendo celeste.IncoercĂvel como a melancolia,
Andas em tudo: o sol no poente vasto
Pede-te a mágoa do findar do dia.E a lua, em meio à noite constelada,
Pede-te o luar indefinido e casto
Da tua palidez de hĂłstia sagrada.
XLI
Cantem outros a clara cor virente
Do bosque em flor e a luz do dia eterno…
Envoltos nos clarões fulvos do oriente,
Cantem a primavera: eu canto o inverno.Para muitos o imoto céu clemente
É um manto de carinho suave e terno:
Cantam a vida, e nenhum deles sente
Que decantando vai o prĂłprio inferno.Cantam esta mansĂŁo, onde entre prantos
Cada um espera o sepulcral punhado
De Ăşmido pĂł que há de abafar-lhe os cantos…Cada um de nĂłs Ă© a bĂşssola sem norte.
Sempre o presente pior do que o passado.
Cantem outros a vida: eu canto a morte…