Sonetos sobre CĂ©u de Florbela Espanca

24 resultados
Sonetos de céu de Florbela Espanca. Leia este e outros sonetos de Florbela Espanca em Poetris.

AngĂșstia

Tortura do pensar! Triste lamento!
Quem nos dera calar a tua voz!
Quem nos dera cĂĄ dentro, muito a sĂłs,
Estrangular a hidra num momento!

E nĂŁo se quer pensar! … e o pensamento
Sempre a morder-nos bem, dentro de nĂłs …
Querer apagar no cĂ©u – Ăł sonho atroz! –
O brilho duma estrela, com o vento! …

E nĂŁo se apaga, nĂŁo … nada se apaga!
Vem sempre rastejando como a vaga …
Vem sempre perguntando: “O que te resta? …”

Ah! nĂŁo ser mais que o vago, o infinito!
Ser pedaço de gelo, ser granito,
Ser rugido de tigre na floresta!

Falo de Ti Ă s Pedras das Estradas

Falo de ti Ă s pedras das estradas,
E ao sol que e louro como o teu olhar,
Falo ao rio, que desdobra a faiscar,
Vestidos de princesas e de fadas;

Falo Ă s gaivotas de asas desdobradas,
Lembrando lenços brancos a acenar,
E aos mastros que apunhalam o luar
Na solidĂŁo das noites consteladas;

Digo os anseios, os sonhos, os desejos
Donde a tua alma, tonta de vitĂłria,
Levanta ao céu a torre dos meus beijos!

E os meus gritos de amor, cruzando o espaço,
Sobre os brocados fĂșlgidos da glĂłria,
São astros que me tombam do regaço!

Tarde no Mar

A tarde Ă© de oiro rĂștilo: esbraseia
O horizonte: um cacto purpurino.
E a vaga esbelta que palpita e ondeia,
Com uma frågil graça de menino,

Poisa o manto de arminho na areia
E lĂĄ vai, e lĂĄ segue ao seu destino!
E o sol, nas casas brancas que incendeia.
Desenha mĂŁos sangrentas de assassino!

Que linda tarde aberta sobre o mar!
Vai deitando do céu molhos de rosas
Que Apolo se entretĂ©m a desfolhar…

E, sobre mim, em gestos palpitantes,
As tuas mĂŁos morenas, milagrosas,
SĂŁo as asas do sol, agonizantes…

Sol Poente

Tardinha… “Ave-Maria, MĂŁe de Deus…”
E reza a voz dos sinos e das noras…
O sol que morre tem clarĂ”es d’auroras,
Águia que bate as asas pelo céu!

Horas que tĂȘm a cor dos olhos teus…
Horas evocadoras doutras horas…
Lembranças de fantåsticos outroras,
De sonhos que nĂŁo tenho e que eram meus!

Horas em que as saudades, p’las estradas,
Inclinam as cabeças mart’rizadas
E ficam pensativas… meditando…

Morrem verbenas silenciosamente…
E o rubro sol da tua boca ardente
Vai-me a pĂĄlida boca desfolhando…