Ângelus
Desmaia a tarde. Além, pouco e pouco, no poente,
O sol, rei fatigado, em seu leito adormece:
Uma ave canta, ao longe; o ar pesado estremece
Do Ângelus ao soluço agoniado e plangente.Salmos cheios de dor, impregnados de prece,
Sobem da terra ao céu numa ascensão ardente.
E enquanto o vento chora e o crepúsculo desce,
A ave-maria vai cantando, tristemente.Nest’hora, muita vez, em que fala a saudade
Pela boca da noite e pelo som que passa,
Lausperene de amor cuja mágoa me invade,Quisera ser o som, ser a noite, ébria e douda
De trevas, o silêncio, esta nuvem que esvoaça,
Ou fundir-me na luz e desfazer-me toda.
Sonetos sobre Céu de Francisca Júlia da Silva
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Paisagem
Dorme sob o silêncio o parque. Com descanso,
Aos haustos, aspirando o finíssimo extrato
Que evapora a verdura e que deleita o olfato,
Pelas alas sem fim da árvores avanço.Ao fundo do pomar, entre folhas, abstrato
Em cismas, tristemente, um alvíssimo ganso
Escorrega de manso, escorrega de manso
Pelo claro cristal do límpido regato.Nenhuma ave sequer, sobre a macia alfombra,
Pousa. Tudo deserto. Aos poucos escurece
A campina, a rechã sob a noturna sombra.E enquanto o ganso vai, abstrato em cismas, pelas
Selvas a dentro entrando, a noite desce, desce…
E espalham-se no céu camandulas de estrelas…