Pouco te Ama
Na metade do CĂ©u subido ardia
O claro, almo Pastor, quando deixavam
O verde pasto as cabras, e buscavam
A frescura suave da ĂĄgua fria.Com a folha das ĂĄrvores, sombria,
Do raio ardente as aves se amparavam;
O mĂłdulo cantar, de que cessavam,
SĂł nas roucas cigarras se sentia.Quando Liso Pastor, num campo verde,
Natércia, crua Ninfa, só buscava
Com mil suspiros tristes que derrama.Porque te vĂĄs de quem por ti se perde,
Para quem pouco te ama? (suspirava)
E o eco lhe responde: Pouco te ama.
Sonetos sobre CĂ©u de LuĂs de CamĂ”es
30 resultadosQuando nĂŁo te Vejo Perco o Siso
Formosura do CĂ©u a nĂłs descida,
Que nenhum coração deixas isento,
Satisfazendo a todo pensamento,
Sem que sejas de algum bem entendida;Qual lĂngua pode haver tĂŁo atrevida,
Que tenha de louvar-te atrevimento,
Pois a parte melhor do entendimento,
No menos que em ti hĂĄ se vĂȘ perdida?Se em teu valor contemplo a menor parte,
Vendo que abre na terra um paraĂso,
Logo o engenho me falta, o espĂrito mĂngua.Mas o que mais me impede inda louvar-te,
Ă que quando te vejo perco a lĂngua,
E quando nĂŁo te vejo perco o siso.
Senhora Minha, Se A Fortuna Imiga
Senhora minha, se a Fortuna imiga,
que em minha fim com todo o CĂ©u conspira,
os olhos meus de ver os vossos tira,
porque em mais graves casos me persiga;comigo levo esta alma, que se obriga,
na mor pressa de mar, de fogo, de ira,
a dar vos a memĂłria, que suspira,
sĂł por fazer convosco eterna liga.Nestâalma, onde a Fortuna pode pouco,
tĂŁo viva vos terei, que frio e fome
vos não possam tirar, nem vãos perigos.Antes co som da voz, trémulo e rouco,
bradando por vĂłs, sĂł com vosso nome
farei fugir os ventos e os imigos.
Amor um Mal que Falta quando Cresce
Aquela fera humana que enriquece
A sua presunçosa tirania
Destas minhas entranhas, onde cria
Amor um mal que falta quando cresce;Se nela o CĂ©u mostrou (como parece)
Quanto mostrar ao mundo pretendia,
Porque de minha vida se injuria?
Porque de minha morte se enobrece?Ora, enfim, sublimai vossa vitĂłria,
Senhora, com vencer-me e cativar-me;
Fazei dela no mundo larga histĂłria.Pois, por mais que vos veja atormentar-me,
JĂĄ me fico logrando desta glĂłria
De ver que tendes tanta de matar-me.
Qualquer outro Bem Julgo por Vento
Quando da bela vista e doce riso
Tomando estĂŁo meus olhos mantimento,
TĂŁo elevado sinto o pensamento,
Que me faz ver na terra o ParaĂso.Tanto do bem humano estou diviso,
Que qualquer outro bem julgo por vento:
Assim que em termo tal, segundo sento,
Pouco vem a fazer quem perde o siso.Em louvar-vos, Senhora, nĂŁo me fundo;
Porque quem vossas graças claro sente,
SentirĂĄ que nĂŁo pode conhecĂȘ-las.Pois de tanta estranheza sois ao mundo,
Que nĂŁo Ă© de estranhar, dama excelente,
Que quem vos fez, fizesse céu e estrelas.
Apartava-Se Nise De Montano
Apartava-se Nise de Montano,
em cuja alma partindo-se ficava;
que o pastor na memĂłria a debuxava,
por poder sustentar-se deste engano.Pelas praias do Ăndico Oceano
sobre o curvo cajado sâencostava,
e os olhos pelas ĂĄguas alongava,
que pouco se doĂam de seu dano.Pois com tamanha mĂĄgoa e saudade
(dezia) quis deixar-me a que eu adoro,
por testemunhas tomo CĂ©u e estrelas.Mas se em vĂłs, ondas, mora piedade,
levai também as lågrimas que choro,
pois assi me levais a causa delas!
Do Viver me Desapossa aquele Riso com que a Vida Dais
Formosos olhos, que na idade nossa
Mostrais do CĂ©u certĂssimos sinais,
Se quereis conhecer quanto possais,
Olhai-me a mim, que sou feitura vossa.Vereis que do viver me desapossa
Aquele riso com que a vida dais;
Vereis como de Amor nĂŁo quero mais,
Por mais que o tempo corra, o dano possa.E se ver-vos nesta alma, enfim, quiserdes,
Como num claro espelho, ali vereis
Também a vossa, angélica e serena.Mas eu cuido que, só por me não verdes,
Ver-vos em mim, Senhora, nĂŁo quereis:
Tanto gosto levais de minha pena!
Fermosos Olhos Que Na Idade Nossa
Fermosos olhos que na idade nossa
mostrais do CĂ©u certissimos sinais,
se quereis conhecer quanto possais,
olhai me a mim, que sou feitura vossa.Vereis que de viver me desapossa
aquele riso com que a vida dais;
vereis como de Amor nĂŁo quero mais,
por mais que o tempo corra e o dano possa.E se dentro nestâalma ver quiserdes,
como num claro espelho, ali vereis
também a vossa, angélica e serena.Mas eu cuido que só por não me verdes,
ver vos em mim, Senhora, nĂŁo quereis:
tanto gosto levais de minha pena!
Sem Causa, Juntamente Choro e Rio
Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, juntamente choro e rio,
O mundo todo abarco, e nada aperto.Ă tudo quanto sinto um desconcerto:
Da alma um fogo me sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio;
Agora desvario, agora acerto.Estando em terra, chego ao céu voando;
Numâ hora acho mil anos, e Ă© de jeito
Que em mil anos nĂŁo posso achar umâ hora.Se me pergunta alguĂ©m porque assim ando,
Respondo que não sei; porém suspeito
Que sĂł porque vos vi, minha Senhora.
No mundo quis o Tempo que se achasse
No mundo quis o Tempo que se achasse
O bem que por acerto ou sorte vinha;
E, por exprimentar que dita tinha,
Quis que a Fortuna em mim se exprimentasse.Mas por que meu destino me mostrasse
Que nem ter esperanças me convinha,
Nunca nesta tĂŁo longa vida minha
Cousa me deixou ver que desejasse.Mudando andei costume, terra e estado,
Por ver se se mudava a sorte dura;
A vida pus nas mĂŁos de um leve lenho.Mas, segundo o que o CĂ©u me tem mostrado,
JĂĄ sei que deste meu buscar ventura
Achado tenho jĂĄ que nĂŁo a tenho.
Presença Bela, Angélica Figura
Presença bela, angélica figura,
em quem, quanto o CĂ©u tinha, nos tem dado;
gesto alegre, de rosas semeado,
entre as quais se estĂĄ rindo a Fermosura;olhos, onde tem feito tal mistura
em cristal branco o preto marchetado,
que vemos jĂĄ no verde delicado
não esperança, mas enveja escura;brandura, aviso e graça, que aumentando
a natural beleza cum desprezo,
com que, mais desprezada, mais se aumenta;são as prisÔes de um coração que, preso,
seu mal ao som dos ferros vai cantando,
como faz a sereia na tormenta.
Chorai, Ninfas, Os Fados Poderosos
Chorai, Ninfas, os fados poderosos
daquela soberana fermosura!
Onde foram parar na sepultura
aqueles reais olhos graciosos?Ă bens do mundo, falsos e enganosos!
Que mĂĄgoas para ouvir! Que tal figura
jaza sem resplandor na terra dura,
com tal rosto e cabelos tĂŁo fermosos!Das outras que serĂĄ, pois poder teve
a morte sobre cousa tanto bela
que ela eclipsava a luz do claro dia?Mas o mundo nĂŁo era dino dela,
por isso mais na terra nĂŁo esteve;
ao CĂ©u subiu, que jĂĄ *se* lhe devia.
Correm Turvas As Ăguas Deste Rio
Correm turvas as ĂĄguas deste rio,
que as do CĂ©u e as do monte as enturbaram;
os campos florecidos se secaram,
intratĂĄvel se fez o vale, e frio.Passou o VerĂŁo, passou o ardente Estio,
ĂŒas cousas por outras se trocaram;
os fementidos Fados jĂĄ deixaram
do mundo o regimento, ou desvario.Tem o tempo sua ordem jĂĄ sabida;
o mundo, nĂŁo; mas anda tĂŁo confuso,
que parece que dele Deus se esquece.Casos, opiniÔes, natura e uso
fazem que nos pareça desta vida
que nĂŁo hĂĄ nela mais que o que parece.
Enquanto Febo Os Montes Acendia
Enquanto Febo os montes acendia
do CĂ©u com luminosa claridade,
por evitar do Ăłcio a castidade
na caça o tempo Délia despendia.Vénus, que então de furto descendia,
por cativar de Anquises a vontade,
vendo Diana em tanta honestidade,
quase zombando dela, lhe dizia:â Tu vĂĄs com tuas redes na espessura
os fugitivos cervos enredando,
mas as minhas enredam o sentido.-Melhor Ă© (respondia a deusa pura)
nas redes leves cervos ir tomando
que tomar-te a ti nelas teu marido.
Alma Minha Gentil, que te Partiste
Alma minha gentil, que te partiste
TĂŁo cedo desta vida descontente,
Repousa lĂĄ no CĂ©u eternamente,
E viva eu cå na terra sempre triste.Se lå no assento Etéreo, onde subiste,
MemĂłria desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente,
Que jĂĄ nos olhos meus tĂŁo puro viste.E se vires que pode merecer-te
AlgƩa cousa a dor que me ficou
Da mågoa, sem remédio, de perder-te,Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tĂŁo cedo de cĂĄ me leve a ver-te,
QuĂŁo cedo de meus olhos te levou.
Quis Deixar-me a que Eu Adoro
Apartava-se Nise de Montano,
Em cuja alma, partindo-se, ficava,
Que o pastor na memĂłria a debuxava,
Por poder sustentar-se deste engano.Por Ć©a praia do Ăndico Oceano
Sobre o curvo cajado se encostava,
E os olhos pelas ĂĄguas alongava,
Que pouco se doĂam de seu dano.Pois com tamanha mĂĄgoa e saudade,
(Dizia) quis deixar-me a que eu adoro,
Por testemunhas tomo céu e estrelas.Mas se em vós, ondas, mora piedade,
Levai também as lågrimas que choro,
Pois assim me levais a causa delas.
Louvado Seja Amor em Meu Tormento
No tempo que de amor viver soĂa,
Nem sempre andava ao remo ferrolhado;
Antes agora livre, agora atado,
Em vĂĄrias flamas variamente ardia.Que ardesse nâum sĂł fogo nĂŁo queria
O CĂ©u porque tivesse experimentado
Que nem mudar as causas ao cuidado
Mudança na ventura me faria.E se algum pouco tempo andava isento,
Foi como quem coâo peso descansou
Por tornar a cansar com mais alento.Louvado seja Amor em meu tormento,
Pois para passatempo seu tomou
Este meu tĂŁo cansado sofrimento!
O CĂ©u, A Terra, O Vento Sossegado
O cĂ©u, a terra, o vento sossegadoâŠ
As ondas, que se estendem pela areiaâŠ
Os peixes, que no mar o sono enfreiaâŠ
O nocturno silĂȘncio repousadoâŠO pescador AĂłnio, que, deitado
onde co vento a ĂĄgua se meneia,
chorando, o nome amado em vĂŁo nomeia,
que nĂŁo pode ser mais que nomeado:Ondas (dezia), antes que Amor me mate,
torna-me a minha Ninfa, que tĂŁo cedo
me fizestes à morte estar sujeita.Ninguém lhe fala; o mar de longe bate;
move-se brandamente o arvoredo;
leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita.
No Mundo Quis Um Tempo Que Se Achasse
No mundo quis um tempo que se achasse
o bem que por acerto ou sorte vinha;
e, por exprimentar que dita tinha,
quis que a Fortuna em mim se exprimentasse.Mas, por que meu destino me mostrasse
que nem ter esperanças me convinha,
nunca nesta tĂŁo longa vida minha
cousa me deixou ver que desejasse.Mudando andei costume, terra e estado,
por ver se se mudava a sorte dura;
a vida pus nas mĂŁos de um leve lenho.Mas (segundo o que o CĂ©u me tem mostrado)
jĂĄ sei que deste meu buscar ventura,
achado tenho jĂĄ, que nĂŁo a tenho.
O Raio Cristalino Sâestendia
O raio cristalino sâestendia
pelo mundo, da Aurora marchetada,
quando Nise, pastora delicada,
donde a vida deixava, se partia.Dos olhos, com que o Sol escurecia,
levando a vista em lĂĄgrimas banhada,
de si, do Fado e Tempo magoada,
pondo os olhos no CĂ©u, assi dezia:-Nasce, sereno Sol, puro e luzente;
resplandece, fermosa e roxa Aurora,
qualquer alma alegrando descontente;que a minha, sabe tu que, desdâagora,
jamais na vida a podes ver contente,
nem tĂŁo triste nenhĂŒa outra pastora.