Toledo
DiluĂdo numa taça de oiro a arder
Toledo Ă© um rubi. E hoje Ă© sĂł nosso!
O sol a rir… Vivalma… NĂŁo esboço
Um gesto que me nĂŁo sinta esvaecer…As tuas mĂŁos tacteiam-me a tremer…
Meu corpo de âmbar, harmonioso e moço
É como um jasmineiro em alvoroço
Ébrio de sol, de aroma, de prazer!Cerro um pouco o olhar onde subsiste
Um romântico apelo vago e mudo,
– Um grande amor Ă© sempre grave e triste.Flameja ao longe o esmalte azul do Tejo…
Uma torre ergue ao cĂ©u um grito agudo…
Tua boca desfolha-me num beijo…
Sonetos sobre Céu
360 resultadosAh! minha Dinamene! Assim deixaste
Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Quem nĂŁo deixara nunca de querer-te!
Ah! Ninfa minha, já não posso ver-te,
Tão asinha esta vida desprezaste!Como já pera sempre te apartaste
De quem tĂŁo longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te
Que nĂŁo visses quem tanto magoaste?Nem falar-te somente a dura Morte
Me deixou, que tĂŁo cedo o negro manto
Em teus olhos deitado consentiste!Oh mar! oh céu! oh minha escura sorte!
Que pena sentirei que valha tanto,
Que inda tenha por pouco viver triste?
A Minha Estrela
A meu irmĂŁo AprĂgio A.
E eu disse – Vai-te, estrela do Passado!
Esconde-te no Azul da Imensidade,
Lá onde nunca chegue esta saudade,
– A sombra deste afeto estiolado.Disse, e a estrela foi p’ra o CĂ©u subindo,
Minh’alma que de longe a acompanhava,
Viu o adeus que do Céu ela enviava,
E quando ela no Azul foi-se sumindoSurgia a Aurora – a mágica princesa!
E eu vi o Sol do Céu iluminando
A Catedral da Grande Natureza.Mas a noute chegou, triste, com ela
Negras sombras também foram chegando,
E nunca mais eu vi a minha estrela!
Ambiciosa
Para aqueles fantasmas que passaram,
Vagabundos a quem jurei amar,
Nunca os meus braços lânguidos traçaram
O vĂ´o dum gesto para os alcançar…Se as minhas mĂŁos em garra se cravaram
Sobre um amor em sangue a palpitar…
– Quantas panteras bárbaras mataram
Só pelo raro gosto de matar!Minha alma é como a pedra funerária
Erguida na montanha solitária
Interrogando a vibração dos cĂ©us!O amor dum homem? – Terra tĂŁo pisada!
Gota de chuva ao vento baloiçada…
Um homem? – Quando eu sonho o amor dum deus!…
Beijos Do Céu
Sonhei-te assim, Ăł minha amante, um dia:
– Vi-te no cĂ©u; e, anamoradamente,
De beijos, a falange resplendente
Dos serafins, teu corpo inteiro ungia…Santos e anjos beijavam-te… Eu bem via
Beijavam todos o teu lábio ardente;
E, beijando-te, o prĂłprio Onipotente,
O prĂłprio Deus nos braços te cingia!Nisto, o ciĂşme – fera que eu nĂŁo domo –
Despertou-me do sonho, repentino
Vi-te a dormir tĂŁo plácida a meu lado…E beijei-te tambĂ©m, beijei-te… e, ai! como
Achei doce o teu lábio purpurino.
Tantas vezes assim no céu beijado!
TĂŁo Simples Este Amor
TĂŁo simples este amor nasceu… NĂłs nem notamos
que era amor e afeição que aos poucos nos prendia…
O amor, – Ă© aquela flor que engrinalda dois ramos
aos esponsais de luz do sol de cada dia!Dois ramos, – eu e tu, – e as horas desfolhamos
numa doce, irrequieta e impensada alegria,
– e assim vamos vivendo, e a viver, acenamos
sonhos verdes aos cĂ©us azuis da fantasia!TĂŁo simples este amor nasceu… Tal como nasce
um beijo em tua boca, um riso em tua face,
uma estrela no cĂ©u… ou uma flor de um botĂŁo.. .Nem era necessário mesmo eu te falar,
se já o tens transformado em luz no teu olhar,
e eu, já o sinto a cantar, dentro do coração!
Se A Fortuna Inquieta E Mal Olhada
Se a Fortuna inquieta e mal olhada,
que a justa lei do Céu consigo infama,
a vida quieta, que ela mais desama,
me concedera, honesta e repousada;pudera ser que a Musa, alevantada
com luz de mais ardente e viva flama.
fizera ao Tejo lá na pátria cama
adormecer co som da lira amada.Porém, pois o destino trabalhoso,
que me escurece a Musa fraca e lassa,
louvor de tanto preço não sustenta;a vossa de louvar-me pouco escassa,
outro sujeito busque valeroso,
tal qual em vĂłs ao mundo se apresenta.
MarĂlia De Dirceu
Soneto 6
Quantas vezes Lidora me dizia,
Ao terno peito minha mĂŁo levando:
– Conjurem-se em meu mal os astros, quando
Achares no meu peito aleivosia!EntĂŁo que nĂŁo chorasse lhe pedia,
Por firme seu amor acreditando.
Ah! que em movendo os olhos, suspirando,
Ao mais acautelado enganaria!Um ano assim viveu. Oh! céus, agora
Mostrou que era mulher: a natureza,
SĂł por nĂŁo se mudar, a fez traidora.NĂŁo, nĂŁo darei mais cultos Ă beleza,
Que depois de faltar à fé Lidora,
Nem creio que nas deusas há firmeza.
Aconteceu-Me Do Alto Do Infinito
Aconteceu-me do alto do infinito
Esta vida. Através de nevoeiros,
Do meu prĂłprio ermo ser fumos primeiros,
Vim ganhando, e través estranhos ritosDe sombra e luz ocasional, e gritos
Vagos ao longe, e assomos passageiros
De saudade incĂłgnita, luzeiros
De divino, este ser fosco e proscrito…Caiu chuva em passados que fui eu.
Houve planĂcies de cĂ©u baixo e neve
Nalguma cousa de alma do que Ă© meu.Narrei-me Ă sombra e nĂŁo me achei sentido.
Hoje sei-me o deserto onde Deus teve
Outrora a sua capital de olvido…
Diversos Dões Reparte O Céu Benino
Diversos dões reparte o Céu benino,
e quer que cada ĂĽa um sĂł possua;
assi, ornou de casto peito a LĂĽa,
ornamento do assento cristalino.De graça, a Mãe fermosa do Minino,
que nessa vista tem perdido a sua;
Palas, de discrição, que imite a tua;
do valor, Juno, só de império dino.Mas junto agora o mesmo Céu derrama
em ti o mais que tinha, e foi o menos,
em respeito do Autor da natureza;que, a seu pesar, te dĂŁo, fermosa Dama,
Diana, honestidade, e graça, Vénus,
Palas o aviso seu, Juno a nobreza.
Nimbos
Nimbos de bronze que empanais escuros
O santuário azul da Natureza,
Quando vos vejo, negros palinuros
Da tempestade negra e da tristeza,Abismados na bruma enegrecida,
Julgo ver nos reflexos de minh’alma
As mesmas nuvens deslizando em calma,
Os nimbos das procelas desta vida;Mas quando o cĂ©u Ă© lĂmpido, sem bruma
Que a transparĂŞncia tolde, sem nenhuma
Nuvem sequer, entĂŁo, num mar de esp’rança,Que o cĂ©u reflete, a vida Ă© qual risonho
Batel, e a alma é a Flâmula do sonho,
Que o guia e o leva ao porto da bonança.
Há Um PaĂs Imenso Mais Real
Há um paĂs imenso mais real
Do que a vida que o mundo mostra Ter
Mais do que a Natureza natural
À verdade tremendo de viver.Sob um céu uno e plácido e normal
Onde nada se mostra haver ou ser
Onde nem vento geme, nem fatal
A idĂ©ias de uma nuvem se faz crer,Jaz – uma terra nĂŁo – nĂŁo há um solo
Mas estranha, gelando em desconsolo
Ă€ alma que vĂŞ esse paĂs sem vĂ©u,Hirtamente silente nos espaços
Uma floresta de escarnados braços
Inutilmente erguidos para o céu.
Tempestade AmazĂ´nica
O calor asfixia e o ar escurece. O rio,
Quieto, nĂŁo tem uma onda. Os insetos na mata
Zumbem tontos de medo. E o pássaro, o sombrio
Da floresta procura, onde a chuva nĂŁo bata.SĂşbito, o raio estala. O vento zune. Um frio
De terror tudo invade… E o temporal desata
As peias pelo espaço e, bufando, bravio,
O arvoredo retorce e as folhas arrebata.O anoso buriti curva a copa, e farfalha.
Aves rodam no céu, num estéril esforço,
Entre nuvens de folha e fragmentos de palha.No alto o trovĂŁo repousa e em baixo a mata brama.
Ruge em meio a amplidĂŁo. Das nuvens pelo dorso
Correm serpes de fogo. E a chuva se derrama…
CrepĂşsculo
Alada, corta o espaço uma estrela cadente.
As folhas fremem. Sopra o vento. A sombra avança.
Paira no ar um languor de mĂstica esperança
e de docĂşra triste, inexprimivelmente.Ă€ surdina da luz irrompe, de repente,
o coro vesperal das cigarras. E mansa,
E marmórea, no céu, curvo e claro, balança,
entre nuvens de opala, a concha do crescente.Na alma, como na terra, a noite nasce. É quando,
da recĂ´ndita paz das horas esquecidas,
vĂŁo, ao luar da saudade, os sonhos acordando…E, na torre do peito, em plácidas batidas,
melancolicamente o coração chorando,
plange o réquiem de amor das ilusões perdidas.
Mea Culpa
NĂŁo duvido que o mundo no seu eixo
Gire suspenso e volva em harmonia;
Que o homem suba e vá da noite ao dia,
E o homem vá subindo insecto o seixo.Não chamo a Deus tirano, nem me queixo,
Nem chamo ao céu da vida noite fria;
NĂŁo chamo Ă existencia hora sombria;
Acaso, Ă ordem; nem Ă lei desleixo.A Natureza Ă© minha mĂŁe ainda…
É minha mĂŁe… Ah, se eu Ă face linda
Não sei sorrir: se estou desesperado;Se nada há que me aqueça esta frieza;
Se estou cheio de fel e de tristeza…
É de crer que só eu seja o culpado!
És dos Céus o Composto Mais Brilhante
MarĂlia, nos teus olhos buliçosos
Os Amores gentis seu facho acendem;
A teus lábios, voando, os ares fendem
TernĂssimos desejos sequiosos.Teus cabelos subtis e luminosos
Mil vistas cegam, mil vontades prendem;
E em arte aos de Minerva se nĂŁo rendem
Teus alvos, curtos dedos melindrosos.Reside em teus costumes a candura,
Mora a firmeza no teu peito amante,
A razão com teus risos se mistura.És dos Céus o composto mais brilhante;
Deram-se as mĂŁos Virtude e Formosura,
Para criar tua alma e teu semblante.
Êxtase De Mármore
Ă€ grande atriz ApolĂ´nia.
O mármore profundo e cinzelado
De uma estátua viril, deliciosa;
Essa pedra que geme, anseia e goza
Num misticismo altĂssimo e calado;Essa pedra imortal — campo rasgado
A comoção mais Ăntima e nervosa
Da alma do artista, de um frescor de rosa,
Feita do azul de um céu muito azulado;Se te visse o clarão que pelos ombros
Teus, rola, cai, nos mĂşltiplos assombros
Da Arte sonora, plena de harmonia;O mármore feliz que é muito artista
TambĂ©m — como tu Ă©s — Ă tua vista
De humildade e ciĂşme, coraria!
Piano De Bairro
Na rua sossegada onde moro, – Ă tardinha,
quando em sombras o céu lentamente escure,
– um piano solitário, em surdina, – parece
acompanhar ao longe a tarde que definha…Nessa hora, em que de manso a noite se avizinha,
seus acordes pelo ar tem murmĂşrios de prece…
– Ah! Quem nĂŁo traz como eu tambĂ©m, na alma sozinha,
um piano evocativo que nos entristece?Há sempre um velho piano de bairro, esquecido
na memĂłria da gente, – e que nas tardes mansas
sonoriza visões de outrora ao nosso ouvido.Seus monótonos sons, seus estudos sem cor,
repetem no teclado branco das lembranças
o inconcluso prelĂşdio de um longĂnquo amor!
Eterna Dor
Alma de meu amor, lĂrio celeste,
Sonho feito de um beijo e de um carinho,
Criatura gentil, pomba de arminho,
Arrulhando nas folhas de um cipreste.Ă“ minha mĂŁe! Por que no mundo agreste,
Rola formosa, abandonaste o ninho?
Se as roseiras do Céu não têm espinhos,
Quero ir contigo, Ăł lĂrio meu celeste!Ah! se soubesses como sofro, e tanto!
Leva-me Ă terra onde nĂŁo corre o pranto,
Leva-me, santa, onde a ventura existe…Aqui na vida – que tamanha mágoa! –
O prĂłprio olhar de Deus encheu-se d’água…
Ă“ minha mĂŁe, como este mundo Ă© triste!
Mundo Incerto
Eis aqui mil caminhos: Porventura
Qual destes leva a gente ao povoado?
Todos vĂŁo sĂłs: sĂł este vai trilhado;
Mas se, por ser trilhado, me assegura?NĂŁo: que desd’o princĂpio há que lhe dura
Do erro este costume, ao mundo dado;
Ser aquele caminho mais errado,
O que Ă© de mais passage e fermosura.Em fim nĂŁo passarei, temendo a sorte?
Também, tanto temor é desconcerto:
A quem passar avante, assi lhe importe.Que farei logo, incerto em mundo incerto? –
Buscar nos Céus o verdadeiro Norte,
Pois na terra não há caminho certo.