Vaidade
Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reĂşne num verso a imensidade!Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!Sonho que sou AlguĂ©m cá neste mundo …
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho … E nĂŁo sou nada! …
Sonetos sobre Céu
360 resultadosAnte Deus
Quando te vi eu fui o teu voar
E desci Deus pra me encontrar em mim.
Voei-me sobre pontes de marfim
E uma das pontes, Deus, em meu olhar!Aureolei-me de oiro em sombra fria
E meus voos caĂram destruĂdos.
Foram dedos de Deus os meus sentidos.
Meu Corpo andou ao colo de Maria.Agora durmo Cristo em véus pagãos.
SĂŁo tapetes de Deus as minhas mĂŁos.
Regresso Ânsia pra alcançar os céus.Ergo-me mais. Sou o perfil da Dor.
Sobre os ombros de Deus olho em redor
E Deus nĂŁo sabe qual de nĂłs Ă© Deus!
Soneto XXXXVII
Como depois de tanta idade de ano
Agora o Céu vos dá, Jacinto, à terra?
Esta tardança algua culpa encerra
Ou mistério, que passa o ser humano.Foi descuido do Céu, ou foi engano
Da terra, que sem Céu mil vezes erra?
Ou pouco merecer, que este desterra
De tanta glória o prémio soberano?Nem foi erro da terra, nem foi vosso,
Nem do Céu foi, mas foi mistério seu
Que à Católica Igreja se aparelha.Filhos na mocidade o Céu lhe deu:
Guardou-vos, por vos dar filho mais moço
Para consolação desta Mãe velha.
ĂŠxtase BĂşdico
Abre-me os braços, Solidão profunda,
Reverência do céu, solenidade
Dos astros, tenebrosa majestade,
Ó planetária comunhão fecunda!Óleo da noite, sacrossanto, inunda
Todo o meu ser, dá-me essa castidade,
As azuis florescĂŞncias da saudade,
Graça das graças imortais oriunda!As estrelas cativas no teu seio
DĂŁo-me um tocante e fugitivo enleio,
Embalam-me na luz consoladora!Abre-me os braços, Solidão radiante,
Funda, fenomenal e soluçante,
Larga e bĂşdica Noite Redentora!
Velando
Junto dela, velando… E sonho, e afago
Imagens, sonhos, versos comovido…
Vejo-a dormir… O meu olhar Ă© um lago
Em que um lĂrio alvorece reflectido…Vejo-a dormir e sonho… SĂł de vĂŞ-la
Meu olhar se perfuma e em minha vista
Há todo um céu de Amor a estremecê-la
E a devoção ansiosa dum Artista…– Nuvem poisada, alvente, sobre a neve
Das montanhas do céu, – ó sono leve,
Hálito de jasmim, lĂrio, luar…Respiração de flor, doçura, prece…
-Ă“ rouxinĂłis, calai! Fonte, adormece!…
SenĂŁo o meu Amor pode acordar!…
JuĂzo
Quando, nos quatro ângulos da Terra,
Troarem as trombetas ressurgentes,
Despertadoras dos mortais dormentes,
Por onde um Deus irado aos homens berra:Prontos, num campo, em apinhada serra,
Todos nus assistir devem viventes
Ao JuĂzo Final e ver, patentes,
Seus delitos, que um livro eterno encerra.Então, aberto o Céu, e o Inferno aberto,
Todos ali verĂŁo: e a sorte imensa
Duma mágoa sem fim, dum gozo certo.Verão recto juiz pesar a ofensa
Na balança integral, e o justo acerto,
Dando da vida e morte igual sentença.
Aquele Claro Sol
Aquele claro sol, que me mostrava
o caminho do céu mais chão, mais certo,
e com seu novo raio, ao longe, e ao perto,
toda a sombra mortal m’afugentava,deixou a prisĂŁo triste, em que cá estava.
Eu fiquei cego, e sĂł, c’o passo incerto,
perdido peregrino no deserto
a que faltou a guia que o levava.Assi c’o esprito triste, o juĂzo escuro,
suas santas pisadas vou buscando
por vales, e por campos, e por montes.Em toda parte a vejo, e a figuro.
Ela me toma a mĂŁo e vai guiando,
e meus olhos a seguem, feitos fontes.
Aspiração
Meus dias vĂŁo correndo vagarosos
Sem prazer e sem dor, e até parece
Que o foco interior já desfalece
E vacila com raios duvidosos.É bela a vida e os anos são formosos,
E nunca ao peito amante o amor falece…
Mas, se a beleza aqui nos aparece,
Logo outra lembra de mais puros gosos.Minh’alma, Ăł Deus! a outros cĂ©us aspira:
Se um momento a prendeu mortal beleza,
É pela eterna pátria que suspira…PorĂ©m do presentir dá-me a certeza.
Dá-ma! e sereno, embora a dor me fira,
Eu sempre bendirei esta tristeza!
Alma Minha Gentil, que te Partiste
Alma minha gentil, que te partiste
TĂŁo cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.Se lá no assento Etéreo, onde subiste,
MemĂłria desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente,
Que já nos olhos meus tão puro viste.E se vires que pode merecer-te
Algũa cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
QuĂŁo cedo de meus olhos te levou.
Tudo O Que É Puro, Santo E Resplendente
Tudo o que Ă© puro, santo e resplendente,
N’este mundo cruel de desenganos,
Toda a ventura dos primeiros anos
N’um’alma que desabrocha sorridente;Tudo o que ainda vemos de potente
Na vastidĂŁo sem fim dos oceanos,
E da terra nos prantos soberanos
Trazidos pela aurora refulgente;Tudo o que desce do infinito ousado:
O sol, a brisa, o orvalho prateado,
A luz do amor, do bem, das esperanças;Tudo, afinal, que vem do Céu dourado
A despertar o coração magoado,
– Deus encerrou nos olhos das crianças!
Humildade Secreta
Fico parado, em ĂŞxtase suspenso,
Ă€s vezes, quando vou considerando
Na humildade simpática, no brando
Mistério simples do teu ser imenso.Tudo o que aspiro, tudo quanto penso
D’estrelas que andam dentro em mim cantando,
Ah! tudo ao teu fenĂ´meno vai dando
Um céu de azul mais carregado e denso.De onde não sei tanta simplicidade,
Tanta secreta e lĂmpida humildade
Vem ao teu ser como os encantos raros.Nos teus olhos tu alma transparece…
E de tal sorte que o bom Deus parece
Viver sonhando nos teus olhos claros.
VolĂşpia
Quisera te associar Ă pureza e Ă candura
quando pensasse em ti… Mas a emoção, teimosa,
transforma sem querer toda a minha ternura
numa estranha lembrança ardente voluptuosa…NĂŁo poderei dizer apenas que Ă©s formosa
quando a prĂłpria beleza em ti se transfigura,
– e pela tua carne há pĂ©talas de rosa
e no teu corpo há um canto fresco de água pura!Um sincero pudor vislumbro em teus enleios,
mas se disser que te amo com pureza, eu minto,
– no olhar trago tatuada a visĂŁo de teus seios…E em vĂŁo tento associar-te ao cĂ©u, Ă fonte, Ă flor!
Quando falo de ti, penso em teu corpo, e sinto
que ainda estremece em mim teu Ăşltimo estertor!
Imortal Falerno
Quando as Esferas da IlusĂŁo transponho
Vejo sempre tu’alma – essa galera
Feita das rosas brancas da Quimera,
Sempre a vagar no estranho mar do Sonho.Nem aspecto nublado nem tristonho!
Sempre uma doce e constelada Esfera,
Sempre uma voz clamando: – espera, espera,
Lá do fundo de um céu sempre risonho.Sempre uma voz dos Ermos, das Distâncias!
Sempre as longĂnquas, mágicas fragrâncias
De uma voz imortal, divina,pura…E tua boca, Sonhador eterno,
Sempre sequiosa desse azul falerno
Da Esperança do céu que te procura!
Comparar-te a um Dia de VerĂŁo?
Comparar-te a um dia de verĂŁo?
Há mais ternura em ti, ainda assim:
um maio em flor Ă s mĂŁos do furacĂŁo,
o foral do verão que chega ao fim.Por vezes brilha ardendo o olhar do céu;
outras, desfaz-se a compleição doirada,
perde beleza a beleza; e o que perdeu
vai no acaso, na natureza, em nada.Mas juro-te que o teu humano verĂŁo
será eterno; sempre crescerás
indiferente ao tempo na canção;e, na canção sem morte, viverás:
Porque o mundo, que vĂŞ e que respira,
te verá respirar na minha lira.Tradução de Carlos de Oliveira
Aquele, a Quem Mil Bens Outorga o Fado
Aquele, a quem mil bens outorga o Fado,
Desejo com razĂŁo da vida amigo
Nos anos igualar Nestor, o antigo,
De trezentos invernos carregado:Porém eu sempre triste, eu desgraçado,
Que sĂł nesta caverna encontro abrigo,
Porque nĂŁo busco as sombras do jazigo,
Refúgio perdurável, e sagrado?Ah! bebe o sangue meu, tosca morada;
Alma, quebra as prisões da humanidade,
Despe o vil manto, que pertence ao nada!Mas eu tremo!…Que escuto?…É a Verdade,
É ela, é ela que do céu me brada:
Oh terrĂvel pregĂŁo da eternidade!
XVIII
Aquela cinta azul, que o céu estende
A nossa mĂŁo esquerda, aquele grito,
Com que está toda a noite o corvo aflito
Dizendo um nĂŁo sei quĂŞ, que nĂŁo se entende;Levantar me de um sonho, quando atende
O meu ouvido um mĂsero conflito,
A tempo, que o voraz lobo maldito
A minha ovelha mais mimosa ofende;Encontrar a dormir tão preguiçoso
Melampo, o meu fiel, que na manada
Sempre desperto está, sempre ansioso;Ah! queira Deus, que minta a sorte irada:
Mas de tĂŁo triste agouro cuidadoso
SĂł me lembro de Nise, e de mais nada.
Noite Trágica
O pavor e a angĂşstia andam dançando…
Um sino grita endechas de poentes…
Na meia-noite d´hoje, soluçando,
Que presságios sinistros e dolentes!…Tenho medo da noite!… Padre nosso
Que estais no cĂ©u… O que minh´alma teme!
Tenho medo da noite!… Que alvoroço
Anda nesta alma enquanto o sino geme!Jesus! Jesus, que noite imensa e triste!
A quanta dor a nossa dor resiste
Em noite assim que a prĂłpria dor parece…Ă“ noite imensa, Ăł noite do Calvário,
Leva contigo envolto no sudário
Da tua dor a dor que me não ´squece!
A Um Moribundo
NĂŁo tenhas medo, nĂŁo! Tranquilamente,
Como adormece a noite pelo Outono,
Fecha os teus olhos, simples, docemente,
Como, Ă tarde, uma pomba que tem sono…A cabeça reclina levemente
E os braços deixa-os ir ao abandono,
Como tombam, arfando, ao sol poente,
As asas de uma pomba que tem sono…O que há depois? Depois?… O azul dos cĂ©us?
Um outro mundo? O eterno nada? Deus?
Um abismo? Um castigo? Uma guarida?Que importa? Que te importa, Ăł moribundo?
– Seja o que for, será melhor que o mundo!
Tudo será melhor do que esta vida!…
Ă€ MemĂłria De Uma Ave
Quando morre uma criança,
Diz-se que o pálido anjinho
Voou como uma esperança.
Foi para o céu direitinho.Mas nossa mente se cansa
A voar de ninho em ninho,
Interrogando a lembrança,
Quando morre um passarinho.Só eu, se alguém diz que a vida
De uma avesinha querida
Se extingue como um clarĂŁo.Ponho-me a rir, pois, divina!
Ouço cantar, em surdina,
Tu’alma em meu coração.
Alma Ferida
Alma ferida pelas negra lanças
Da Desgraça, ferida do Destino,
Alma,[a] que as amarguras tecem o hino
Sombrio das cruéis desesperanças,Não desças, Alma feita de heranças
Da Dor, não desças do teu céu divino.
Cintila como o espelho cristalino
Das sagradas, serenas esperanças.Mesmo na Dor espera com clemência
E sobe Ă sideral resplandecĂŞncia,
Longe de um mundo que sĂł tem peçonha.Das ruĂnas de tudo ergue-te pura
E eternamente, na suprema Altura,
Suspira, sofre, cisma, sente, sonha!