In Memoriam
Ao meu morto querido
Na cidade de Assis, “il Poverello”
santo, três vezes santo, andou pregando
Que o Sol, a Terra, a flor, o rocio brando,
Da pobreza o tristíssimo flagelo,Tudo quanto há de vil, quanto há de belo,
Tudo era nosso irmão! — E assim sonhando,
Pelas estradas da Umbra foi forjando
Da cadeia do amor o maior elo!“Olha o nosso irmão Sol, nossa irmã Água…”
Ah! Poverello! Em mim, essa lição
Perdeu-se como vela em mar de mágoaBatida por furiosos vendavais!
— Eu fui na vida a irmã de um só Irmão,
E já não sou a irmã de ninguém mais!
Sonetos sobre Cidade de Florbela Espanca
4 resultadosAlvorecer
A noite empalidece. Alvorecer…
Ouve-se mais o gargalhar da fonte…
Sobre a cidade muda, o horizonte
É uma orquídea estranha a florescer.Há andorinhas prontas a dizer
A missa d’alva, mal o sol desponte.
Gritos de galos soam monte em monte
Numa intensa alegria de viver.Passos ao longe… um vulto que se esvai…
Em cada sombra Colombina trai…
Anda o silêncio em volta a q’rer falar…E o luar que desmaia, macerado,
Lembra, pálido, tonto, esfarrapado,
Um Pierrot, todo branco, a soluçar…
Nocturno
Amor! Anda o luar todo bondade,
Beijando a terra, a desfazer-se em luz…
Amor! São os pés brancos de Jesus
Que andam pisando as ruas da cidade!E eu ponho-me a pensar… Quanta saudade
Das ilusões e risos que em ti pus!
Traçaste em mim os braços duma cruz,
Neles pregaste a minha mocidade!Minh’alma, que eu te dei, cheia de mágoas,
E nesta noite o nenúfar dum lago
‘Stendendo as asas brancas sobre as águas!Poisa as mãos nos meus olhos com carinho,
Fecha-os num beijo dolorido e vago…
E deixa-me chorar devagarinho…
Évora
Ao amigo vindo da luminosa Itália, a minha cidade, como eu soturno e triste…
Évora! Ruas ermas sob os céus
Cor de violetas roxas…Ruas frades
Pedindo em triste penitência a Deus
Que nos perdoe as míseras vaidades!Tenho corrido em vão tantas cidades!
E só aqui recordo os beijos teus,
E só aqui eu sinto que são meus
Os sonhos que sonhei noutras idades!Évora!…O teu olhar…o teu perfil…
Tua boca sinuosa, um mês de Abril,
Que o coração no peito me alvoroça!…Em cada viela o vulto dum fantasma…
E a minh’alma soturna escuta e pasma…
E sente-se passar menina e moça…