Um Sorriso
Vinha caindo a tarde. Era um poente de agosto.
A sombra já enoitava as moutas. A umidade
Aveludava o musgo. E tanta suavidade
Havia, de fazer chorar nesse sol-posto.A viração do oceano acariciava o rosto
Como incorpóreas mãos. Fosse ágoa ou saudade,
Tu olhavas, sem ver, os vales e a cidade.
– Foi entĂŁo que senti sorrir o meu desgosto…Ao fundo o mar batia a crista dos escolhos…
Depois o cĂ©u… e mar e cĂ©us azuis: dir-se-ia
Prolongarem a cor ingĂŞnua de teus olhos…A paisagem ficou espiritualizada.
Tinha adquirido uma alma. E uma nova poesia
Desceu do cĂ©u, subiu do mar, cantou na estrada…
Sonetos sobre Cidade
29 resultadosUma Resposta
NĂŁo sabes a alegria em que fiquei
ao ler o que escreveste – o teu cartĂŁo
veio um pouco aquecer meu coração,
que de há muito na sombra sepultei…A tristeza tornou-se-me uma lei
neste estranho pais da solidĂŁo…
– já nem sei como vais, nem como vĂŁo
aqueles que há mil anos já deixei…NĂŁo penses mais em mim… Sou como um monge,
– nĂŁo voltarei jamais para a cidade
e o tempo em que me falas vai bem longe…Fizeste bem em nĂŁo me acompanhar…
Tinhas toda razĂŁo… Felicidade
sĂł eu mesmo encontrei neste lugar!…
Autobiografia
Estive convosco em muitas palavras.
Algumas levaram-me ainda mais perto.
Com outras fiquei apenas mais sĂł.De muitas nĂŁo vi que rosto as guardava.
Por outras me dei a quem nĂŁo pedia.
Onde foram mentira alguém me faltava.
Mas todas cumpri por quem me cumpria.E passaram ardendo em novos combates,
cobriram silêncios, provaram mistérios,
fizeram amigos que nunca terei.Por serem verdade me trazem aqui.
E quando as sonhais na vossa esperança,
Um irmĂŁo me procura por entre as cidades
com todos os rostos que perdi.
Realidade
Fomos longe demais, para voltar
Aos antigos canteiros onde há rosas.
Em nĂłs, o ouvido, quase e, quase, o olhar
Buscam nas cores vozes misteriosas…Mas o mistĂ©rio Ă© flor da juventude.
NĂŁo rima com poemas desumanos.
A idade — a nossa idade! — nunca ilude.
Só uma vez é que se tem vinte anos.Quebrámos todos, todos os espelhos
E o sol que, neles, está hoje posto
Já não reflecte os lábios tão vermelhos
Que nos iluminam, sempre, o rosto.Realidade? Há uma: apenas esta!
— Somos espectros na cidade em festa.
O Poeta Descreve O Que Era Naquele Tempo A Cidade Da Bahia.
A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
NĂŁo sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.Em cada porta um bem freqĂĽentado olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos sob os pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia,Estupendas usuras nos mercados,
Todos os que nĂŁo furtam muito pobres:
E eis aqui a cidade da Bahia.
O Dote que se Oferece no Horror
o dote que se oferece no horror
dessa cidade Ă© mais uma manobra difĂcil
das marés viradas em nossos pulsos
tal o esforço da visĂŁo da nĂ©voasonhos e vibrações tĂ©cnicas estĂŁo aĂ
para tudo que seja atual
em frontes douradas pois ficou vazio
o que Ă© pesado como o antigo absurdoseu desejo excepcional ainda dentro
do medo com a mudança recente de vultos
interessados na superfĂcie do arrependimentomas chegou ao fim a fĂşria da indecĂŞncia
e as unhas vistas entre os ossos podem matar
elas conhecem o que pode ser morto de novo
Ternura
Desvio dos teus ombros o lençol,
que Ă© feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do sol,
quando depois do sol nĂŁo vem mais nada…Olho a roupa no chĂŁo: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
onde uma tempestade sobreveio…Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo…Mas ninguĂ©m sonha a pressa com que nĂłs
a despimos assim que estamos sĂłs!
DomicĂlio
… O apartamento abria
janelas para o mundo. Crianças vinham
colher na maresia essas notĂcias
da vida por viver ou da inconscientesaudade de nĂłs mesmos. A pobreza
da terra era maior entre os metais
que a rua misturava a feios corpos,
duvidosos, na pressa. E de terraçoem solitude os ecos refluĂam
e cada exĂlio em muitos se tornava
e outra cidade fora da cidadena garra de um anzol ia subindo,
adunca pescaria, mal difuso,
problema de existir, amor sem uso.
Lisboa
Ó Cidade da Luz! Perpétua fonte
De tĂŁo nĂtida e virgem claridade,
Que parece ilusĂŁo, sendo verdade,
Que o sol aqui feneça e nĂŁo desponte…Embandeira-se em chamas o horizonte:
Um fulgor áureo e róseo tudo invade:
SĂŁo mil os panoramas da Cidade,
Surge um novo mirante em cada monte.Ă“ Luz ocidental, mais que a do Oriente
Leve, esmaltada, pura e transparente,
Claro azulejo, madrugada infinda!E Ă©s, ao sol que te exalta e te coroa,
— Loira, morena, multicor Lisboa! —
TĂŁo pagĂŁ, tĂŁo cristĂŁ, tĂŁo moira ainda…