I
Para cantar de amor tenros cuidados,
Tomo entre vĂłs, Ăł montes, o instrumento;
Ouvi pois o meu fĂşnebre lamento;
Se é, que de compaixão sois animados:Já vós vistes, que aos ecos magoados
Do trácio Orfeu parava o mesmo vento;
Da lira de AnfiĂŁo ao doce acento
Se viram os rochedos abalados.
Bem sei, que de outros gĂŞnios o Destino,
Para cingir de Apolo a verde rama,
Lhes influiu na lira estro divino:O canto, pois, que a minha voz derrama,
Porque ao menos o entoa um peregrino,
Se faz digno entre vós também de fama.
Sonetos de Cláudio Manuel da Costa
86 resultadosXIX
Corino, vai buscar aquela ovelha,
Que grita lá no campo, e dormiu fora;
Anda; acorda, pastor; que sai a Aurora:
Como vem tão risonha, e tão vermelha!Já perdi noutro tempo uma parelha
Por teu respeito; queira Deus, que agora
Não se me vá também estoutra embora;
Pois não queres ouvir, quem te aconselha.Que sono será este tão pesado!
Nada responde, nada diz Corino:
Ora em que mãos está meu pobre gado!Mas ai de mim! que cego desatino.
Como te hei de acusar de descuidado,
Se toda a culpa tua Ă© meu destino!
XXX
NĂŁo se passa, meu bem, na noite, e dia
Uma hora sĂł, que a mĂsera lembrança
Te não tenha presente na mudança,
Que fez, para meu mal, minha alegria.Mil imagens debuxa a fantasia,
Com que mais me atormenta e mais me cansa:
Pois se tão longe estou de uma esperança,
Que alĂvio pode dar me esta porfia!Tirano foi comigo o fado ingrato;
Que crendo, em te roubar, pouca vitĂłria,
Me deixou para sempre o teu retrato:Eu me alegrara da passada glĂłria,
Se quando me faltou teu doce trato,
Me faltara também dele a memória.
IV
Sou pastor; nĂŁo te nego; os meus montados
SĂŁo esses, que aĂ vĂŞs; vivo contente
Ao trazer entre a relva florescente
A doce companhia dos meus gados;Ali me ouvem os troncos namorados,
Em que se transformou a antiga gente;
Qualquer deles o seu estrago sente;
Como eu sinto também os meus cuidados.Vós, ó troncos, (lhes digo) que algum dia
Firmes vos contemplastes, e seguros
Nos braços de uma bela companhia;Consolai-vos comigo, ó troncos duros;
Que eu alegre algum tempo assim me via;
E hoje os tratos de Amor choro perjuros.
XXI
De um ramo desta faia pendurado
Veja o instrumento estar do pastor Fido;
Daquele, que entre os mais era aplaudido,
Se alguma vez nas selvas escutado.Ser eternamente consagrado
Um ai saudoso, um fĂşnebre gemido;
Enquanto for no monte repetido
O seu nome, o seu canto levantado.Se chegas a este sĂtio, e te persuade
A algum pesar a sua desventura,
Corresponde em afetos de piedade;Lembra te, caminhante, da ternura
De seu canto suave; e uma saudade
Por obséquio dedica à sepultura.
XXXVII
Continuamente estou imaginando,
Se esta vida, que logro, tĂŁo pesada,
Há de ser sempre aflita, e magoada,
Se como o tempo enfim se há de ir mudando:Em golfos de esperança flutuando
Mil vezes busco a praia desejada;
E a tormenta outra vez nĂŁo esperada
Ao pélago infeliz me vai levando.Tenho já o meu mal tão descoberto,
Que eu mesmo busco a minha desventura;
Pois nĂŁo pode ser mais seu desconcerto.Que me pode fazer a sorte dura,
Se para nĂŁo sentir seu golpe incerto,
Tudo o que foi paixão, é já loucura!