Sonetos sobre Cores de Camilo Pessanha

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Sonetos de cores de Camilo Pessanha. Leia este e outros sonetos de Camilo Pessanha em Poetris.

EstĂĄtua

Cansei-me de tentar o teu segredo:
No teu olhar sem cor, de frio escalpelo,
O meu olhar quebrei, a debatĂȘ-lo,
Como a onda na crista dum rochedo.

Segredo dessa alma e meu degredo
E minha obsessĂŁo! Para bebĂȘ-lo
Fui teu lĂĄbio oscular, num pesadelo,
Por noites de pavor, cheio de medo.

E o meu Ăłsculo ardente, alucinado,
Esfriou sobre o mĂĄrmore correto
Desse entreaberto lĂĄbio gelado…

Desse lĂĄbio de mĂĄrmore, discreto,
Severo como um tĂșmulo fechado,
Sereno como um pélago quieto.

Poema Final

Ó cores virtuais que jazeis subterrñneas,
_ FulguraçÔes azuis, vermelhos de hemoptise,
Represados clarÔes, cromåticas vesùnias,
No limbo onde esperais a luz que vos batize,

As pĂĄlpebras cerrai, ansiosas nĂŁo veleis.
Abortos que pendeis as frontes cor de cidra,
TĂŁo graves de cismar, nos bocais dos museus,
E escutando o correr da ĂĄgua na clepsidra,

Vagamente sorris, resignados e ateus,
Cessai de cogitar, o abismo nĂŁo sondeis.
Gemebundo arrulhar dos sonhos nĂŁo sonhados,

Que toda a noite errais, doces almas penando,
E as asas lacerais na aresta dos telhados,
E no vento expirais em um queixume brando,
Adormecei. NĂŁo suspireis. NĂŁo respireis.

Desce em Folhedos Tenros a Colina

Desce em folhedos tenros a colina:
Em glaucos, frouxos tons adormecidos,
Que saram, frescos, meus olhos ardidos,
Nos quais a chama do furor declina…

Oh vem, de branco, do imo da folhagem!
Os ramos, leve, a tua mĂŁo aparte.
Oh vem! Meus olhos querem desposar-te,
Refletir virgem a serena imagem.

De silva doida uma haste esquiva.
QuĂŁo delicada te osculou num dedo
Com um aljĂŽfar cor de rosa viva!…

Ligeira a saia… Doce brisa impele-a…
Oh vem! De branco! Do imo do arvoredo!
Alma de silfo, carne de camĂ©lia…

VĂȘnus II

Singra o navio. Sob a ĂĄgua clara
VĂȘ-se o fundo do mar, de areia fina…
– ImpecĂĄvel figura peregrina,
A distĂąncia sem fim que nos separa!

Seixinhos da mais alva porcelana,
Conchinhas tenuemente cor de rosa,
Na fria transparĂȘncia luminosa
Repousam, fundos, sob a ĂĄgua plana.

E a vista sonda, reconstrui, compara,
Tantos naufrågios, perdiçÔes, destroços!
– Ó fĂșlgida visĂŁo, linda mentira!

RĂłseas unhinhas que a marĂ© partira…
Dentinhos que o vaivĂ©m desengastara…
Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos…

VĂ©nus

I

À flor da vaga, o seu cabelo verde,
Que o torvelinho enreda e desenreda…
O cheiro a carne que nos embebeda!
Em que desvios a razĂŁo se perde!

PĂștrido o ventre, azul e aglutinoso,
Que a onda, crassa, num balanço alaga,
E reflui (um olfato que se embriaga)
Como em um sorvo, murmura de gozo.

O seu esboço, na marinha turva…
De pé flutua, levemente curva;
Ficam-lhe os pĂ©s atrĂĄs, como voando…

E as ondas lutam, como feras mugem,
A lia em que a desfazem disputando,
E arrastando-a na areia, co’a salsugem.

II

Singra o navio. Sob a ĂĄgua clara
VĂȘ-se o fundo do mar, de areia fina…
_ ImpecĂĄvel figura peregrina,
A distĂąncia sem fim que nos separa!

Seixinhos da mais alva porcelana,
Conchinhas tenuemente cor de rosa,
Na fria transparĂȘncia luminosa
Repousam, fundos, sob a ĂĄgua plana.

E a vista sonda, reconstrui, compara,
Tantos naufrågios, perdiçÔes, destroços!
_ Ó fĂșlgida visĂŁo, linda mentira!

RĂłseas unhinhas que a marĂ© partira…
Dentinhos que o vaivĂ©m desengastara…

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