LXXVI
Enfim te hei de deixar, doce corrente
Do claro, do suavĂssimo Mondego;
Hei de deixar-te enfim; e um novo pego
Formará de meu pranto a cópia ardente.De ti me apartarei; mas bem que ausente,
Desta lira serás eterno emprego;
E quanto influxo hoje a dever-te chego,
Pagará de meu peito a voz cadente.Das ninfas, que na fresca, amena estância
Das tuas margens Ăşmidas ouvia,
Eu terei sempre n’alma a consonância;Desde o prazo funesto deste dia
Serão fiscais eternos da minha ânsia
As memĂłrias da tua companhia.
Sonetos sobre Correntes de Cláudio Manuel da Costa
5 resultadosLXXIX
Entre este álamo, o Lise, e essa corrente,
Que agora estĂŁo meus olhos contemplando,
Parece, que hoje o céu me vem pintando
A mágoa triste, que meu peito sente.Firmeza a nenhum deles se consente
Ao doce respirar do vento brando;
O tronco a cada instante meneando,
A fonte nunca firme, ou permanente.Na lĂquida porção, na vegetante
CĂłpia daquelas ramas se figura
Outro rosto, outra imagem semelhante:Quem nĂŁo sabe, que a tua formosura
Sempre móvel está, sempre inconstante,
Nunca fixa se viu, nunca segura?
XXIII
Tu sonora corrente, fonte pura,
Testemunha fiel da minha pena,
Sabe, que a sempre dura, e ingrata
Almena Contra o meu rendimento se conjura:Aqui me manda estar nesta espessura,
Ouvindo a triste voz da filomena,
E bem que este martĂrio hoje me ordena,
Jamais espero ter melhor ventura.Veio a dar me somente uma esperança
Nova idéia do ódio; pois sabia,
Que o rigor nĂŁo me assusta, nem me cansa:Vendo a tanto crescer minha porfia,
Quis mudar de tormento; e por vingança
Foi buscar no favor a tirania.
XX
Ai de mim! como estou tĂŁo descuidado!
Como do meu rebanho assim me esqueço,
Que vendo o trasmalhar no mato espesso,
Em lugar de o tornar, fico pasmado!Ouço o rumor que faz desaforado
O lobo nos redis; ouço o sucesso
Da ovelha, do pastor; e desconheço
NĂŁo menos, do que ao dono, o mesmo gado:Da fonte dos meus olhos nunca enxuta
A corrente fatal, fico indeciso,
Ao ver, quanto em meu dano se executa.Um pouco apenas meu pesar suavizo,
Quando nas serras o meu mal se escuta;
Que triste alĂvio! ah infeliz Daliso!
LXXXI
Junto desta corrente contemplando
Na triste falta estou de um bem que adoro;
Aqui entre estas lágrimas, que choro,
Vou a minha saudade alimentando.Do fundo para ouvir-me vem chegando
Das claras hamadrĂades o coro;
E desta fonte ao murmurar sonoro,
Parece, que o meu mal estão chorando.Mas que peito há de haver tão desabrido,
Que fuja Ă minha dor! que serra, ou monte
Deixará de abalar-se a meu gemido!Igual caso não temo, que se conte;
Se até deste penhasco endurecido
O meu pranto brotar fez uma fonte.