Sonetos sobre Crianças

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Sonetos de crianças escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Anseio

Nessas paragens desoladas, onde
O silĂŞncio campeia soberano
Morreram notas do bulĂ­cio humano,
Nem vibra a corda que a saudade esconde.

Anseios d’alma aqui se perdem. Donde
Fluiu outrora a luz dum doce engano,
Hoje Ă© trevas, Ă© dor, Ă© desengano,
E eu ergo preces que ninguém responde.

Triste criança virginal, quem dera
Voar est’alma a ti, longe dos laços
Dessa jaula de carne que a encarcera!

Ah! Que unidos assim, lá nos espaços,
Cantarias do amor a primavera,
Tendo a minh’alma presa nos teus braços!

Colegial

Gosto de vĂŞ-la, assim… Quando Ă  tarde ela vem
fisionomia suave, ingenuamente franca…
Toda a rua se alegra, e eu me alegro também
com o seu vulto feliz: saia azul, blusa branca…

Quantos nadas de sonho o seu olhar contém!
A luz viva do olhar ninguém talvez lhe arranca.
– Gosto de ve-la, sim… E ficam-lhe tĂŁo bem
aquela saia azul, e aquela blusa branca…

Azul: – azul Ă© a cor da vida que ela sonha!
E branca: – branca Ă© a cor da sua alma de criança
onde ela prĂłpria se olha irrequieta e risonha

Feliz… NĂŁo tem presente e ainda nem tem passado…
SĂł o futuro, – e o futuro Ă© uma imensa esperança
um mundo que ainda fica oculto do outro lado!

Quinze Anos

Eu amo a vasta sombra das montanhas,
Que estendem sobre os largos continentes
Os seus braços de rocha negra, ingentes,
Bem como braços colossais aranhas.

D’ali o nosso olhar vĂŞ tĂŁo estranhas
Coisas, por esse céu! e tão ardentes
Visões, lá n’esse mar de ondas trementes!
E Ă s estrelas, d’ali, vĂŞ-as tamanhas!

Amo a grandeza misteriosa e vasta…
A grande ideia, como a flor e o viço
Da árvore colossal que nos domina…

Mas tu, criança, sĂŞ tu boa… e basta:
Sabe amar e sorrir… Ă© pouco isso?
Mas a ti sĂł te quero pequenina!

É Assim A Vida

Poderias ter sido tudo em minha vida
se ao menos tu tivesses desejado ser…
Dei-te a minha emoção mais profunda e sentida
e o mais profundo amor que concebeu meu Ser!

Por esse amor que em vĂŁo tentei te oferecer
eu fui poeta, eu fui criança… e tive a alma iludida!
TraĂ­ meu ceticismo, e sonhei… e quis crer…
– hoje… volto ao que fui, – a crença perdida…

Poderias ter sido tudo em meu destino:
– o meu lar, o meu filho, o meu rumo, o meu hino,
o meu prĂłprio futuro… a obra que ainda nĂŁo fiz…

Tudo terias sido… E nĂŁo quiseste nada…
No entanto, ( a vida Ă© assim), – sei de uma outra, coitada,
que se um olhar dou… Ă© a mulher mais feliz!

Estrada A Fora

Ela passou por mim toda de preto,
Pela mĂŁo conduzindo uma criança…
E eu cuidei ver ali uma esperança
E uma Saudade em pálido dueto.

Pois, quando a perda de um sagrado afeto
De lastimar esta mulher nĂŁo cansa,
N’uma alegria descuidosa e mansa,
Passa a criança, o beija-flor inquieto.

Também na Vida o gozo e a desventura
Caminham sempre unidos, de mĂŁos dadas,
E o berço, Ă s vezes, leva Ă  sepultura…

No coração, – um horto de martĂ­rios! –
Brotam sem fim as ilusões douradas,
Como nas campas desabrocham lĂ­rios.

Clarisse

“NĂŁo sei o que Ă© tristeza,” ela me disse…
E a sua boca virginal sorria:
Ninho de estrelas, concha de ambrosia
Cheia de rosas que do CĂ©u caĂ­sse!

E eu docemente murmurei: Clarisse,
Será possĂ­vel que tu’alma fria
Ouvindo o choro da Melancolia
O ressábio do fel nunca sentisse?

Será possível que o teu seio, rosa,
Nunca embalasse a lágrima formosa?
Ah! nĂŁo Ă©s rosa, pois nĂŁo tens espinho!

E os olhos teus, dois templos de esperança,
Nunca viram sofrer uma criança,
Nunca viram morrer um passarinho!

Meu Pai

A Eloy

Desce, meu Pai, a noite baixou mansa.
Nem uma nuvem se vê mais no céu:
Aninharam-se aqui no peito meu,
Onde, chorando, a negra dor descansa.

Quando morreste eu era bem criança,
Balbuciava, sim, o nome teu,
Mas d’este rosto santo que morreu
Já não conservo a mínima lembrança.

A noite Ă© clara; e eu, aqui sentada,
Tenho medo da lua embalsamada,
Corta-me o frio a alma comovida.

Se lá no Céu teu coração padece,
Vem comigo rezar a mesma prece:
Tua bênção, meu pai, me dará vida!

ManhĂŁ No Campo

A Maria Nunes

Estendo os olhos pelo prado a fora:
Verdura e flores Ă© o que a vista alcança…
– Bendito oásis onde o olhar descansa
Quando saudades do passado chora. –

Escuto ao longe uma canção sonora.
Voz de mulher ou, antes, de criança
Entoa o hino branco da Esperança,
Hino das aves ao nascer da Aurora.
Por toda parte risos e fulgores
E a Natureza desabrochando em flores,
Iluminada pelo Sol risonho,

Recorda um’alma diluĂ­da em prece,
Um coração feliz que inda estremece
Ă€ luz sagrada do primeiro sonho!

Noemi

Eu quisera saber em que ela pensa,
Esta mimosa e santa criatura
Quando indeciso o seu olhar procura
Alguma estrela pelo Azul suspensa;

E que tristeza, indefinida, imensa,
Do seu olhar na flama, ardente e pura,
Intérmina e suave se condensa
Como as brumas no CĂ©u em noite escura.

Pobre criança! Que infinita mágoa
Punge-te o seio e te anuvia os olhos
– Benditos olhos sempre rasos d’água! –

Choras… E o mundo te oferece flores…
Deixa os espinhos, lágrimas e abrolhos,
Só para mim, que só conheço dores!

Não Diga o Meu Espelho que Envelheço

Não diga o meu espelho que envelheço,
se a juventude e tu tĂŞm igual data,
mas se os sulcos do tempo em ti conheço
entĂŁo devo expiar no que me mata.

Tanta beleza te recobre e deu
tais galas a vestir a meu coração,
que vive no teu peito e o teu no meu.
Mais velho do que tu serei entĂŁo?

Portanto, meu amor, cuida de ti
como eu, nĂŁo por mim, por ti somente
te cuido o coração, que guardo aqui

como à criança a ama diligente.
NĂŁo contes com o teu se o meu morrer.
Deste-me o teu e o nĂŁo vou devolver.

O Monge

-“O coração da infância”, eu lhe dizia,
“É manso.” E ele me disse:-“Essas estradas,
Quando, novo Eliseu, as percorria,
As crianças lançavam-me pedradas…”

Falei-lhe entĂŁo na glĂłria e na alegria;
E ele-alvas barbas longas derramadas
No burel negro-o olhar somente erguia
Ă€s cĂ©rulas regiões ilimitadas…

Quando eu, porém, falei no amor, um riso
SĂşbito as faces do impassĂ­vel monge
Iluminou… Era o vislumbre incerto,

Era a luz de um crepĂşsculo indeciso
Entre os clarões de um sol que já vai longe
E as sombras de uma noite que vem perto!…

RuĂ­nas

I

E Ă© triste ver assim ir desfolhando,
VĂŞ-las levadas na amplidĂŁo do ar,
As ilusões que andámos levantando
Sobre o peito das mĂŁes, o eterno altar.

Nem sabe a gente já como, nem quando,
Há-de a nossa alma um dia descansar!
Que as almas vĂŁo perdidas, vĂŁo boiando
Nesta corrente elĂ©ctrica do mar!…

Ă“ ciĂŞncia, minha amante, Ăł sonho belo!
És fria como a folha dum cutelo…
Nunca o teu lábio conheceu piedade!

Mas caia embora o velho paraĂ­so,
Caia a fé, caia Deus! sendo preciso,
Em nome do Direito e da Verdade.

II

Morreu-me a luz da crença — alva cecém,
Pálida virgem de luzentas tranças
Dorme agora na campa das crianças,
Onde eu quisera repousar também.

A graça, as ilusões, o amor, a unção,
Doiradas catedrais do meu passado,
Tudo caiu desfeito, escalavrado
Nos tremendos combates da razĂŁo.

Perdida a fé, esse imortal abrigo,
Fiquei sozinho como herĂłi antigo
Batalhando sem elmo e sem escudo.

A implacável, a rígida ciência
Deixou-me unicamente a ProvidĂŞncia,

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DomicĂ­lio

… O apartamento abria
janelas para o mundo. Crianças vinham
colher na maresia essas notĂ­cias
da vida por viver ou da inconsciente

saudade de nĂłs mesmos. A pobreza
da terra era maior entre os metais
que a rua misturava a feios corpos,
duvidosos, na pressa. E de terraço

em solitude os ecos refluĂ­am
e cada exĂ­lio em muitos se tornava
e outra cidade fora da cidade

na garra de um anzol ia subindo,
adunca pescaria, mal difuso,
problema de existir, amor sem uso.

Esperar

Quanta gente há que sofre o mal sem cura
de uma infinita e vã desesperança,
condenada a viver só da lembrança
sem direito a esperar qualquer ventura!

E eu a chamar de angĂşstia e de amargura
esta minha saudade ingĂŞnua e mansa
que faz com que me sinta um pouco criança ,
sĂł porque a espero com maior ternura!

E eu a dizer que a minha vida é má
Feliz é quem espera um bem que alcança
e eu sou feliz porque ela voltará…

Voltará – pressurosa e comovida –
Ah! poder esperar tendo esperança
é a mais doce esperança desta vida!

Celeste

Vi-te crescer! tu eras a criança
Mais linda, mais gentil, mais delicada:
Tinhas no rosto as cores da alvorada
E o sol disperso pela loira trança.

Asas tinhas tambĂ©m, as da esperança…
E de tal sorte eras sutil e alada
Que parecias ave arrebatada
Na luz do Espaço onde a razão descansa!

Depois, entĂŁo, fizeste-te menina,
VisĂŁo de amor, purĂ­ssima, divina,
Perante a qual ainda hoje me ajoelho.

Cresceste mais! És bela e moça agora…
Mas eu, que acompanhei toda essa aurora,
Sinto bem quanto estou ficando velho.

Soneto Da Lua

Por que tens, por que tens olhos escuros
E mĂŁos languidas, loucas, e sem fim
Quem és, quem és tu, não eu, e estás em mim
Impuro, como o bem que está nos puros ?

Que paixão fez-te os lábios tão maduros
Num rosto como o teu criança assim
Quem te criou tĂŁo boa para o ruĂ­m
E tĂŁo fatal para os meus versos duros?

Fugaz, com que direito tens-me pressa
A alma, que por ti soluça nua
E nĂŁo Ă©s Tatiana e nem Teresa:

E Ă©s tĂŁo pouco
a mulher que anda na rua
Vagabunda, patética e indefesa

Tarde Demais

Crescemos sempre assim, unidos – desde crianças
vivemos como irmĂŁos, e, afinal, sĂł depois
que o tempo nos mudou, Ă© que eu e tu, nĂłs dois,
descobrimos no amor as nossas esperanças…

Mas foi tarde demais… Eu já tinha tomado
um rumo diferente – e o meu caminho e o teu
cada qual do princĂ­pio um dia se esqueceu,
e seguiu, cada qual, um rumo inesperado…

Quantos anos!… Meu Deus!… É esquisita esta vida…
Depois que a nossa estrada em duas foi partida
em uma novamente, o mundo as quis juntar.. .

Mas de nada serviu… De que serviu nos vermos
se o presente tornou os nossos sonhos ermos,
– se nĂŁo podes me amar!… se nĂŁo posso te amar!…

Mistério

Ă€ memĂłria do pequeno Alberto.

Sei que tu’alma carinhosa e mansa
Voou, sorrindo, para o Azul celeste;
Sei que teu corpo virginal descansa
Aqui da terra n’um cantinho agreste.

Tudo isto sei: mas tu nĂŁo me disseste
Se lá no Céu, na pátria da Esperança,
Ou aqui no mundo, Ă  sombra do cipreste,
Deixaste o coração, loura criança!

Desceu acaso com o corpo Ă  terra
Ele tĂŁo puro e que sĂł luz encerra?
NĂŁo creio n’isso e ninguĂ©m crĂŞ de certo…

Entanto, eu cismo que, num vale ameno,
Talvez o seio de um jasmim pequeno
Sirva de berço ao coração de Alberto.