PlangĂŞncia Da Tarde
Quando do campo as prĂłfugas ovelhas
Voltam a tarde, lépidas, balando
Com elas o pastor volta cantando
E fulge o ocaso em convulsões vermelhas.Nos beirados das casas, sobre as telhas
Das andorinhas esvoaça o bando…
E o mar, tranqĂĽilo, fica cintilando
Do sol que morre as Ăşltimas centelhas.O azul dos montes vago na distância…
No bosque, no ar, a cândida fragrância
Dos aromas vitais que a tarde exala.Ă€s vezes, longe, solta, na esplanada,
A ovelha errante, tonta e desgarrada,
Perdida e triste pelos ermos bala …
Sonetos de Cruz e Souza
306 resultadosInvulnerável
Quando dos carnavais da raça humana
Forem caindo as máscaras grotescas
E as atitudes mais funambulescas
Se desfizerem no feroz Nirvana;Quando tudo ruir na febre insana,
Nas vertigens bizarras, pitorescas
De um mundo de emoções carnavalescas
Que ri da Fé profunda e soberana,Vendo passar a lúgubre, funérea
Galeria sinistra da Miséria,
Com as máscaras do rosto descoladas,Tu que és o deus, o deus invulnerável,
Reseiste a tudo e fica formidável,
No SilĂŞncio das nooites estreladas!
A Dor
Torva Babel das lágrimas, dos gritos,
Dos soluços, dos ais, dos longos brados,
A Dor galgou os mundos ignorados,
Os mais remotos, vagos infinitos.Lembrando as religiões, lembrando os ritos,
Avassalara os povos condenados,
Pela treva, no horror, desesperados,
Na convulsão de Tântalos aflitos.Por buzinas e trompas assoprando
As gerações vão todas proclamando
A grande Dor aos frĂgidos espaços…E assim parecem, pelos tempos mudos,
Raças de Prometeus titânios, rudos,
Brutos e colossais, torcendo os braços!
Alçando O Livro Colossal Ardente
Alçando o livro colossal ardente
Traças no crânio um sulco luminoso,
E vais seguindo o remontar garboso
Do sol fagueiro lá no espaço ingente!Ergues a fronte juvenil potente
Já como herói ou lutador famoso
E c’uma forma de pensar honroso
Fazes-te esperança da brasĂlea gente!Seis vezes astro de maior grandeza
Enfim lá surges nos exames belos
Enfim triunfas na brilhante empresa!Seis vezes quebras da ignorância os elos,
Seis vezes vives com mais sĂŁ firmeza,
Gemem seis vezes a louvar-te os prelos!…
Deusa Serena
Espiritualizante Formosura
Gerada nas Estrelas impassĂveis,
Deusa de formas bĂblicas, flexĂveis,
Dos eflúvios da graça e da ternura.Açucena dos vales da Escritura,
Da alvura das magnĂłlias marcessĂveis,
Branca Via-Láctea das indefinĂveis
Brancuras, fonte da imortal brancura.NĂŁo veio, Ă© certo, dos pauis da terra
Tanta beleza que o teu corpo encerra,
Tanta luz de luar e paz saudosa…Vem das constelações, do Azul do Oriente,
Para triunfar maravilhosamente
Da beleza mortal e dolorosa!
Doente Variação
As unhas perigosas da bronquite
Nas tuas carnes flácidas e moles,
NĂŁo deixarĂŁo que o teu amor palpite,
Nem que os olhares pela esfera roles…É fatal a molĂ©stia — sĂł permite
Que te acabes por fim, e que te estioles,
Sem que em teu peito um coração se agite,
Sem que te animes, sem que te consoles.Vai-se extinguindo a polpa dessas faces!
Mas se ainda hoje em mim acreditasses,
Como no tempo musical de outrora,Me seguirias com pequeno esforço,
Das serranias através do dorso,
Pela saúde dos vergéis afora!
Post Mortem
Quando do amor das Formas inefáveis
No teu sangue apagar-se a imensa chama,
Quando os brilhos estranhos e variáveis
Esmorecerem nos trofĂ©us da Fama.Quando as nĂveas Estrelas invioláveis,
Doce velário que um luar derrama,
Nas clareiras azuis ilimitáveis
Clamarem tudo o que o teu Verso clama.Já terás para os báratros descido,
Nos cilĂcios da Morte revestido,
PĂ©s e faces e mĂŁos e olhos gelados…Mas os teus Sonhos e Visões e Poemas
Pelo alto ficarĂŁo de eras supremas
Nos relevos do Sol eternizados!
SĂł!
Muito embora as estrelas do Infinito
Lá de cima me acenem carinhosas
E desça das esferas luminosas
A doce graça de um clarão bendito;Embora o mar, como um revel proscrito,
Chame por mim nas vagas ondulosas
E o vento venha em cĂłleras medrosas
O meu destino proclamar num grito,Neste mundo tão trágico, tamanho,
Como eu me sinto fundamente estranho
E o amor e tudo para mim avaro…Ah! como eu sinto compungidamente,
Por entre tanto horror indiferente,
Um frio sepulcral de desamparo!
Ave! Maria
Ave! Maria das Estrelas, Ave!
Cheia de graça do luar, Maria!
Harmonia de cântico suave,
Das harpas celestiais branda harmonia…Nuvem d’incensos atravĂ©s da nave
Quando o templo de pompas irradia
E em prantos o ĂłrgĂŁo vai plangendo grave
A profunda e gemente litania…Seja bendito o fruto do teu ventre,
Jesus, mais belo dentre os astros e entre
As mulheres judaicas mais amado…Ă“ Luz! Eucaristia da beleza,
Chama sagrada no Evangelho acesa,
Maravilha do Amor e do Pecado!
O Chalé
É um chalé luzido e aristocrático,
De fulgurantes, ricos arabescos,
Janelas livres para os ares frescos,
Galante, raro, encantador, simpático.O sol que vibra em rubro tom prismático,
No resplendor dos luxos principescos,
Dá-lhe uns alegres tiques romanescos,
Um colorido ideal silforimático.Há um jardim de rosas singulares,
LĂrios joviais e rosas nĂŁo vulgares,
Brancas e azuis e roxas purpĂşreas.E a luz do luar caindo em brilhos vagos,
Na placidez de adormecidos lagos
Abre esquisitas radiações sulfúreas.
Boca Imortal
Abre a boca mordaz num riso convulsivo
Ă“ fera sensual, luxuriosa fera!
Que essa boca nervosa, em riso de pantera,
Quando ri para mim lembra um capro lascivo.Teu olhar dá-me febre e dá-me um brusco e vivo
Tremor as carnes, que eu, se ele em mim reverbera,
Fico aceso no horror da paixĂŁo que ele gera,
Inflamada, fatal, dum sangue rubro e ativo.Mas a boca produz tais sensações de morte,
O teu riso, afinal, Ă© tĂŁo profundo e forte
E tem de tanta dor tantas negras raĂzes;Rigolboche do tom, Ăł flor pompadouresca!
Que és, para mim, no mundo, a trágica e dantesca
Imperatriz da Dor, entre as imperatrizes!
Acima De Tudo
Da gota d’água de um carinho agreste
Geram-se os oceanos da Bondade.
O coração que é livre e bom reveste
Tudo d’encanto e simples majestade.Ascender para a Luz Ă© ser celeste,
Novos astros sentir na imensidade
Da alma e ficar nessa inconsĂştil veste
Da divina e serena claridade.O que Ă© consolador e o que Ă© supremo
Cada alma encontra no caminho extremo,
Quando atinge às estrelas da pureza.É apenas trazer o Ser liberto
De tudo e transformar cada deserto
Num sonho virginal da Natureza!
ApĂłs O Noivado
Em flácido divã ela resvala
Na alcova — bem feliz, alegremente,
E o fresco penteador alvinitente,
De nardo e benjoim o aroma exala.E o noivo todo amor, assim lhe fala,
Por entre vibrações do olhar ardente:
Pertences-me afinal, pomba dormente
Parece que a razĂŁo de gozo, estala.Mas eis — corre-se entĂŁo nĂvea cortina:
E a plácida, a ideal, a branca lua
Derrama nos vergĂ©is a luz divina…Depois… Oh! Musa audaz, ousada, e nua,
Não rompas esse véu de gaze fina
Que encerra um madrigal — Vamos… recua!…
Divina
Eu não busco saber o inevitável
Das espirais da tua vi matéria.
Não quero cogitar da paz funérea
Que envolve todo o ser inconsolável.Bem sei que no teu circulo maleável
De vida transitória e mágoa seria
Há manchas dessa orgânica miséria
Do mundo contingente , imponderável .Mas o que eu amo no teu ser obscuro
E o evangélico mistério puro
Do sacrifĂcio que te torna heroĂna.SĂŁo certos raios da tu’alma ansiosa
E certa luz misericordiosa,
E certa auréola que te fez divina!
Abrigo Celeste
Estrela triste a refletir na lama,
Raio de luz a cintilar na poeira,
Tens a graça sutil e feiticeira,
A doçura das curvas e da chama.Do teu olhar um fluido se derrama
De tão suave, cândida maneira
Que és a sagrada pomba alvissareira
Que para o Amor toda a minh’alma chama.Meu ser anseia por teu doce apoio,
Nos outros seres sĂł encontra joio
Mas sĂł no teu todo o divino trigo.Sou como um cego sem bordĂŁo de arrimo
Que do teu ser, tateando, me aproximo
Como de um céu de carinhoso abrigo.
Luar
Ao longo das lourĂssimas searas
Caiu a noite taciturna e fria…
Cessou no espaço a lĂmpida harmonia
Das infinitas perspectivas claras.As estrelas no céu, puras e raras,
Como um cristal que nĂtido radia,
Abrem da noite na mudez sombria
O cofre ideal de pedrarias caras.Mas uma luz aos poucos vai subindo
Como do largo mar ao firmamento — abrindo
Largo clarĂŁo em flocos d’escomilha.Vai subindo, subindo o firmamento!
E branca e doce e nĂvea, lento e lento,
A lua cheia pelos campos brilha…
Salve! Rainha!
Ă“ sempre virgem Maria, concebida
sem pecado original, desde o
primeiro instante do teu ser…MĂŁe de MisericĂłrdia, sem pecado
Original, desde o primeiro instante!
Salve! Rainha da MansĂŁo radiante,
Virgem do Firmamento constelado…Teu coração de espadas lacerado,
Sangrando sangue e fel martirizante,
Escute a minha Dor, a torturante,
A Dor do meu soluço eternizado.A minha Dor, a minha Dor suprema,
A Dor estranha que me prende, algema
Neste Vale de lágrimas profundo…Salve! Rainha! por quem brado e clamo
E brado e brado e com angĂşstia chamo,
Chamo, atravĂ©s das convulsões do mundo!…
Celeste
Vi-te crescer! tu eras a criança
Mais linda, mais gentil, mais delicada:
Tinhas no rosto as cores da alvorada
E o sol disperso pela loira trança.Asas tinhas tambĂ©m, as da esperança…
E de tal sorte eras sutil e alada
Que parecias ave arrebatada
Na luz do Espaço onde a razão descansa!Depois, então, fizeste-te menina,
VisĂŁo de amor, purĂssima, divina,
Perante a qual ainda hoje me ajoelho.Cresceste mais! És bela e moça agora…
Mas eu, que acompanhei toda essa aurora,
Sinto bem quanto estou ficando velho.
Campesinas V
De manhĂŁ tu vais ao gado
A cantar entre as giestas,
Com tuas graças modestas,
Correndo e saltando o prado.E a veiga e o rio e o valado
Que todos dormem as sestas
Acordam-se ante as honestas
Canções desse peito amado.As aves nos ares gozam,
Entre abraços se desposam,
No mais amoroso enlace.E as abelhas matutinas
Que regressam das boninas
Voam, te em torno da face.
Sinfonias Do Ocaso
Musselinosas como brumas diurnas
Descem do acaso as sombras harmoniosas,
Sombras veladas e musselinosas
Para as profundas solidões noturnas.Sacrários virgens, sacrossantas urnas,
Os céus resplendem de sidéreas rosas,
Da lua e das Estrelas majestosas
Iluminando a escuridĂŁo das furnas.Ah! por estes sinfĂ´nicos ocasos
A terra exala aromas de áureos vasos,
Incensos de turĂbulos divinos.Os plenilĂşnios mĂłrbidos vaporam…
E como que no Azul plangem e choram
CĂtaras, harpas, bandolins, violinos…