Sonetos sobre Cuidado de Antero de Quental

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Sonetos de cuidado de Antero de Quental. Leia este e outros sonetos de Antero de Quental em Poetris.

Sonho

Sonhei – nem sempre o sonho é coisa vã –
Que um vento me levava arrebatado,
Através desse espaço constelado
Onde uma aurora eterna ri louçã…

As estrelas, que guardam a manhã,
Ao verem-me passar triste e calado,
Olhavam-me e diziam com cuidado:
Onde está, pobre amigo, a nossa irmã?

Mas eu baixava os olhos, receoso
Que traíssem as grandes mágoas minhas,
E passava furtivo e silencioso,

Nem ousava contar-lhes, às estrelas,
Contar às tuas puras irmãzinhas
Quanto és falsa, meu bem, e indigna delas!

Lamento

Um diluvio de luz cae da montanha:
Eis o dia! eis o sol! o esposo amado!
Onde ha por toda a terra um só cuidado
Que não dissipe a luz que o mundo banha?

Flor a custo medrada em erma penha,
Revolto mar ou golfo congelado,
Aonde ha ser de Deus tão olvidado
Para quem paz e alivio o céo não tenha?

Deus é Pae! Pae de toda a creatura:
E a todo o ser o seu amor assiste:
De seus filhos o mal sempre é lembrado…

Ah! se Deus a seus filhos dá ventura
N’esta hora santa… e eu só posso ser triste…
Serei filho, mas filho abandonado!

Mais Luz!

(A Guilherme de Azevedo)

Amem a noite os magros crapulosos,
E os que sonham com virgens impossíveis,
E os que inclinam, mudos e impassíveis,
À borda dos abismos silenciosos…

Tu, lua, com teus raios vaporosos,
Cobre-os, tapa-os e torna-os insensíveis,
Tanto aos vicios crueis e inextinguiveis,
Como aos longos cuidados dolorosos!

Eu amarei a santa madrugada,
E o meio-dia, em vida refervendo,
E a tarde rumorosa e repousada.

Viva e trabalhe em plena luz: depois,
Seja-me dado ainda ver, morrendo,
O claro sol, amigo dos heroes!