A uma Mulher
Pra vĂłs sĂŁo estes versos, pla consoladora
Graça dos olhos onde chora e ri um sonho
Doce, pla vossa alma pura e sempre boa,
Versos do fundo desta aflição opressora.Porque, ai! o pesadelo hediondo que me assombra
Não dá tréguas e, louco, furioso, ciumento,
Multiplica-se como um cortejo de lobos
E enforca-se com o meu destino que ensanguenta!Ah! sofro horrivelmente, ao ponto de o gemido
Desse primeiro homem expulso do ParaĂso
NĂŁo passar de uma Ă©cloga Ă vista do meu!E os cuidados que vĂłs podeis ter sĂŁo apenas
Andorinhas voando à tarde pelo céu
— Querida — num belo dia de um Setembro ameno.Tradução de Fernando Pinto do Amaral
Sonetos sobre Cuidado
78 resultadosMascarados
Mascarados os dois. Eu, mascarado
na hipocrisia com que levo a vida,
tu, na aparĂŞncia inĂştil e fingida
que usas na rua com o maior cuidado …Passas por mim e segues ao meu lado
como outra qualquer desconhecida,
– quem há de imaginar nosso passado
e a intimidade entre nĂłs dois perdida ?…NinguĂ©m… Certo ninguĂ©m pensa e adivinha
porque eu nĂŁo digo e porque tu nĂŁo dizes
Que eu já fui teu… e que tu foste minha…Mas, quantas vezes, amargurado penso
em como nos sentimos infelizes
no Carnaval do nosso orgulho imenso!
Cuidado!
Ă“ namorados que passais, sonhando,
quando bóia, no céu, a lua cheia!
Que andais traçando corações na areia
e corações nos peitos apagando!Desperta os ninhos vosso passo… E quando
pelas bocas em flor o amor chilreia,
nem sei se Ă© o vosso beijo que gorjeia,
se sĂŁo as aves que se estĂŁo beijando…Mais cuidado! NĂŁo vá vossa alegria
afligir tanta gente que seria
feliz sem nunca ouvir nem nunca ver!Poupai a ingenuidade delicada
dos que amaram sem nunca dizer nada,
dos que foram amados sem saber!
Quando em Meu Desvelado Pensamento
Quando em meu desvelado pensamento
O teu formoso gesto se afigura,
NĂŁo sei que afecto sinto, ou que ternura,
Que a toda esta alma dá contentamento.Ali fico num largo esquecimento,
Contemplando na minha conjectura
De teu sereno rosto a graça pura,
De teus olhos o doce movimento.Porém logo a inconstante fantasia
Me acorda o entendimento arrebatado,
E desfaz todo o bem que me fingia,Sendo tal este gosto imaginado,
Que de Amor outra glĂłria eu nĂŁo queria
Mais que trazer-te sempre em meu cuidado.
A umas Lágrimas de uma Despedida
Quando de ambos os céus caindo estava
O rico orvalho, em pérolas formado,
E sobre as frescas rosas derramado,
Igual beleza recebia e dava.Amor que sempre ali presente estava,
Como competidor de meu cuidado,
Num vaso de cristal de ouro lavrado
As gotas uma a uma entesourava.Eu, c’os olhos na luz, que aquele dia,
Entre as nuvens do novo sentimento,
Escassamente os raios descobria,Se me matar (dizia) apartamento,
Ao menos não fará que esta alegria
NĂŁo seja paga igual de meu tormento.
Julga-Me A Gente Toda Por Perdido
Julga-me a gente toda por perdido,
vendo-me, tĂŁo entregue a meu cuidado,
andar sempre dos homens apartado,
e dos tratos humanos esquecido.Mas eu, que tenho o mundo conhecido,
e quase que sobre ele ando dobrado,
tenho por baixo, rĂşstico, enganado,
quem nĂŁo Ă© com meu mal engrandecido.VĂŁo revolvendo a terra, o mar e o vento,
busquem riquezas, honras a outra gente,
vencendo ferro, fogo, frio e calma;que eu sĂł em humilde estado me contento,
de trazer esculpido eternamente
vosso fermoso gesto dentro n’alma.
Soneto Amoroso Defendendo o Amor
SONETO AMOROSO DEFENDENDO O AMOR
É gelo abrasador, fogo gelado,
Ă© ferida que dĂłi e nĂŁo se sente,
Ă© um sonhado bem, um mal presente,
é um breve descanso fatigado;é um sossego que nos dá cuidado,
um cobarde com nome de valente,
solitário andar por entre gente,
um amar nada mais que ser amado;Ă© uma liberdade encarcerada,
que dura até ao último momento;
doença que piora se é tratada.Este o menino Amor, o seu tormento.
Vede a amizade que terá com nada
o que em tudo vai contra o seu intento!Tradução de José Bento
Soneto VI
Ora alegre, ora triste, ou rindo, ou grave,
Ou queda, ou dando passos concertados
Ou tomeis com silĂŞncio altos cuidados,
Ora ouça vossa voz branda e suave;Ora abertos os olhos (onde a chave
Tem amor do que pode) ora cerrados,
Ou estĂŞm de asperezas descuidados,
Ora sua aspereza tudo agrave;Ou do crespo ouro que toda alma prende
Vossa cabeça rodeada seja,
Ou dele solto a luz estĂŞ invejosa:Agora assi, agora assi vos veja,
Igualmente a meus olhos sois fermosa,
Igualmente em meu peito o amor se acende!
A Brevidade da Vida
MANIFESTA-SE A PRĂ“PRIA BREVIDADE DA VIDA, SEM PENSAR E COM PADECER, ASSALTADA PELA MORTE
Foi sonho ontem: será amanhã terra;
pouco antes, nada; pouco depois, fumo;
e destino ambições, até presumo
nem um momento o cerco que me encerra.Breve combate de importuna guerra,
p’ra defender-me, sou perigo sumo;
quando com minhas armas me consumo,
menos me hospeda o corpo, que me enterra.Foi-se o ontem; amanhĂŁ Ă© esperado;
hoie passa, e Ă©, e foi com movimento
que me conduz Ă morte despenhado.Enxadas sĂŁo a hora e o momento;
pagas por minha pena e meu cuidado,
cavam em meu viver meu monumento.Tradução de José Bento
VI
Brandas ribeiras, quanto estou contente
De ver nos outra vez, se isto Ă© verdade!
Quanto me alegra ouvir a suavidade,
Com que FĂlis entoa a voz cadente!Os rebanhos, o gado, o campo, a gente,
Tudo me está causando novidade:
Oh como Ă© certo, que a cruel saudade
Faz tudo, do que foi, mui diferente!Recebei (eu vos peco) um desgraçado,
Que andou té agora por incerto giro
Correndo sempre atrás do seu cuidado:Este pranto, estes ais, com que respiro,
Podendo comover o vosso agrado,
Façam digno de vós o meu suspiro.
XXXIV
Que feliz fora o mundo, se perdida
A lembrança de amor, de amor a glória,
Igualmente dos gostos a memĂłria
Ficasse para sempre consumida!Mas a pena mais triste, e mais crescida
É ver; que em nenhum tempo é transitória
Esta de amor fantástica vitória,
Que sempre na lembrança é repetida.Amantes, os que ardeis nesse cuidado,
Fugi de amor ao venenoso intento,
Que lá para o depois vos tem guardado.Não vos engane o infiel contentamento;
Que esse presente bem, quando passado,
Sobrará para idéia do tormento.
XLV
A cada instante, Amor, a cada instante
No duvidoso mar de meu cuidado
Sinto de novo um mal, e desmaiado
Entrego aos ventos a esperança errante.Por entre a sombra fúnebre, e distante
Rompe o vulto do alivio mal formado;
Ora mais claramente debuxado,
Ora mais frágil, ora mais constante.Corre o desejo ao vê-lo descoberto;
Logo aos olhos mais longe se afigura,
O que se imaginava muito perto.Faz-se parcial da dita a desventura;
Porque nem permanece o dano certo,
Nem a glória tão pouco está segura
Velho Tema II
Eu cantarei de amor tĂŁo fortemente
Com tal celeuma e com tamanhos brados
Que afinal teus ouvidos, dominados,
Hão de à força escutar quanto eu sustente.Quero que meu amor se te apresente
– NĂŁo andrajoso e mendigando agrados,
Mas tal como Ă©: risonho e sem cuidados,
Muito de altivo, um tanto de insolente.Nem ele mais a desejar se atreve
Do que merece: eu te amo, o meu desejo
Apenas cobra um bem que se me deve.Clamo, e não gemo; avanço, e não rastejo;
E vou de olhos enxutos e alma leve
Ă€ galharda conquista do te beijo.
MarĂlia De Dirceu
Soneto 11
Com pesadas cadeias manietado,
Ă€s vozes da razĂŁo ensurdecido,
Dos céus, de mim, dos homens esquecido,
Me vi de amor nas trevas sepultado.Ali aliviava o meu cuidado
C’o dar de quando em quando algum gemido.
Ah! tempo! Que, somente refletido,
Me fazes entre as ditas desgraçado.Assim vivia, quando a falsidade
De Laura me tornou num breve dia
Quanto a razĂŁo nĂŁo pĂ´de em longa idade:Quebrei o vil grilhĂŁo que me oprimia!
Oh! feliz de quem goza a liberdade,
Bem que venha por mĂŁos da aleivosia!
Amar Ă© Conhecer Virtude Ardente
AMOR QUE, SEM DETER-SE NO ASPECTO SENSITIVO, PASSA AO INTELECTUAL
Mandou-me, ai Fábio!, que a amasse Flora,
e que nĂŁo a quisesse; meu cuidado,
obediente, confuso, torturado,
sem desejá-la, tal beleza adora.O que o humano afecto sente e chora
goza o entendimento, enamorado
do espĂrito eterno, encarcerado
neste claustro mortal que o entesoura.Amar Ă© conhecer virtude ardente;
o querer Ă© vontade interessada,
grosseira e rude, passageiramente.O corpo é terra, sê-lo-á, foi nada;
de Deus procede Ă eternidade a mente:
eterno amante sou de eterna amada.Tradução de José Bento
Soneto Do Corifeu
SĂŁo demais os perigos desta vida
Para quem tem paixĂŁo, principalmente
Quando uma lua surge de repente
E se deixa no céu, como esquecida.E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma mĂşsica qualquer
AĂ entĂŁo Ă© preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher.Deve andar perto uma mulher que Ă© feita
De mĂşsica, luar e sentimento
E que a vida nĂŁo quer, de tĂŁo perfeita.Uma mulher que Ă© como a prĂłpria Lua:
TĂŁo linda que sĂł espalha sofrimento
TĂŁo cheia de pudor que vive nua.
Soneto X
Quais no soberbo mar Ă nao, que cansa
Lidando c’os assaltos da onda e vento,
Os Ebálios irmãos do Etéreo assento
Lhe confirmam do porto a esperança,Tal vossa vista ao tempo, que se alcança
Desta, que nĂŁo tem mor contentamento,
No mar de meu cuidado e meu tormento
Mil esperanças cria de bonança.Comparação, conforme a causa, ufana,
Pois quando um me aparece, outro se esconde,
Como no Céu faz ua, e outra estrela.Iguais também no Amor, que em vós responde
Também no desamor da Irmã Troiana,
Que ambos vos conjurais em Ăłdio dela.
Julga-me a gente toda por perdido
Julga-me a gente toda por perdido,
Vendo-me tĂŁo entregue a meu cuidado,
Andar sempre dos homens apartado
E dos tratos humanos esquecido.Mas eu, que tenho o mundo conhecido,
E quase que sobre ele ando dobrado,
Tenho por baixo, rĂşstico, enganado
Quem não é com meu mal engrandecido.Vá revolvendo a terra, o mar e o vento,
Busque riquezas, honras a outra gente,
Vencendo ferro, fogo, frio e calma;Que eu sĂł em humilde estado me contento
De trazer esculpido eternamente
Vosso fermoso gesto dentro na alma.
Sustenta Meu Viver Üa Esperança
Sustenta meu viver üa esperança
derivada de um bem tĂŁo desejado
que, quando nela estou mais confiado,
mor dúvida me põe qualquer mudança.E quando inda este bem na mor pujança
de seus gostos me tem mais enlevado,
me atormenta então ver eu que, alcançado
será por quem de vós não tem lembrança.Assi, que nestas redes enlaçado,
a penas dou a vida , sustentando
ĂĽa nova matĂ©ria a meu cuidado .Suspiros d’alma tristes arrancando,
dos silvos de ua pedra acompanhado,
estou matérias tristes lamentando.
Siga-se Amor
Ou fosse, Nize, em nĂłs pouca cautela,
Ou que alguém pressentisse o nosso enleio,
Tudo se sabe já; tudo é já cheio,
Qu’algum cuidado há muito nos disvela.Dizem, qu’eu sou feliz, que tu és bela;
E Ă s vezes com satĂrico rodeio,
Um murmura, outro zomba, e sem receio
A fama cada qual nos atropela.Mas se nunca se tapa a boca Ă gente,
E se amor sempre activo nos devora,
Porque aquela é mordaz, porque este ardente;Adoremo-nos pois como até agora:
Siga-se amor; arraste-se a corrente;
E se o mundo falar, que fale embora.