Dionysio
Ungido para o fado e a nova festa
Meu carnaval profano já celebra
As quarentenas dĂvidas da carne
Na cela de costelas das mulheres.Como devasso réu, confesso fauno,
No vinho das delĂcias me declaro
Sem culpa e sem pecado original
Pois nessa pena sou igual a tantos.Já disse certa vez em cantoria:
De nada me arrependo e reconfirmo
Agora que o meu tempo é só de gozo.A vida que me dou não dá guarida
Nem guarda desalentos de tristeza
Somente na alegria Ă© que me morro.
Sonetos sobre Desalento
12 resultadosInfeliz
Alma viúva das paixões da vida,
Tu que, na estrada da existĂŞncia em fora,
Cantaste e riste, e na existĂŞncia agora
Triste soluças a ilusão peerdida;Oh! Tu, que na grinalda emurchecida
De teu passado de felicidade
Foste juntar os goivos da Saudade
Às flores da Esperança enlanguescida;Se nada te aniquila o desalento
Que te invade, e o pesar negro e profundo,
Esconde Ă Natureza o sofrimento,E fica no teu ermo entristecida,
Alma arrancada do prazer do mundo,
Alma viúva das paixões da vida.
Cinzento
Poeiras de crepĂşsculos cinzentos.
Lindas rendas velhinhas, em pedaços,
Prendem-se aos meus cabelos, aos meus braços,
Como brancos fantasmas, sonolentos…Monges soturnos deslizando lentos,
Devagarinho, em misteriosos passos…
Perde-se a luz em lânguidos cansaços…
Ergue-se a minha cruz dos desalentos!Poeiras de crepĂşsculos tristonhos,
Lembram-me o fumo leve dos meus sonhos,
A nĂ©voa das saudades que deixaste!Hora em que teu olhar me deslumbrou…
Hora em que a tua boca me beijou…
Hora em que fumo e nĂ©voa te tornaste…
Meu Calvário
Ando sempre a seguir-te… a buscar-te distante
como a visĂŁo que anseio e os olhos me seduz,
– e espero te encontrar, sentir de perto a luz
do teu olhar feliz em ĂŞxtase constante…Mas tu foges de mim, foges a cada instante,
e eu que a este andar eterno já me predispus,
embora Ă s vezes pare, – sigo logo adiante
sem mesmo perceber que esse amor é uma cruz!Não sei se hás de ser minha! O teu afastamento
cresce Ă frente de mim, – no entanto, o imaginário
desejo de alcançar-te ergue o meu desalento…E, apĂłs tanto sofrer, sentir-me-ei consolado,
– se ao cair no caminho… e ao fim do meu Calvário
for morrer sobre a cruz dos braços teus pregado!
Amaritudo
SĂł por ti, astro ainda e sempre oculto,
Sombra do Amor e sonho da Verdade,
Divago eu pelo mundo e em ansiedade
Meu próprio coração em mim sepulto.De templo em templo, em vão, levo o meu culto,
Levo as flores d’uma Ăntima piedade.
Vejo os votos da minha mocidade
Receberem somente escárnio e insulto.Ă€ beira do caminho me assentei…
Escutarei passar o agreste vento,
Exclamando: assim passe quando amei! —Oh minh’alma, que creste na virtude!
O que será velhice e desalento,
Se isto se chama aurora e juventude?
Quatro Sonetos De Meditação – II
Uma mulher me ama. Se eu me fosse
Talvez ela sentisse o desalento
Da árvore jovem que não ouve o vento
Inconstante e fiel, tardio e doceNa sua tarde em flor. Uma mulher
Me ama como a chama ama o silĂŞncio
E o seu amor vitorioso vence
O desejo da morte que me quer.Uma mulher me ama. Quando o escuro
Do crepĂşsculo mĂłrbido e maduro
Me leva a face ao gênio dos espelhosE eu, moço, busco em vão meus olhos velhos
Vindos de ver a morte em mim divina:
Uma mulher me ama e me ilumina.
NĂşpcias PagĂŁs
Braços dados, nĂłs dois, vamos sozinhos…
O teu olhar de encantamento espraias
pelas curvas e sombras dos caminhos
debruados de jasmins e samambaiasHá queixumes de amor na alma dos ninhos
e as nuvens lembram danças de cambraias…
– na minha mĂŁo ansiosa de carinhos
tonta de amor, a tua mĂŁo, desmaias…Andamos sobre painas… entre alfombras…
E Ă luz frouxa da tarde em desalento
misturam-se no chĂŁo as nossas sombras– Aqui… Há rosas soltas, desfolhadas…
Nada receies, meu amor – Ă© o vento
em marcha nupcial pelas ramadas!
O MartĂrio Do Artista
Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A Ăłrbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetais células guarda!Tarda-lhe a idéa! A inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do Ăşltimo momento!Tenta chorar e os olhos sente enxutos!…
É como o paralĂtico que, Ă mingua
Da prĂłpria voz e na que ardente o lavraFebre de em vĂŁo falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a lĂngua,
E nĂŁo lhe vem Ă boca uma palavra!
A Esperança
A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.Muita gente infeliz assim não pensa;
No entanto o mundo Ă© uma ilusĂŁo completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a crença de fanal bendito,
Salve-te a glĂłria no futuro – avança!E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da morte a me bradar: descansa!
Princesa Desalento
Minh’alma Ă© a Princesa Desalento,
Como um Poeta lhe chamou, um dia.
É revoltada, trágica, sombria,
Como galopes infernais de vento!É frágil como o sonho dum momento,
Soturna como preces de agonia,
Vive do riso duma boca fria!
Minh’alma Ă© a Princesa Desalento…Altas horas da noite ela vagueia…
E ao luar suavĂssimo, que anseia,
Põe-se a falar de tanta coisa morta!O luar ouve a minh’alma, ajoelhado,
E vai traçar, fantástico e gelado,
A sombra duma cruz Ă tua porta…
Acusam-me de Mágoa e Desalento
Acusam-me de mágoa e desalento,
como se toda a pena dos meus versos
nĂŁo fosse carne vossa, homens dispersos,
e a minha dor a tua, pensamento.Hei-de cantar-vos a beleza um dia,
quando a luz que nĂŁo nego abrir o escuro
da noite que nos cerca como um muro,
e chegares a teus reinos, alegria.Entretanto, deixai que me nĂŁo cale:
até que o muro fenda, a treva estale,
seja a tristeza o vinho da vingança.A minha voz de morte é a voz da luta:
se quem confia a prĂłpria dor perscruta,
maior glória tem em ter esperança.
D. Quixote
Assim Ă aldeia volta o da “triste figura”
Ao tardo caminhar do Rocinante lento:
No arcaboiço dobrado – um grande desalento,
No entristecido olhar – uns laivos de loucura…Sonhos, a glĂłria, o amor, a alcantilada altura
Do ideal e da FĂ©, tudo isto num momento
A rolar, a rolar, num desmoronamento,
Entre os risos boçais do Bacharel e o Cura.Mas, certo, ó D. Quixote, ainda foi clemente
Contigo a sorte, ao pôr nesse teu cérebro oco
O brilho da IlusĂŁo do espĂrito doente;Porque há cousa pior: Ă© o ir-se a pouco e pouco
Perdendo, qual perdeste, um ideal ardente
E ardentes ilusões – e nĂŁo se ficar louco!