Sonetos sobre Desalento

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Sonetos de desalento escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Dionysio

Ungido para o fado e a nova festa
Meu carnaval profano já celebra
As quarentenas dĂ­vidas da carne
Na cela de costelas das mulheres.

Como devasso réu, confesso fauno,
No vinho das delĂ­cias me declaro
Sem culpa e sem pecado original
Pois nessa pena sou igual a tantos.

Já disse certa vez em cantoria:
De nada me arrependo e reconfirmo
Agora que o meu tempo Ă© sĂł de gozo.

A vida que me dou não dá guarida
Nem guarda desalentos de tristeza
Somente na alegria Ă© que me morro.

Infeliz

Alma viúva das paixões da vida,
Tu que, na estrada da existĂŞncia em fora,
Cantaste e riste, e na existĂŞncia agora
Triste soluças a ilusão peerdida;

Oh! Tu, que na grinalda emurchecida
De teu passado de felicidade
Foste juntar os goivos da Saudade
Às flores da Esperança enlanguescida;

Se nada te aniquila o desalento
Que te invade, e o pesar negro e profundo,
Esconde Ă  Natureza o sofrimento,

E fica no teu ermo entristecida,
Alma arrancada do prazer do mundo,
Alma viúva das paixões da vida.

Cinzento

Poeiras de crepĂşsculos cinzentos.
Lindas rendas velhinhas, em pedaços,
Prendem-se aos meus cabelos, aos meus braços,
Como brancos fantasmas, sonolentos…

Monges soturnos deslizando lentos,
Devagarinho, em misteriosos passos…
Perde-se a luz em lânguidos cansaços…
Ergue-se a minha cruz dos desalentos!

Poeiras de crepĂşsculos tristonhos,
Lembram-me o fumo leve dos meus sonhos,
A névoa das saudades que deixaste!

Hora em que teu olhar me deslumbrou…
Hora em que a tua boca me beijou…
Hora em que fumo e nĂ©voa te tornaste…

Meu Calvário

Ando sempre a seguir-te… a buscar-te distante
como a visĂŁo que anseio e os olhos me seduz,
– e espero te encontrar, sentir de perto a luz
do teu olhar feliz em ĂŞxtase constante…

Mas tu foges de mim, foges a cada instante,
e eu que a este andar eterno já me predispus,
embora Ă s vezes pare, – sigo logo adiante
sem mesmo perceber que esse amor Ă© uma cruz!

Não sei se hás de ser minha! O teu afastamento
cresce Ă  frente de mim, – no entanto, o imaginário
desejo de alcançar-te ergue o meu desalento…

E, apĂłs tanto sofrer, sentir-me-ei consolado,
– se ao cair no caminho… e ao fim do meu Calvário
for morrer sobre a cruz dos braços teus pregado!

Amaritudo

SĂł por ti, astro ainda e sempre oculto,
Sombra do Amor e sonho da Verdade,
Divago eu pelo mundo e em ansiedade
Meu próprio coração em mim sepulto.

De templo em templo, em vĂŁo, levo o meu culto,
Levo as flores d’uma Ă­ntima piedade.
Vejo os votos da minha mocidade
Receberem somente escárnio e insulto.

Ă€ beira do caminho me assentei…
Escutarei passar o agreste vento,
Exclamando: assim passe quando amei! —

Oh minh’alma, que creste na virtude!
O que será velhice e desalento,
Se isto se chama aurora e juventude?

Quatro Sonetos De Meditação – II

Uma mulher me ama. Se eu me fosse
Talvez ela sentisse o desalento
Da árvore jovem que não ouve o vento
Inconstante e fiel, tardio e doce

Na sua tarde em flor. Uma mulher
Me ama como a chama ama o silĂŞncio
E o seu amor vitorioso vence
O desejo da morte que me quer.

Uma mulher me ama. Quando o escuro
Do crepĂşsculo mĂłrbido e maduro
Me leva a face ao gĂŞnio dos espelhos

E eu, moço, busco em vão meus olhos velhos
Vindos de ver a morte em mim divina:
Uma mulher me ama e me ilumina.

NĂşpcias PagĂŁs

Braços dados, nĂłs dois, vamos sozinhos…
O teu olhar de encantamento espraias
pelas curvas e sombras dos caminhos
debruados de jasmins e samambaias

Há queixumes de amor na alma dos ninhos
e as nuvens lembram danças de cambraias…
– na minha mĂŁo ansiosa de carinhos
tonta de amor, a tua mĂŁo, desmaias…

Andamos sobre painas… entre alfombras…
E Ă  luz frouxa da tarde em desalento
misturam-se no chĂŁo as nossas sombras

– Aqui… Há rosas soltas, desfolhadas…
Nada receies, meu amor – Ă© o vento
em marcha nupcial pelas ramadas!

O MartĂ­rio Do Artista

Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A Ăłrbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetais células guarda!

Tarda-lhe a idéa! A inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do Ăşltimo momento!

Tenta chorar e os olhos sente enxutos!…
É como o paralítico que, à mingua
Da prĂłpria voz e na que ardente o lavra

Febre de em vĂŁo falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a lĂ­ngua,
E nĂŁo lhe vem Ă  boca uma palavra!

A Esperança

A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.

Muita gente infeliz assim nĂŁo pensa;
No entanto o mundo Ă© uma ilusĂŁo completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?

Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a crença de fanal bendito,
Salve-te a glĂłria no futuro – avança!

E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da morte a me bradar: descansa!

Princesa Desalento

Minh’alma Ă© a Princesa Desalento,
Como um Poeta lhe chamou, um dia.
É revoltada, trágica, sombria,
Como galopes infernais de vento!

É frágil como o sonho dum momento,
Soturna como preces de agonia,
Vive do riso duma boca fria!
Minh’alma Ă© a Princesa Desalento…

Altas horas da noite ela vagueia…
E ao luar suavĂ­ssimo, que anseia,
Põe-se a falar de tanta coisa morta!

O luar ouve a minh’alma, ajoelhado,
E vai traçar, fantástico e gelado,
A sombra duma cruz Ă  tua porta…

Acusam-me de Mágoa e Desalento

Acusam-me de mágoa e desalento,
como se toda a pena dos meus versos
nĂŁo fosse carne vossa, homens dispersos,
e a minha dor a tua, pensamento.

Hei-de cantar-vos a beleza um dia,
quando a luz que nĂŁo nego abrir o escuro
da noite que nos cerca como um muro,
e chegares a teus reinos, alegria.

Entretanto, deixai que me nĂŁo cale:
até que o muro fenda, a treva estale,
seja a tristeza o vinho da vingança.

A minha voz de morte Ă© a voz da luta:
se quem confia a prĂłpria dor perscruta,
maior glória tem em ter esperança.

D. Quixote

Assim Ă  aldeia volta o da “triste figura”
Ao tardo caminhar do Rocinante lento:
No arcaboiço dobrado – um grande desalento,
No entristecido olhar – uns laivos de loucura…

Sonhos, a glĂłria, o amor, a alcantilada altura
Do ideal e da FĂ©, tudo isto num momento
A rolar, a rolar, num desmoronamento,
Entre os risos boçais do Bacharel e o Cura.

Mas, certo, Ăł D. Quixote, ainda foi clemente
Contigo a sorte, ao pôr nesse teu cérebro oco
O brilho da IlusĂŁo do espĂ­rito doente;

Porque há cousa pior: é o ir-se a pouco e pouco
Perdendo, qual perdeste, um ideal ardente
E ardentes ilusões – e nĂŁo se ficar louco!